A criação de emprego no segundo trimestre deste ano está a fazer-se através dos postos de trabalho pouco qualificados, que recuperam agora depois das perdas da pandemia. Em contraste, os grupos das profissões com maiores qualificações registam perdas homólogas, embora estejam com mais profissionais do que no pré-pandemia, de acordo com uma análise aos dados do Inquérito ao Emprego divulgados esta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
No segundo trimestre de 2023, um período que abrange abril, maio e junho, ou seja, o arranque da época alta do verão, havia em Portugal 4.979,4 mil pessoas empregadas, mais 77,6 mil (1,58%) do que no mesmo período de 2022, mantendo-se a recuperação face à descida acentuada durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19. Essa recuperação, aliás, já permitiu ultrapassar o número de trabalhadores do pré-pandemia: do segundo trimestre de 2019 para o mesmo trimestre deste ano, aumentou em 205 mil o número de pessoas empregadas no país.
Mas os dados do INE revelam que a criação de emprego recente está a fazer-se mais pelo lado do trabalho pouco qualificado do que pelos grupos mais qualificados. Em termos percentuais, entre o segundo trimestre de 2022 e os mesmos três meses (abril, maio, junho) de 2023, foi o grupo dos “trabalhadores não qualificados” que mais viu o emprego crescer (14,79%, mais 53 mil), para um total de 413 mil trabalhadores.
Este grupo — que inclui, por exemplo, trabalhadores de limpeza, ajudantes de cozinha ou trabalhadores não qualificados da agricultura — foi fortemente afetado durante a pandemia, e as restrições que prejudicaram setores como a hotelaria ou a restauração, e ainda não recuperou totalmente dessas perdas (está com menos 25 mil trabalhadores). Mas para lá caminha: num ano, ganhou 53 mil trabalhadores. Este grupo concentra muitos trabalhadores sazonais da agricultura e do turismo, setores que ganham pujança após as restrições da pandemia e cujas contratações se iniciam a partir de março ou abril.
Aliás, o grupo dos “trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores”, que abrange, por exemplo, assistentes de viagem e empregados de mesa e bar, mas também cabeleireiros, comerciantes de loja, bombeiros, agentes da PSP, sargentos da GNR ou seguranças, foi o que, em termos de volume, mais profissionais integrou entre os dois trimestres homólogos: uma subida de 76,6 mil (8,9%) entre o segundo trimestre de 2022 e o mesmo trimestre de 2023.
A liderar os ganhos estão também os “operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem”, outra categoria que viu o emprego cair durante a pandemia. No último ano, na variação trimestral homóloga, registou um aumento de 14% no emprego, para um total de 417,8 mil trabalhadores (mais 52 mil), praticamente ao nível do pré-pandemia (418 mil).
Com subidas menos fortes, mas também expressivas, estão os grupos dos “trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices” (10%, mais 59 mil pessoas) e os “agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura, da pesca e da floresta” (9,8%, mais 10,9 mil profissionais). Todas as outras categorias, que concentram os trabalhadores mais qualificados do mercado de trabalho português, viram o emprego cair no último ano.
Grupo dos professores, médicos e militares em queda (mas acima do pré-pandemia)
No final de maio, durante uma visita à sede da Accenture Portugal, o primeiro-ministro, António Costa, defendeu a capacidade do país em criar emprego “mais qualificado”, citando dados segundo os quais, entre 2015 e 2022, mais 72 mil pessoas com menos de 35 anos e formação superior conseguiram contratos de trabalho efetivo — “uma realidade que traduz a criação de emprego mais qualificado e é uma dinâmica que temos de prosseguir”. E, de facto, no grupo das profissões mais qualificadas, regista-se hoje um aumento do emprego face ao pré-pandemia.
Os dados que o primeiro-ministro tem usado para elogiar as qualificações no país vão só até 2022. Mas se olharmos para a evolução mais recente, entre o segundo trimestre de 2022 e o segundo trimestre de 2023, o caso muda de figura. É que o emprego mais qualificado ficou para trás no último ano, segundo os dados do INE.
Por exemplo, na categoria dos “especialistas das atividades intelectuais e científicas”, que concentra desde profissionais de saúde, como médicos ou enfermeiros, a professores, engenheiros, advogados ou especialistas em finanças e em tecnologias de informação e comunicação, o emprego recuou 8,79%, menos 107 mil trabalhadores. Este é o grupo profissional que mais trabalhadores abrange entre as categorias do INE: no segundo trimestre do ano, tinha 1.118,9 mil trabalhadores, abaixo dos 1.226,8 mil do segundo trimestre de 2022. O número mais recente está, porém, 16,6% acima do mesmo trimestre do pré-pandemia. Nas outra categorias profissionais mais qualificadas, o emprego também está acima de 2019, mas abaixo de 2022.
Esta queda homóloga aplica-se, também, aos técnicos e profissionais de nível intermédio (-5,6%, menos 33 mil profissionais face ao segundo trimestre de 2022), ao pessoal administrativo (-3%, menos 14 mil pessoas) e aos representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores e gestores executivos (-3,3%, menos 10 mil pessoas). Já os militares viram o emprego cair uns significativos 36% no espaço de um ano, o que representa menos 9,2 mil profissionais num universo que, no segundo trimestre deste ano, se fixava em 16 mil. O Observador questionou o Ministério da Defesa sobre os motivos desta redução, mas fonte oficial refere que os dados do INE “não refletem a realidade de efetivos registada pela Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, direção do Ministério da Defesa Nacional responsável por esta matéria”. “Não tendo conhecimento da fonte, critérios e metodologia usadas pelo INE, o Ministério da Defesa Nacional não tem informação que permita analisar os dados a que se refere”, indica.
Uma análise aos dados do INE do emprego por nível de escolaridade corrobora a ideia de que é junto dos menos qualificados que o emprego mais cresceu no último ano, entre o segundo trimestre de 2022 e o mesmo trimestre de 2023. O grupo dos trabalhadores com o ensino superior foi o único que viu, nesse espaço de tempo, a população empregada cair: há menos 128 mil trabalhadores, uma redução de 7,2% (face ao pré-pandemia, porém, há uma subida de 17,8%).
Por outro lado, em termos percentuais, a maior subida deu-se nos trabalhadores sem o ensino primário completo, que dispararam 72%, mais 12,6 mil pessoas para um total de 30 mil. Seguem-se os trabalhadores com apenas o ensino primário (11,7%, mais 37,9 mil trabalhadores). Em volume, foi o grupo com o terceiro ciclo do ensino básico (até ao nono ano de escolaridade) que mais engrossou (9,4%, mais 77,7 mil pessoas). No ensino secundário, há mais 34,5 mil trabalhadores, uma subida de 2,2%.
Há mais 25 mil sem emprego face há um ano
A população empregada subiu no último ano, mas a desempregada também. Segundo o destaque do INE divulgado esta quarta-feira, no segundo trimestre do ano havia em Portugal 324,5 mil pessoas sem emprego, uma redução de 14,7% (55,8 mil) face ao trimestre anterior, mas um aumento de 8,6% (mais 25,7 mil pessoas) em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. A taxa de desemprego, aliás, fixou-se em 6,1% no trimestre terminado em junho, menos 1,1 pontos percentuais do que nos primeiros três meses do ano, porém mais 0,4 p.p. face ao segundo trimestre de 2022.
Para a evolução homóloga da população desempregada contribuíram, sobretudo, os grupos das mulheres (15,4 mil; 9,9%); das pessoas dos 16 aos 24 anos (12,2 mil; + 23,0%) e dos 55 aos 74 anos (12,0 mil; 22,6%); com ensino secundário ou pós-secundário (22,6 mil; 22,1%); daqueles que estão à procura de novo emprego (21,4 mil; 8,3%); e os desempregados há menos de 12 meses (41,3 mil; 28,1%).
Artigo atualizado com a resposta do Ministério da Defesa