“É uma questão de tempo para António Costa ser constituído arguido”. Foi assim que o advogado Nuno Cerejeira Namora avaliou no programa “Justiça Cega” os indícios que o Observador revelou na última sexta-feira sobre a imputação do crime de prevaricação que o Ministério Público faz ao primeiro-ministro em regime de co-autoria com o ex-ministro João Galamba e os advogados João Tiago Silveira (coordenador do Simplex urbanístico) e Rui Oliveira Neves (advogado do escritório Morais Leitão).
Já o seu colega Paulo Sá e Cunha analisou os indícios noticiados sobre o processo da casa de Luís Montenegro e alertou para os riscos que a democracia corre ao deixar que o Ministério Público eternize as investigações contra o poder político e diz que a Justiça tem de resolver os processos que envolvem Montenegro e António Costa com celeridade.
A Operação Influencer. “Não há nenhum estigma em ser constituído arguido
Explicando que o crime de prevaricação tem quatro requisitos (que o autor seja titular de cargo político, tenha cometido no exercido das suas funções, que tenha prejudicado ou beneficiado alguém com dolo e que tenha decidido contra direito), Nuno Cerejeira Namora diz que António Costa deverá “ser constituído arguido” porque os indícios noticiados pelo Observador preenchem, em teria, três dos quatro requisitos.
Apenas faltam indícios do “elemento subjetivo: o dolo. Só os procuradores titulares do inquérito é que terão provas ou não para indiciárias de que o sr. primeiro-ministro agiu com intenção de beneficiar ou prejudicar alguém.”
“Mas diria que será uma questão de tempo. Dias, semanas, meses, para ser constituído arguido”, afirma o sócio do escritório Cerejeira Namora, Marinho Falcão. O mesmo já não diz sobre uma eventual acusação, visto que “isso acontece noutro tempo” e ainda “estamos muito longe de poder fazer um juízo de prognose” conclusivo sobre o caso.
Nuno Cerejeira Namora faz questão de dizer que o estatuto de arguido serve essencialmente para os cidadãos defenderem os seus direitos no processo penal. “Não há nenhum mal, não há nenhum estigma em ser constituído arguido. Aliás, antes de mais, até diria o contrário. É uma vantagem”, afirma.
Já sobre as alegadas responsabilidades disciplinares em que o João Tiago Silveira e Rui Oliveira Neves, ambos sócios do escritório Morais Leitão, incorrem por alegadamente terem tentado beneficiar a empresa Start Campus, Cerejeira Namora não tem dúvidas de que, em termos abstratos, “o comportamento extra-profissional de um advogado não é absolutamente irrelevante para a Ordem dos Advogados. E podem igualmente serem instaurados processos disciplinares por comportamento extra-profissionais”, diz.
Sem sem pronunciar sobre o caso concreto, e colocando a hipótese de dois juristas não identificados terem comportamentos semelhantes aos de Tiago Silveira e de Oliveira Neves, Nuno Cerejeira Namora diz que estão em causa “comportamentos que poderiam não só terem problemas disciplinares que teriam que ser analisados pelo Conselho de Deontologia, neste caso de Lisboa, mas também pelo Conselho Regional. Porque se colocam aqui não só o problema de infrações disciplinares, mas também isto poderá levantar questões de incompatibilidades e impedimentos para serem vistos”, afirma.
Questionado sobre se é necessário alguma queixa, Nuno Cerejeira Namora diz que o Conselho de Deontologia de Lisboa “pode e deve” atuar porque “tem poder disciplinar, mas também tem a obrigação” agir. “Independentemente de queixa”, o Conselho de Deontologia pode “oficiosamente, por sua iniciativa, conduzir inquéritos e convocar os advogados para prestar em declarações para aquilatar, se há cumprimento ou não, das normas disciplinares”, conclui.
“MP deve dar prioridade às investigações a Montenegro e a Costa”
Já Paulo Sá e Cunha, consultor da Abreu Advogados, abordou as possíveis consequências dos dois inquéritos abertos no Ministério Público à casa de Luís Montenegro.
Explicando que os três crimes que estão na origem dos inquéritos (prevaricação, abuso de poder e fraude fiscal) são teoricamente possíveis, tendo em conta os os indícios que foram noticiados pelo Observador, Sá e Cunha esclarece que os dois primeiros só podem ser praticados por um “titular de cargo público ou por um mero funcionário” mas que em abstrato o alegado beneficiário privado das decisões (Luís Montenegro, no caso) também pode ser alvo de igual responsabilização criminal.
Luís Montenegro investigado em três inquéritos que nasceram de denúncias anónimas
O mesmo se aplica ao crime de fraude fiscal — que só pode ser crime a partir de uma vantagem patrimonial ilegítima de 15.000 euros.
Paulo Sá e Cunha esclarece que a lei penal não impede nem desconsidera uma denúncia pelo facto de ser anónima — e a própria Procuradoria-Geral da República promove a apresentação de denúncias anónimas das denúncias no seu site da internet.
“Curiosamente, na lei geral tributária, há uma desconsideração das denúncias em matéria de infrações fiscais que não tenham um denunciante identificado”, enfatiza Sá e Cunha.
Tendo em conta que Luís Montenegro é líder da oposição e candidato a primeiro-ministro nas eleições de 10 de março, o penalista da Abreu Advogados entende que o MP deve dar prioridade aos inquéritos que o visam para chegar a uma conclusão célere. “Embora a lei não imponha isso”, diz, reforçando, contudo, que “não está em causa um caso complexo”.
“Estou muito preocupado” com as “interferências da justiça em domínios políticos. Acho que aquela frase — “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política” — tem o mesmo valor do dizer que se amanhã não chover, está um lindo dia. Não significa nada, não acrescenta nada. Há questões que são questões da política de justiça que devem caber aos políticos e os políticos têm que as defrontar com coragem e com determinação. Ainda que isso vá abolir com interesses instalados — e estou a falar concretamente dos interesses das magistraturas”, afirma.
“Os políticos têm que ter coragem para o fazer ou então sujeitam-se a ser vítimas da situação em que se encontram, que se encontram presentemente — que não é boa, mas também não é muito recente”, diz.
Recordando casos antigos e recentes de investigações a titulares de cargos políticos que não deram em nada ou que estão muito atrasados, Sá e Cunha defende uma mudança da situação.
“E não estou a dizer que o Ministério Público não tem que investigar tudo aquilo que sejam suspeitas relacionadas com políticos. Aliás, têm o dever de o fazer, porque isso é imposto pelo princípio da legalidade. Têm é que o fazer em tempo útil. As investigações têm consequência até nos direitos de cidadania das pessoas que são investigadas, que são suspeitas da prática de crimes que depois ficam em lume brando durante anos a fio, sem se saber, afinal, do que é que se trata”, enfatiza.
Sobre a Operação Influencer, na qual é advogado de João Tiago Silveira, Paulo Sá e Cunha não se quis alongar em concreto. Mas sempre analisou em abstrato a notícia do Observador sobre a imputação do crime de prevaricação a propósito da lei ‘malandra’ que altera o Regime Jurídico de Urbanização e Edificação
“Ouvi falar por aí na possibilidade de um processo legislativo configurar um ato de corrupção. Estamos, mais uma vez, a entrar em domínios que são domínios delicados. O processo legislativo cabe aos órgãos do Estado com competência legislativa. É um processo complexo que envolve várias pessoas, tem várias fases. E, aliás, o último protagonista do processo legislativo é o sr. Presidente da República. É um caminho muito perigoso”, afirma.