“Welcome to Hell”. Entre as dezenas e dezenas de cartazes, tarjas e bandeiras que os adeptos do Galatasaray iam mostrando aquando da segunda mão da segunda eliminatória de qualificação da Liga dos Campeões da temporada de 1993/94, “Bem-vindo ao inferno” era o mais simpático que era possível encontrar. Os tempos eram outros mas a forma como os turcos viviam aquela possibilidade de eliminarem o Manchester United era algo que não deixava ninguém indiferente, entre a vontade de responder de Eric Cantona ainda no interior do aeroporto e a cara de espanto dos mais novos como David Beckham e companhia. Acabou por acontecer isso mesmo, com o nulo a ser suficiente depois do empate a três em Old Trafford, mas os red devils estavam num processo de construção com Alex Ferguson que levaria mesmo o clube à glória europeia entre todo o sucesso nacional. Depois, tudo mudou. E, agora, o “Welcome to Hell” é mais um espelho da realidade do próprio balneário do que propriamente uma mensagem de um conjunto turco que também perdeu fulgor.

A vitória pela margem mínima arrancada a ferros no Campeonato frente ao Burnley com golo do inevitável Bruno Fernandes, a que se seguiu mais um triunfo na Taça da Liga diante do Crystal Palace, mais não foram do que momentos de disfarce numa realidade que é tudo menos positiva para o Manchester United. Para cada lado que Erik ten Hag olhe, vê um problema – e o próprio parece estar a tornar-se mais problema do que solução exatamente devido a todos esses problemas. Há desequilíbrios no plantel a nível de qualidade e de posições, houve os casos particulares de Jadon Sancho ou Antony (que por não ter uma acusação formal por parte da companheira voltou a trabalhar com o restante plantel), várias notícias que dão conta de um balneário partido, resultados que não aparecem. Tudo ficou adensado com nova derrota na Premier League.

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“Percebo que os adeptos estivessem à espera de uma vitória e no final perdemos. Claro que é preocupante para mim. Temos de ser mais consistentes, isto não é o nível de exigência do Manchester United. Esse nível deve ter uma série de vitórias consecutivas porque temos de fazer melhor do que fizemos até aqui. Podia estar aqui a falar de várias razões para explicar o que se passa mas poderia soar a desculpa e não existem desculpas, temos de ganhar. Temos de fazer melhor, este é definitivamente o caso porque não estamos a ser bons o suficiente. Devemos mostrar isso até na nossa linguagem corporal porque Old Trafford é a nossa fortaleza e não se pode dar nada aqui, só fazer com que saiam aqui com a derrota. Também por isso, temos de fazer melhor”, admitiu o técnico neerlandês após mais uma derrota a jogar em casa.

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De onde é que ele veio? Do Ajax. Eu estive nos dois clubes. O Ajax tem talento, não tem estrelas. Qual é a experiência que ele tem? Trabalhar com jovens talentos. No United a mentalidade é diferente, são jogadores diferentes. Quando se trabalha com jovens talentos a disciplina é diferente. Fazer a mesma coisa no United… Mas a culpa não é dele, não se pode comprar experiência. A experiência adquire-se com tempo (…) Senti isso também no AC Milan como jogador, é preciso ligar o survivor mode: não há tempo para crescer ou para melhorar, é chegar e apresentar os resultados ou alguém fica com o teu lugar”, comentou o ex-avançado Zlatan Ibrahimovic sobre o técnico neerlandês, numa reflexão feita em entrevista a Piers Morgan.

Apesar de ter havido um empate entre Galatasaray e Copenhaga na Turquia na primeira jornada, o que num plano teórico poderia beneficiar o Manchester United, a derrota em Munique frente ao Bayern acabou por ser um primeiro sinal de perigo em relação ao apuramento para os oitavos da Liga dos Campeões. Atual décimo classificado da Premier League com apenas nove pontos em 21 possíveis, os red devils procuravam a todo o custo um trampolim para iniciarem a sua redenção entre as muitas lesões que continuam a afetar a equipa e era com esse foco que chegava a receção ao Galatasaray, segundo classificado da Liga turca sem qualquer derrota que foi reforçando a equipa pensando também nessa aventura europeia com nomes como Icardi, Zaha, Ziyech, Mertens, Tetê, Lucas Torreira, Davinson Sánchez ou Sérgio Oliveira. Por culpa própria, a crise adensou-se. E após mais um desaire Erik ten Hag parece ter os dias contados, deixando a imagem de que é uma espécie de anti-Nobel da Física que por cada solução que encontra ganha mais dois problemas.

A partida começou com uma notória vontade do Manchester United em pressionar o conjunto turco (de novo com muito apoio nas bancadas) para chegar de forma rápida ao golo, algo que até levou a precipitação em passes chave que poderiam abrir os espaços para a baliza, e essa insistência acabou por trazer frutos pouco depois do quarto inicial, com Rashford a conseguir receber descaído sobre a direita para o cruzamento que foi desviado para a baliza por Höjlund, o grande investimento dos red devils para o ataque na esperança de encontrar uma versão 2.0 de Haaland com tudo aquilo que ainda os diferencia (17′). No entanto, em mais um lance em que a passividade da defesa inglesa voltou a causar dano, Wilfried Zaha conseguiu intrometer-se na zona dos centrais a ganhar a Dalot que tentava fazer a dobra para rematar de forma meio atabalhoada mas 100% de eficaz para o empate naquele que foi um regresso de sonho a Old Trafford (23′).

Bruno Fernandes ainda foi tentando remar contra a maré mas o intervalo chegou mesmo com uma igualdade que penalizava sobretudo a equipa visitada, a necessitar de uma vitória não só para subir aos dois lugares da frente do grupos mas também para espantar a crise que é percetível na equipa e no clube. Erik ten Hag não esperou para mexer, trocando Hannibal por Eriksen logo ao intervalo para ganhar um maior critério na construção e desenhar de quando em vez um 4x4x2 mais assumido com Rashford mais por dentro ao lado de Höjlund. O avançado dinamarquês iria mesmo bisar (62′) mas o lance seria anulado por fora de jogo entre uma pressão do United que se ia acentuando e que trouxe frutos de seguida com Höjlund agora a marcar a contar (67′). História contada? Longe disso. E dentro daquela necessidade autofágica de complicar aquilo que podia tornar-se fácil, Kerem Aktürkoglu fez de novo o empate (71′), Icardi ainda falhou um empate que valeu o segundo amarelo a Casemiro (77′) mas o mesmo Icardi não perdoou depois e marcou o 3-2 (81′).