A seleção nacional devia ser um reflexo de um país, dos seus cidadãos, práticas e costumes. Até agora, a equipa da quinas vinha cumprindo com eficácia esse pressuposto. Um sofrimento aqui, uma desilusão ali, mas, no fim, regra geral, os objetivos eram cumpridos. Desta vez, com uma antecedência invulgar, está feito. Sim, já. Portugal não deixou para a última a qualificação para o Euro2024, que se vai jogar na Alemanha numa afronta total ao patriotismo.

A sensação é idêntica à dos alunos quando o professor deixa sair antes da campainha tocar ou dos trabalhadores quando o patrão define que as tarefas do dia estão cumpridas. Numa espécie de manobra de defesa da semana de quatro dias, Roberto Martínez organizou tudo para conseguir que Portugal tivesse o descanso merecido. Sete vitórias em sete jogos, 27 golos marcados e apenas 2 sofridos no grupo J da fase se apuramento deixam os portugueses aliviados a três jogos do fim.

Contra a Eslováquia era apenas necessário vencer para se poder começar a marcar voo e hotel para a Alemanha. Cristiano Ronaldo e Gonçalo Ramos partilharam a frente de ataque. Dessa forma, sobrava a dúvida quanto ao posicionamento de Bernardo Silva, partindo do princípio que Rafael Leão iria atuar no corredor esquerdo. Embora com muita liberdade de movimentos, o jogador do Manchester City partiu da direita no 4x4x2 de Portugal. Bruno Fernandes, partindo de uma zona paralela a Palhinha, também subia ao ataque quando Cristiano Ronaldo caía na direita e Bernardo Silva baixava para a construir numa espécie de carrossel. 

Ficha de Jogo

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Portugal-Eslováquia, 3-2

7.ª jornada do grupo J da qualificação para o Europeu

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro:  Tasos Sidiropoulos (Grécia)

Portugal: Diogo Costa, João Cancelo, António Silva, Rúben Dias, Diogo Dalot, João Palhinha (Rúbe Neves, 86′), Bruno Fernandes, Rafael Leão (João Félix, 65′), Bernardo Silva (Otávio, 86′), Cristiano Ronaldo e Gonçalo Ramos (Diogo Jota, 86′)

Suplentes não utilizados: Rui Patrício, José Sá, Nélson Semedo, João Neves, Danilo, Gonçalo Inácio, Pedro Neto e Vitinha

Treinador: Roberto Martínez

Eslováquia: Dúbravka, Pekarík (Tomic, 76′), Vavro, Skriniar, Hancko, Kucka (Suslov, 45′), Lobotka, Duda, Schranz (Duris, 87′), Bozeník (Polievka, 65′) e Mak (Benes, 45′)

Suplentes não utilizados: Rodak, Ravas, Satka, Gyomber, Hrosovsky, De Marco e Holly

Treinador: Francesco Calzona

Golos: Gonçalo Ramos (18′), Cristiano Ronaldo (29′ e 72′), Hancko (69′) e Lobotka (80′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Pekarík (31′), Bruno Fernandes (57′), Duda (62′), Palhinha (75′) e Suslov (85′)

A questão é que os eslovacos não estavam para brincadeiras e quase deixaram os portugueses com a cabeça a andar à volta quando Mak cruzou e, a meias entre António Silva e Schranz, a bola acabou por ser defendida por Diogo Costa para os ferros baliza. Portugal tinha tido um lance em que o golo ficou preso na linha de golo, mas esta era até então a melhor oportunidade. O provável é que ninguém se lembre que a equipa das quinas sofreu este percalço. É demais dizer que o que se passou a seguir foi uma reação, porque, na verdade, Portugal não fez nada de diferente do que vinha a fazer, simplesmente foi mais eficaz.

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Bruno Fernandes, infiltrou-se no ataque e cruzou a partir da direita. Gonçalo Ramos (18′), no meio de uma concentrada defesa eslovaca, cabeceou e levou Dúbravka à frente, guarda-redes do Newcastle que vinha a impedir sucessivas oportunidades de golo. A Eslováquia tentava nesta fase parar os portugueses de todas as formas possíveis. Vavro até o fez com a mão, tentativa que foi naturalmente penalizada pelo árbitro. Na sociedade entre Ramos e Ronaldo, o capitão tem capital maioritário. Assim, não houve dúvidas para quem ficaria a marcação do penálti. Cristiano (29′) converteu e deu uma vantagem que deixava o selecionador a pensar nas experiências que podia fazer na segunda parte e fez o Dragão celebrar em uníssono.

Numa noite de sexta-feira 13, a chuva torrencial apagou o calor humano que se sentiu no momento e que os jogadores portugueses tanto tinham perspetivado. O jogo também deixou de estar tão aceso. Já com toda a gente com as camisolas coladas contra o corpo e um chapicar que impediu o normal rolar da bola, as condições tornaram-se altamente desinteressantes. A entrada de João Félix voltou a animar as bancadas. O jogador formado no Benfica foi muito aplaudido pelo Dragão, o mesmo estádio que o assobiou quando ali representou o Barcelona na Liga dos Campeões.

A água limitava a capacidade técnica dos portugueses e parecia multiplicar a força dos eslovacos. Hancko (69′) rematou de longe e bateu Diogo Costa pela primeira vez nesta qualificação. Seguiu-se uma demonstração de que Portugal precisa que se carregue num botão para começar a jogar. O ataque nacional voltou a acentuar o domínio e com isso Cristiano Ronaldo (72′) bisou no encontro após nova assistência de Bruno Fernandes. Não seria o ponto final no jogo, porque Lobotka (80′) ainda conseguiria reduzir novamente para 3-2.

Que não sirva a facilidade do apuramento para alimentar esperanças. Recorra-se antes à amarga participação anterior, onde Portugal foi eliminado pela Bélgica nos oitavos, como exemplo do que fazer. A qualificação foi para a seleção nacional uma formalidade e é certo que só se venha a saber o que realmente valem estes jogadores nas mãos de Roberto Martínez quando os confrontos foram com rivais de outro nível. Nesse aspeto, é de lembrar que os últimos desempenhos em grandes competições não foram convincentes.

“Esta seleção está preparada para defrontar qualquer adversário”, garantiu Bruno Fernandes ainda antes do jogo com a Eslováquia. “Não tememos ninguém e respeitamos toda a gente. Sabemos aquilo que podemos fazer, o que podemos causar, respeitando sempre os adversários. E digo já que todos os adversários que tivemos neste grupo no papel não são tão fortes, mas dentro de campo somos onze contra onze. O futebol dá-nos muitas surpresas. Cabe-nos fazer o melhor possível. Só os nomes das camisolas ou o símbolo não fazem isso sozinhos”.

Portugal, ainda com jogos por disputar contra Bósnia, Liechtenstein e Islândia referentes à fase de qualificação, assegura desde já a nona qualificação de sempre para um Europeu, a oitava consecutiva. Cristiano Ronaldo, numa corrida contra si próprio, caso seja convocado, pode tornar-se no primeiro jogador a participar em seis Europeus.