Quase 500 trabalhadores de unidades de cuidados continuados, entre enfermeiros, assistentes sociais ou auxiliares, assinaram uma carta a exigir ao primeiro-ministro um estatuto equivalente ao de funcionário público e aumentos salariais.
Na carta, a que a Lusa teve acesso e que é enviada pela Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC), é possível ler que os “trabalhadores (…) consideram-se servidores públicos tal como os funcionários da administração pública”, “entendem que o seu estatuto deveria ser equiparado ao de funcionário público, com igualdade salarial”, mas que “não é isso que se verifica” e que “os funcionários públicos têm salários muito superiores aos trabalhadores deste setor”.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da ANCC admitiu que os aumentos salariais dos trabalhadores das unidades de cuidados continuados são da responsabilidade das instituições para as quais trabalham, mas apontou que “indiretamente o Governo é o patrão”.
“Os preços que nós recebemos, portanto, a nossa receita, são tabelados pelo Governo. Se o Governo não nos aumenta a receita, não temos dinheiro para aumentar salários. Portanto, indiretamente, o Governo é nosso patrão”, explicou.
Segundo José Bourdain, a atualização mais recente feita às comparticipações pagas pelo Estado às unidades de cuidados continuados data de janeiro de 2022, apesar de a legislação estipular que deveria ocorrer todos os anos, tendo por base o valor da inflação do ano anterior.
Acrescentou que o salário mínimo nacional foi atualizado em janeiro, mas o Governo não atualizou os preços pagos a estas unidades, estando em causa valores de aumentos na ordem dos 7,8%.
Defendeu, por isso, que a atualização prevista para janeiro de 2024 contemple aumentos na ordem dos 20 euros por dia, por doente, nas várias tipologias, o que corresponderá a um acréscimo global de cerca de 15% e que equivale ao somatório da inflação de 2022 com a de 2023.
“Nós não conseguimos aumentar os nossos colaboradores a não ser quem ganha o salário mínimo. Acho que o mínimo aceitável era [os restantes trabalhadores] terem o aumento igual ao salário mínimo, por exemplo, mas tiveram zero”, apontou.
Criticou, por outro lado, que a opção do Governo não tenha sido igual para todos os setores, dando como exemplo os contratos das Parcerias Público-Privadas rodoviárias, cujos valores aumentaram tendo por base a inflação de 2022, uma parte através dos preços das portagens e outra parte via Orçamento do Estado.
“Desde 2015 para cá temos sido muito castigados por este Governo, infelizmente. Este ano é um bom exemplo disso mesmo. É por isso que os salários neste setor são miseráveis comparados com os salários da função pública”, criticou, acrescentando que entre 2011 e 2018 não foi feita qualquer atualização, em 2019 foi feita, mas com um “valor ridículo”, passando-se mais dois anos até à atualização seguinte, em 2022.
Por outro lado, aproveitou uma ideia defendida por António Costa, de que um jovem licenciado deveria entrar no mercado de trabalho a ganhar 1.320 euros mensais, para sublinhar que esse valor é superior ao que ganha um diretor de uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS).
“Isto diz bem do ridículo da miséria que são os salários neste setor”, criticou José Bourdain, apontando que “os anos passam, as atualizações não são feitas” e cabe depois às instituições suportar o aumento do salário mínimo.
Entende, por isso, que estas instituições e estes trabalhadores são discriminados face ao que acontece na administração pública, que registou dois aumentos “bastante generosos” em 2023.
O presidente da ANCC defendeu que as instituições gostariam de aumentar os salários aos trabalhadores, desde logo porque estão a perder mão-de-obra, já que, por causa dos baixos salários, muitas pessoas preferem ir trabalhar para a administração ou em hospitais privados.
Frisou ainda que este subfinanciamento tem tido também como consequência o encerramento de camas nestas unidades, questionando como é que o Governo diz que vai criar mais 5.500 vagas quando “nos espaço de dois anos deixaram fechar 342 camas”.
A carta seguiu para o primeiro-ministro hoje à tarde, e o presidente da ANCC espera que tenha como consequências os devidos aumentos, a partir de janeiro de 2024.