Nestes tempos de produções milionárias na televisão (curiosamente, são também tempos de greves com prejuízos igualmente valiosos), descobrimos várias vezes, através de entrevistas, por exemplo, que certa produção esteve para ser um filme mas acabou dividida em episódios. As razões habitualmente apontadas são várias: a vontade de ir contra o que é normalmente entendido como “o formato televisivo”; a ideia de que o valioso tempo do espectador será mais respeitado; ou a mais prosaica justificação que diz que “a história não caberia num filme”. Tudo isto a propósito de “Hijack”, sete episódios, sete horas, as sete de um voo Dubai-Londres. E tudo isto para dar um bom exemplo de utilização da TV (incluindo o velho hábito de estrear um episódio por semana) em vez de apressar a narrativa num filme que nunca poderia demorar sete horas.

Porque é que voltamos a falar desta série? Pela raridade que é dar de caras com uma história simples mas de nervos levados ao extremo, sem trapalhadas que não fazem sentido e que em qualquer momento levam o espectador a sentir que está a perder tempo. Quando “Hijack” tira o tapete, é coisa séria. Quando nos deixa suspensos à espera do próximo episódio, fá-lo sempre em primeira classe, à antiga, em vez de seguir as regras low cost que têm controlado muita da produção televisiva contemporânea.

Depois, claro, há Idris Elba. Já falámos no passado de como o ator transforma aquilo em que participa só por ser Idris Elba. Em “Hijack” veste uma personagem atípica para uma série sobre um sequestro de avião. Primeiro episódio: sabe-se o que faz, é um negociador que vale todo o dinheiro em processos de fusões de empresas. Também se sabe que, pela profissão que tem, devemos sempre manter uma boa dose de desconfiança sobre tudo o que diz. Por isso, quando refere a dado momento que não quer saber de mais ninguém no avião a não ser ele próprio, sabemos duas coisas: ele não está a dizer a verdade; mas, ao mesmo tempo, está a dizer a verdade, ao controlar o lado humano, egoísta, que muita vezes se tenta esconder. Sam (Elba) usa essa capacidade como arma. Acima de tudo, é apenas um passageiro como (quase) todos os outros.

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Fica evidente, em certos momentos, que Sam foge ao arquétipo de protagonista deste tipo de cenas. Apesar de ter um porte que se adequa à narrativa (há criminosos armados num espaço sensível e fechade como é a cabine de um avião comercial), Sam mostra-se indisponível para neutralizar fisicamente qualquer um dos sequestradores. Mesmo que alguns sejam visivelmente menos aptos do que ele. Sam não é capaz, não está preparado e aí foge ao figurão de herói. Nas mãos de outros argumentistas, Sam seria um negociador que no passado teria sido um ex-agente de uma qualquer organização secreta. Ali, é um tipo como nós, que sabe algumas coisas de como um avião funciona, mas muitas outras vai descobrindo conforme o tempo passa. Aprende e adapta-se.

Um thriller é melhor por ter um herói identificável? Claro que não. Mas é melhor por saber jogar isso em todo o contexto. “Hijack” tem uma história diferente das habituais histórias de sequestro. O elemento sete horas, cada hora um episódio, faz lembrar o velhinho “24”. Contudo, o tempo tem um objetivo — a duração do voo — e faz parte de um plano desvendado em progressão, sem roubar sensibilidade à história. Tudo arranca num aeroporto, passa para dentro do avião, onde fica durante muito tempo, e a partir do terceiro episódio há um alívio para fora, em concreto em Londres, o destino, onde governo, polícia e controladores de tráfego aéreo tentam descortinar o que se passa e como evitar algo maior. Em simultâneo, também se vai sabendo que os terroristas têm outras coisas a acontecer em terra. É algo em larga escala e está tudo ligado.

Há peças fundamentais, atores que se destacam, nem que seja Elba, por ser o protagonista. Contudo, em “Hijack” acontece uma coisa invulgar: não se pede sentimentalismo pelas personagens. Claro que várias têm arcos narrativos à volta para justificar mil coisas, mas isso acontece com total desligamento sentimental. Poderia ser defeito, mas o que provoca no espectador é uma espécie de união para com todos os envolvidos: não há nenhuma personagem em particular que se goste, tudo acontece tão rápido e com decisões de tal forma pragmáticas que não há tempo para abraçar uma causa individual. “Hijack” exige a atenção sobre o todo, sobre a situação, a proximidade não forçada que existe com a realidade.

O que nos leva à grande questão: o último episódio concretiza aquilo que a série propõe desde o início? Ou, pelo contrário, derrapa e revela que toda a questão das sete horas era apenas uma extraordinária ideia de marketing? Antes de mais, reconheça-se que há um ótimo princípio de fim com o sexto episódio – onde acontece um sequestro dentro do sequestro – e a confirmação de que haverá tensão até à despedida. É um último grande ato, um em que as expectativas são correspondidas e há uma notória preocupação em responder a algumas questões pendentes, mesmo que a resposta, por vezes, não pareça estar ao nível de todo o plano (as razões dos criminosos podem desiludir alguns, mas enfim, estão associadas aos tempos que vivemos). Se há alguma incredulidade? Sim, sobretudo na resposta à chegada do avião a Londres. Não que “Hijack” se tenha de reger pela vida real, mas até ali não temos muitas razões para acreditar que tudo poderia acontecer de outra forma (e esta é uma das suas virtudes). Ainda assim, termina com a sensação de um bom balanço entre o que acontece no ar – o sequestro – e que se fala em terra – política.

Sete horas — até um pouco menos do que isso — em que a atenção é exigida a cada momento, sem pausas ou desvios para o secundário. É preciso ver “Hijack” para perceber a falta que fazia um thriller assim, que agarra numa situação simulada por diversas vezes na ficção e a entrega com uma sensação fresca. Em parte, isso deve-se a Idris Elba e à celebração da personagem inteligente. Em muito se deve à contenção dos autores em nunca tentar que “Hijack” fosse maior do que aquilo que pretendeia ser. E a forma como nos vão alimentado com nova informação é um reflexo disso. Que não passe despercebida, começam a faltar os thrillers que realmente respeitam o tempo de quem os vê.