Chama-se pembrolizumab, é um medicamento inovador com indicação para tratar vários problemas oncológicos e agora foi introduzido no Serviço Nacional de Saúde para tratar mais um: o cancro da mama triplo negativo, um dos mais agressivos, e que afeta sobretudo mulheres jovens. O problema é que muitas doentes que poderiam beneficiar do fármaco — com comprovados benefícios na sobrevivência — não têm acesso ao medicamento. Uma dessas doentes, Sandra Gomes, lançou uma petição, que já conta com quase 18.000 assinaturas, a pedir que o fármaco seja disponibilizado no SNS.

A petição dirigida à Autoridade Nacional de Medicamentos e Produtos de Saúde (Infarmed) foi lançada por esta enfermeira, 40 anos, diagnosticada em 2016 com cancro da mama triplo negativo e que, segundo afirma na petição, viu recusado pelo Infarmed o acesso ao fármaco no passado dia 17 de abril.

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“Pretendo com este abaixo-assinado, extensível a toda a população, apelar a que a decisão do PAP [Programa de Acesso Precoce] seja revertida e que esta terapêutica seja disponibilizada e comparticipada para todos os doentes que dela possam beneficiar e para os quais exista critério e decisão clínica positiva”, lê-se no documento.

Em 2016, Sandra Gomes foi submetida a oito sessões de quimioterapia, cirurgia e 33 sessões de radioterapia. Em novembro de 2022, foi diagnosticada com uma recidiva ganglionar, ou seja, uma metástase.

A doente iniciou um ciclo de quimioterapia no dia 20 de janeiro de 2023, que ainda mantém, defendendo que a este protocolo terapêutico “devia ter sido adicionado desde o primeiro ciclo de quimioterapia uma imunoterapia, o pembrozilumab”. É precisamente em combinação com a quimioterapia que o pembrolizumab é eficaz: segundo o ensaio clínico que serviu de base à aprovação do fármaco na União Europeia, esta combinação resulta, em média, num aumento da sobrevivência livre de progressão (em 5 meses) e da sobrevivência global (em 7 meses) quando comparado com a quimioterapia isolada.

Diretor de Oncologia do Santa Maria defende  o acesso ao fármaco por parte das doentes com doença metastática e doença localmente avançada

Segundo a doente, a equipa médica que a segue deu indicação terapêutica para lhe ser administrada esta imunoterapia (o pembrolizumab), mas o pedido foi recusado pelo Infarmed no início de maio. Este pedido foi feito no âmbito de um Programa de Acesso Precoce (PAP), um mecanismo que tem como objetivo garantir o acesso dos doentes aos fármacos enquanto não é avaliada a viabilidade do financiamento público.

Ora, questionado pelo Observador, o Infarmed explica que a Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde do Infarmed — que integra peritos clínicos —,  considerou existirem alternativas terapêuticas para doentes como Sandra Gomes, ou seja, para doentes com doença metastática.

Neste momento, o pembrolizumab só está acessível no SNS como tratamento para doença localmente avançada e não metastática. Este acesso vigora desde 5 de abril quando o Infarmed aprovou um outro PAP, cujos custos foram cobertos, para um máximo de 50 doentes, pelo laboratório que produz o medicamento, a Merck Sharp & Dohme. No entanto, este PAP não abrange doentes como Sandra Gomes, uma vez que, como se pode ler no site do Infarmed, o PAP destina-se a doentes com “cancro da mama triplo-negativo localmente avançado ou em estadio precoce com elevado risco de recorrência”.

Ao Observador, o diretor do Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, serviço que acompanhou Sandra Gomes, critica a diferenciação feita pelo Infarmed, que acaba por limitar o acesso. “Para mim, é tão importante dar o pembrolizumab num caso como no outro. As mulheres com doença metastática também têm um beneficio significativo a nível da sobrevivência”, explica Luís Costa. “Estas mulheres também devem ter acesso ao fármaco, tal como as mulheres com doença localmente avançada. A expectativa de vida para estas doentes é inferior a 2 anos”, defende o especialista, revelando que uma outra doente seguida no Santa Maria, também com cancro da mama triplo negativo, viu-lhe ser negado o acesso ao medicamento.

No entanto, também doentes como Sandra Gomes poderão aceder ao fármaco em breve. O Infarmed diz que, à luz dos novos dados, “decorrentes de igual forma do relatório de avaliação farmacoterapêutica do medicamento nesta indicação, concluído recentemente, o pedido encontra-se agora em reanálise”. “Entretanto, e uma vez que já se encontra concluída a fase de avaliação farmacoterapêutica no âmbito do pedido de financiamento (face às alternativas terapêuticas consideradas), o Infarmed deu início à revisão da elegibilidade para PAP nesta indicação terapêutica, enquanto decorre a última fase do processo de avaliação de financiamento que permitirá a disponibilização do medicamento para tratamento desta situação no SNS”, revelou o Infarmed, em resposta à Lusa.

De acordo com o Infarmed, o PAP foi indeferido, mas “à luz dos novos dados, decorrentes de igual forma do relatório de avaliação farmacoterapêutica do medicamento nesta indicação, concluído recentemente, encontra-se agora em reanálise”.

A obtenção de autorização de introdução no mercado para os medicamentos inovadores é atribuída em regra pela Comissão Europeia, após parecer da Agência Europeia de Medicamentos. Depois desta fase, e para que possam ser utilizados e financiados pelo SNS, os medicamentos devem demonstrar vantagem terapêutica e vantagem económica face à prática clínica nacional, de forma a garantir o acesso de todos os cidadãos quer às terapêuticas inovadoras, quer aos demais cuidados que necessitem no contexto do SNS.