Pelo contexto, era tudo menos um jogo típico. Porque tinha jogadores já em Portugal a realizar os habituais exames médicos antes da apresentação oficial, porque tinha outros atletas a caminho de Portugal para fechar os últimos pormenores do acordo, porque chegava numa semana marcada por saídas de titulares, porque nas derradeiras semanas de trabalho aquilo que foi mostrado em partidas particulares ficou um pouco abaixo do que era esperado nesta fase. No entanto, e centrando apenas atenções nas quatro linhas, não poderia ser um jogo mais típico – um clássico, um ajuste de contas entre quem terminou a época a rir e quem venceu o último duelo, o primeiro troféu da temporada. Como sempre, imperava o chavão dos pormenores que fariam a diferença. Todavia, sobrava outro pormaior: saber quem conseguiria colmatar melhor as vagas em aberto.

Benfica vence FC Porto com golos de Di María e Musa e conquista nona Supertaça da história

Da parte do Benfica, e olhando para aquilo que foi a pré-temporada, houve quase um antes e um depois do Torneio Internacional do Algarve. Até aí, tudo parecia tirado a papel químico da última temporada. É certo que Roger Schmidt rodou muito mais a equipa do que em 2022, também é verdade que existiam agora entre as opções verdadeiros “reforços” como Ángel Di María, Orkun Kökçu ou Jurásek, mas as dinâmicas, as ideias e a concretização de tudo isso mais parecia o prolongamento da melhor versão dos encarnados com o técnico alemão. Depois, vieram as dúvidas. O jogo com o Burnley no Restelo não correu não bem, a deslocação a Roterdão para defrontar o Feyenoord não foi melhor e na antecâmara da primeira decisão da época surgiu a confirmação da saída de Gonçalo Ramos. O embalo que se notava até nas bancadas desceu ao nível terrestre.

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“Temos de estar preparados. Trabalhámos muito bem, os jogadores estiveram bem. A época começa com esta possibilidade de ganhar um troféu e vamos dar tudo. Sabemos que é sempre difícil jogar com o FC Porto mas estamos bem preparados para tentar colocar em campo o que trabalhámos na pré-temporada. Perdemos o Gonçalo [Ramos], que era muito importante. Fez uma grande época, marcou muitos golos. Taticamente era um jogo de topo. Esperávamos perdê-lo mas, nesta fase, a dois dias da Supertaça, é uma pena. Por um lado é triste, por outro é bom sinal, de que o Benfica consegue fazer evoluir os jovens. Todos estão em boa forma, agora temos de encontrar os certos para entrar no onze. Início de 2022/23? Cada vitória na época é importante, especialmente no início. Ganhar este jogo não tem a ver com estatísticas mas sim com os 90 minutos. Temos de estar no topo do ponto de vista tático, futebolístico e mental”, destacara Roger Schmidt.

Do lado do FC Porto, que além de Fran Navarro e mais recentemente Nico González teve como maior reforço a permanência de todas as unidades nucleares à exceção de Matheus Uribe, o filme da pré-época teve alguns pontos de contacto com o que se passou no rival: uma entrada com jogos à porta fechada que prometiam, a goleada ao Cardiff que deixou bons sinais, uma derrota com o Wolverhampton e uma igualdade com o Rayo Vallecano que tiveram o condão também de deixar algumas dúvidas sobre aquilo que os dragões poderiam estar a render nesta fase em que aguardam ainda a chegada de Alan Varela (ainda chegarão depois outros reforços) e têm ainda jogadores de fora como o lesionado Evanilson ou o castigado Wendell. O próprio Sérgio Conceição percebia essa renitência sobre a versão 2023/24, aproveitando para ironizar com a mesma.

“Esperamos um jogo muito difícil, competitivo, como uma final. Tudo o que é falado durante as férias, na preparação que as equipas têm, deixa de contar em termos teóricos. A estratégia tem a ver com o adversário, com o momento, com quem vai jogar. Temos de nos focar no que podemos e devemos fazer e depois olhar para capacidades e fragilidades do adversário. Dentro disso, elaboramos o plano de jogo e cabe aos jogadores depois darem o máximo de cada um nas suas tarefas para que o coletivo seja forte. O que mostrámos o ano passado foi que, em muitos dos jogos, temos a nossa identidade. Somos uma equipa agressiva, intensa, muito forte nos duelos mas com muita qualidade de jogo. Se olharmos para os jornais, não somos nada favoritos e vamos acabar o Campeonato em quarto lugar. Olhando para o que podemos fazer, temos 50% probabilidades”, frisara o técnico que viu o castigo de 30 dias despenalizado pelo TAD antes da Supertaça.

Uma coisa era certa: as “regras” do jogo seriam de início diferentes. Contra as expetativas, e até assumindo que a saída de Gonçalo Ramos antes da Supertaça era um dado adquirido ainda antes de ser oficializado, o Benfica trabalhou uma equipa mais móvel sem referência na frente que promovia a colocação de Rafa e Di María mais soltos com Aursnes a ocupar uma posição mais adiantada como tinha acontecido na última época no Dragão e João Neves a ficar como “escudeiro” de Kökçu. É certo que as apostas em Ristic em vez de Jurásek e em Danny Namaso no lugar de Toni Martínez fintaram aquelas que eram as equipas prováveis, mas era a partir dessa mudança de Roger Schmidt que começava a escrever-se direito para o Benfica mas por linhas “tortas”: enquanto não teve uma unidade mais fixa na frente, o FC Porto foi sempre mais perigoso; a partir do momento em que Musa entrou, os encarnados tomaram conta do jogo. Ou seja, entre as exibições de Di María, de João Neves e dos centrais, foi o regresso às origens que assegurou mais um título.

O encontro começou literalmente com perigo junto da baliza do Benfica num lance trabalhado pelo FC Porto que quase saía melhor do que a encomenda: Taremi a dar o pontapé de saída para trás, Eustáquio a bater longo na frente, Grujic a ganhar de cabeça a primeira bola e Galeno a antecipar-se a Bah para puxar para dentro e atirar com força às malhas laterais com apenas 11 segundos decorridos. O extremo acabaria por ser o elemento em maior evidência no quarto de hora inicial, tendo mais dois remates com perigo (o primeiro foi desenquadrado, o segundo sofreu um desvio num adversário e saiu perto do poste para canto) antes de Pepê encontrar Taremi num buraco entre Otamendi e Ristic para o remate ao lado do iraniano em condições na área para fazer muito melhor. Os erros encarnados davam muito mais azul e branco ao jogo.

Quando Di María tocava na bola, os adeptos do Benfica reagiam como uma mola à espera de mais um lance de virtuosismo que fizesse a diferença. No entanto, era o coletivo que falhava. Falhava porque não conseguia fazer ligação entre setores com e sem bola – algo que mesmo assim João Neves foi disfarçando em vários momentos. Falhava porque quando tinha de jogar mais longo na frente procurava referências que não tinha na frente mesmo com a linha defensiva portista a dar a profundidade. Falhava porque não encontrava uma fórmula de Bah não ser colocado em situações de 1×1 com Galeno ou mesmo 2×1 quando Zaidu subia. Os dois primeiros remates dos encarnados surgiram com João Mário e Kökçu de meia distância sem perigo mas as manobras dos campeões continuavam presas num melhor jogo e posicionamento em campo dos dragões.

Mesmo com três jogadores condicionados com amarelo muito cedo (Ristic, João Mário e Kökçu contra dois de Danny Namaso e Pepe), o Benfica ouvia Aursnes, inspirava-se em João Neves e seguia Di María para dar outro equilíbrio ao encontro. Galeno ainda teve uma saída perigosa onde quis fazer mais uma finta e perdeu tempo e ângulo para rematar nas melhores condições na área mas os encarnados conseguiam posses mais longas mesmo com o jogo pelo meio bloqueado e chegavam mais vezes ao último terço com Di María a cair na direita e na esquerda com o mesmo problema de não ter referências no meio e pelo meio. Nem Aursnes aparecia onde deveria aparecer, nem os lances que chegavam à área tinha continuidade e acabou por ser Namaso a ter o último remates antes do intervalo, num desvio de cabeça ao primeiro poste após canto.

Todos levavam algo para reflexão em direção dos balneários. Logo à cabeça, Luís Godinho: num jogo que foi disputado de forma intensa mas sempre dentro dos limites, sete amarelos em 16 faltas constituiu um exagero que prejudicou a fluência do encontro. Do lado do FC Porto, de que forma poderia a equipa aproveitar erros posicionais e saídas rápidas em transição para criar mais mossa na defesa contrária. Da parte do Benfica, de que maneira seria possível encontrar mais presença na zona de finalização para justificar o trabalho que os encarnados faziam pelos corredores laterais. Nesse aspeto, Schmidt não esperou para ver e mexeu, trocando João Mário por Musa além da mudança de lateral esquerdo, de Ristic para o reforço Jurásek.

Em parte, mesmo não havendo um resultado imediato, o Benfica mostrou-se de forma diferente em termos ofensivos como se viu num fantástico lançamento de João Neves na profundidade para Rafa que acabou com um remate às malhas laterais ainda desviado em Pepe. No entanto, nem uma nem outra equipa conseguiam ter a fluência de jogo que permitisse assumir uma superioridade em campo perante um festival de cartões que agora passava para uma segunda fase não de admoestações mas de pedidos de vermelho por acumulação para João Neves e Zaidu. Era preciso algo mais que os coletivos não encontraram e foi aí que apareceu de novo o génio de Di María: primeiro atirou em jeito de fora da área para defesa de Diogo Costa (60′), logo a seguir recebeu de Kökçu após mau passe de Pepê à saída da área e rematou em jeito de pé esquerdo num lance em que o guarda-redes portista deixou a ideia de poder ter feito mais para evitar o golo inaugural (61′).

Sérgio Conceição ainda tentou “abanar” a equipa com as entradas de Romário Baró e Toni Martínez mas o mal já estava feito a partir do momento em que o Benfica cruzou a sua zona de conforto em termos táticos com a vantagem no resultado. Assim, e quase de forma natural, os encarnados chegaram ao 2-0 pouco depois com Rafa a aproveitar mais um erro defensivo dos dragões para assistir Musa ao primeiro poste num desvio que não deu hipóteses a Diogo Costa (68′). Fran Navarro, acabado de entrar, ainda teve uma boa hipótese para reduzir nos dez minutos finais mas entre todas as trocas promovidas pelo FC Porto foi sempre o Benfica a parecer mais perto de um terceiro golo do que propriamente os dragões do 2-1, num registo que se manteve até ao final em festa dos adeptos benfiquistas pela conquista da Supertaça depois do Campeonato entre a expulsão de Pepe por agressão a Jurásek, um golo anulado a Galeno por mão de Gonçalo Borges no início da jogada, duas grandes defesas de Diogo Costa e a rábula do vermelho direto a Sérgio Conceição no banco.