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Se é verdade que existem grupos mais abertos onde existem três ou mesmo quatro candidatos (tendo depois percentagens diferentes de probabilidade de sucesso), o grupo H surgia como aquele mais linear em termos teóricos: a grande favorita ao primeiro lugar, a Alemanha, a pequena favorita à segunda posição, a Coreia do Sul, e dois outsiders apostados em provar o desenvolvimento do futebol feminino no país, Marrocos e Colômbia. No entanto, e olhando para o caso das magrebinas, havia algo mais em causa que nem mesmo o facto de fazerem a estreia contra uma toda poderosa do futebol mundial poderia beliscar. Aliás, a festa que os adeptos africanos iam fazendo nas bancadas em desvantagem era exemplo paradigmático disso mesmo.

Desta vez foi mesmo para casa: Inglaterra vence Alemanha em Wembley e é campeã europeia de futebol feminino

Já com uma liga feminina profissional, Marrocos beneficiou da organização da Taça das Nações Africanas de 2022 (onde alcançou a final com mais de 50.000 espectadores, depois dos mais de 45.000 nas meias com a Nigéria) para ter um boost em termos de crescimento que desaguou na primeira fase final de sempre de um Mundial, naquela que era também a primeira equipa árabe a chegar a este patamar. Ghizlane Chebbak, filha do antigo internacional Larbi Chebbak, surgia como principal referência aos 32 anos de uma formação ainda jovem – reflexo da aposta da Federação nas equipas de base –, mas havia também a história da defesa Nouhaila Benzina, suplente no encontro inaugural que se poderia tornar também a primeira atleta de sempre a jogar em Mundiais de hijab, tema atual e polémico após uma decisão de um tribunal francês ratificada pelo Conselho de Estado que deu razão à Liga gaulesa e proibiu o uso do véu islâmico em jogo.

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Histórias não faltavam na equipa de Marrocos, história não faltava na equipa da Alemanha. As germânicas, campeãs olímpicas em 2016 (tendo antes três medalhas de bronze), mundiais em 2003 e 2007 (o pior que fez em todas as edições foi ficar pelos quartos) e europeias em 1989, 1991, 1995, 1997, 2001, 2005, 2009 e 2013, tiveram um alerta no último particular frente à Zâmbia, com uma surpreendente derrota nos minutos finais, e chegavam a este arranque em Melbourne com algumas peças importantes ainda a debelar lesões como Lena Oberdorf, mas sabiam a “obrigação” que tinham em somar três vitórias na fase de grupos. Mais: apesar desses obstáculos, havia o sentimento de “vingança” depois da final perdida com a Inglaterra no último Europeu, marcada pela lesão no aquecimento de Alexandra Popp. Tudo podia ter sido diferente.

Se dúvidas ainda existissem, a jogadora de 32 anos do Wolfsburgo necessitou apenas de uma parte para mostrar (mais uma vez) que é uma das principais referências da modalidade. E esses dois golos tiveram o condão de catapultar a Alemanha para uma vantagem que praticamente decidiu logo a partida.

O primeiro tempo começou com a Alemanha ao ataque e, depois de um lance em que uma defesa marroquina cortou a bola perto da linha de golo, Alexandra Popp inaugurou o marcador de cabeça na sequência de um cruzamento de Kathrin Hendrich com uma saída mal calculada de Khadija Er-Rmichi (11′). Além do 1-0, esse lance mostrou bem o problema do conjunto africano em recuar muito as linhas, possibilitando que a central pudesse avançar como uma lateral para criar superioridade numérica. Reynald Pedros, antigo internacional francês que lidera a formação de Marrocos, ia pedindo às jogadoras para subirem e Ghizlane Chebbak teve um bom remate de meia distância a tentar responder ao domínio alemão. Contudo, o 2-0 chegaria ainda antes do intervalo, de novo com Popp a desviar de cabeça/ombro após um canto na esquerda (39′).

O reinício do encontro seria determinante para o que se seguiria até ao final mas foi aí que Marrocos acabou por falhar, permitindo à Alemanha aumentar a vantagem logo no minuto inicial: Klara Bühl recuperou a bola na esquerda, foi até à linha de fundo cruzar, Jule Brand ainda acertou no poste mas a mesma Bühl fez a recarga para o 3-0. Lahmari, após mais uma assistência de Chebbak, viu um golo anulado pouco depois (53′) e tudo continuaria a correr mal às marroquinas, que viram Hanane Aït El Haj desviar para a própria baliza uma insistência após canto (54′). Chegava a altura das substituições, das poupanças mas nem por isso veio a hora de desacelerar o ritmo, com a Alemanha a chegar ao 6-0 com mais um autogolo de Yasmin Mrabet na sequência de outro canto agora na direita do ataque (79′) e um golo de Schüller em cima do minuto 90.

A pérola

  • Era um dos nomes mais destacados antes do Mundial, começou o Mundial como um dos nomes mais destacados com um bis que a colocou como terceira melhor marcadora de sempre da Alemanha (64 golos) e como uma das líderes da lista de melhores marcadores da prova a par de Hinata Miyazawa (Japão) e Sophia Smith (EUA). Além dos dois golos noutras tantas oportunidades, Alexandra Popp mostrou também a sua versatilidades nas ações ofensivas, em apoios frontais ou descaindo nas alas, sendo uma das grandes candidatas não só a melhor marcadora como a melhor jogadora do torneio.

O joker

  • Parece quase paradoxal destacar alguém de uma equipa que acaba goleada mas Ghizlane Chebbak fez por merecer essa distinção. Foi a jogadora mais rematadora de Marrocos, fez a assistência para Lahmari marcar num lance que seria anulado por fora de jogo e mostrou sempre ter aquele toque de bola de artista que fez por mais (e que pode ainda ser a chave nas duas próximas partidas da fase de grupos). Entre as alemãs, Svenja Huth foi um motor a dar profundidade pela direita como lateral e Klara Bühl abriu o livro na segunda parte com uma série de investidas pela esquerda que criaram perigo.

A sentença

  • A derrota de Marrocos já era esperada mas os sinais que ficaram permitem pelo menos sonhar com uma vitória neste Campeonato do Mundo, sendo certo que o Coreia do Sul-Colômbia desta terça-feira terá um papel preponderante nas contas da qualificação para os oitavos. No lado da Alemanha, um triunfo na próxima ronda contra as sul-americanas deve confirmar o previsível: liderança do grupo H.

A mentira

  • A Alemanha foi superior a todos os níveis apesar de alguns bons pormenores de Marrocos quando ia tentando sair em transições e variações rápidas mas a maior diferença entre os dois conjuntos esteve num outro ponto muito específico: as bolas paradas. É aí que as germânicas têm um dos seus pontos fortes, é aí que as marroquinas têm um dos seus calcanhares de Aquiles e foi assim que a formação europeia construiu três golos e ainda teve mais uma bola no poste durante a segunda parte.