O elefante-africano detém o recorde da gestação mais longa entre os mamíferos — 645 dias (cerca de 21,5 meses) —, seguido do elefante-indiano (617 dias, 20,5 meses) e só depois pelo cachalote, com gestações de 480 a 590 dias (16 a 20 meses). Mas estes recordes estão em vias de serem ultrapassados se se confirmar que a baleia-da-gronelândia (ou baleia-franca-do-ártico) tem uma gestação de quase 24 meses.
Para a baleia-da-gronelândia (Balaena mysticetus) não há urgências — talvez ainda não tenha ouvido as últimas notícias sobre o impacto das alterações climáticas no Ártico. Pode viver até aos 200 anos, por isso também não tem pressa de chegar à puberdade (ou seja, chegar à maturidade sexual), que só atinge por volta dos 25-26 anos. E, pelos vistos, também dispõe de muito tempo para formar um novo ser dentro do seu ventre — pelo menos, é o que dizem as barbas (mas já lá vamos).
A estimativa de uma gestação de 23,6 meses (mais mês e meio, menos mês e meio) não foi feita por observação direta — até porque estas baleias são tão esquivas e passam tanto tempo em profundidade que são difíceis de acompanhar. Para olhar a questão em pormenor, os investigadores analisaram as hormonas de 10 baleias caçadas legalmente pelos Inuit entre 1998 e 2011, na costa este do Canadá e oeste da Gronelândia, conforme descrevem no artigo publicado na revista científica Royal Society Open Science.
Que indicadores foram analisados?
↓ Mostrar
↑ Esconder
- Progesterona — níveis muito elevados de progesterona são bons indicadores de gravidez neste grupo de baleias;
- Estradiol — aumenta a partir do meio da gravidez e mantém-se alto até ao momento do parto;
- Corticosterona — desempenha um papel importante no desenvolvimento dos órgãos do feto durante a gestação;
- Isótopos estáveis de nitrogénio — têm um ciclo anual, que poderá ser reflexo dos hábitos de alimentação, e foi usado para estimar a taxa de crescimento das barbas.
Para ser mais precisa, os investigadores analisaram os níveis de progesterona, estradiol e corticosterona e os índices de isótopos estáveis de nitrogénio nas barbas destas 10 baleias. De facto, o queixo desta espécie é branco, mas não tem nada a ver com isso: as barbas são os substitutos dos dentes, placas de queratina cobertas de “pelos” que ajudam a filtrar a água e recolher o alimento de que necessitam.
As placas (ou barbas) da baleia-da-gronelândia podem ultrapassar os quatro metros de comprimento e conter a informação de 15 a 20 anos de crescimento dos tecidos (onde estão as tais hormonas). Com amostras a cada dois centímetros ao longo das placas, a equipa de Nadine Lysiak, investigadora na Universidade Suffolk (Boston, Estados Unidos), conseguiu um retrato quase mensal. Já dá para antever que é quase como abrir um álbum de fotografias e ver o que se passou uma dezena ou duas de anos atrás e assim reconstruir a história destas 10 fêmeas.
Das 10 fêmeas estudadas, três (com 9,04 a 14,32 metros de comprimento) seriam ainda imaturas ou estariam no início da fase adulta. Nas outras sete (com 14,35 a 17,29 metros de comprimento) foi possível analisar picos de produção de progesterona (associada à ovulação e gestação). Estes picos, duplos para cada ciclo de gestação, foram interpretados pelos investigadores com uma forma de gravidez complexa — como, aliás, acontece noutros mamíferos —, onde pode acontecer um atraso na fertilização ou cios muito prolongados. E assim se explicaria porque é que uma gestação tão longa, de quase dois anos, daria origem a bebés comparativamente tão pequenos.
Nas espécies em que as fêmeas podem acasalar com vários machos num curto espaço de tempo, como é o caso da baleia-da-gronelândia, uma fertilização retardada permite uma verdadeira competição de espermatozoides de machos diferentes — e que vença o melhor. Há uma outra hipótese, a implantação do óvulo ser retardada até que as condições ambientais ou de alimento sejam ideias, mas esta estratégia nunca foi observada em cetáceos (baleias e golfinhos). Já períodos de cio prolongados permitem que as fêmeas estejam recetivas durante mais tempo, aumentando a probabilidade de acasalamento e de fertilização.
Numa segunda hipótese, considerando só o segundo pico de progesterona como a “verdadeira gravidez”, os investigadores obtiveram tempos de gestação de 14,3 a 19,2 meses, mais próximos dos 14 meses anteriormente observados. “Embora mais alinhada com as estimativas atuais de gestação, essa interpretação não fornece nenhuma explicação para a natureza bimodal do pico de progesterona, nem para os aumentos simultâneos de outros hormonas em sua última metade”, escrevem os autores. Ou seja, deixa os investigadores sem resposta para as observações que fizeram.
Mais trabalhos que examinem perfis endócrinos longitudinais, analisem hormonas adicionais, mais indivíduos e outras espécies, são necessários para entender melhor a fisiologia reprodutiva das baleias de barbas, incluindo como podem divergir do modelo endócrino generalizado de mamíferos”, acrescenta a equipa que juntou investigadores dos Estados Unidos, Canadá e Gronelândia.
Para esclarecer se as baleias-da-gronelêndia têm efetivamente gestações de dois anos ou apenas 14 meses, os investigadores propõe se aprofunde a investigação e que se estudem mais hormonas, nomeadamente a prolactina (que estimula a produção de leite), a relaxina (que permite o relaxamento das articulações em preparação para o parto) e uma melhor resolução da análise dos estrogénios (para confirmar, ou não, múltiplos cios ou implantação retardada).
A equipa de Nadine Lysiak também conseguiu estimar que entre o início de duas gestações consecutivas podem passar 2,9 anos (quase só um ano de intervalo entre o parto e a gravidez seguinte) e 5,7 anos. Dados que, segundo os autores, foram fornecidos pela primeira vez para a população de baleias-da-gronelândia daquela região.