Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, foi constituído arguido, na tarde desta quarta-feira, no âmbito das buscas da Polícia Judiciária na Madeira, avança a CNN e confirmou o Observador. De acordo com a estação televisiva, em causa estão crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, prevaricação, abuso de poder, participação económica em negócio ou atentado contra o Estado de Direito.

Esta quarta-feira, Pedro Calado, presidente da Câmara do Funchal e dois gestores (sendo que um deles é Avelino Farinha, líder do Grupo AFA) foram detidos no âmbito dos três inquéritos que visam também Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, revela a Polícia Judiciária em comunicado.

As detenções foram ordenadas pelos procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, confirma igualmente o Ministério Público em comunicado. Os três detidos vão ser levados à presença de um juiz de instrução criminal para serem aplicadas as medidas de coação que serão promovidas pelo Ministério Público. O que significa que serão ouvidos no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, ficando detidos no Estabelecimento Prisional da PJ.

Ao que o Observador apurou, Avelino Farinha já está em Lisboa por terem sido detidos no Continente. Pedro Calado foi detido no Funchal e será transportado durante esta quarta-feira para Lisboa.

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São cerca de 130 buscas que estão a ser realizadas pela Polícia Judiciária (PJ) na Madeira e em diversos pontos do Continente, envolvendo mais de 300 inspetores — as buscas foram noticiadas pela CNN Portugal. Uma parte das buscas, cerca de 45 locais, dizem respeito à Região Autónoma da Madeira, confirmam a PJ e o DCIAP em comunicado.

Os três inquéritos que deram lugar às operações de busca e às detenções

Estão em causa três inquéritos que, entre outros, visam Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, Pedro Calado, presidente da Câmara do Funchal e ex-n.º 2 de Albuquerque no executivo regional, e Avelino Farinha, presidente do Conselho de Administração do Grupo AFA.

São estes os três principais alvos das buscas judiciais que estão a decorrer, sendo que a Câmara do Funchal, liderada pelo social-democrata Pedro Calado, e as casas de Miguel Albuquerque e de Avelino Farinha são alguns dos alvos que foram visitados pela PJ. Albuquerque e Calado serão alegadamente suspeitos de corrupção passiva e Avelino Farinha alegadamente suspeito de corrupção ativa, entre outros crimes.

O Observador sabe que os três inquéritos criminais que deram origem a estas buscas envolvem ainda vários secretários regionais do Governo da Madeira (o equivalente a ministros do Governo da República).

Os alegados crimes sob investigação são vastos e, além de vários ilícitos de corrupção, estão em causa suspeitas de tráfico de influência, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, entre outros.

Um dos três processos envolve centenas de milhões de euros em obras públicas

Além de vários negócios urbanísticos que estão a ser investigados desde 2017, um dos inquéritos abertos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), está relacionado com dezenas de adjudicações de obras públicas no valor de centenas de milhões de euros, sabe o Observador.

O DCIAP confirmou isso mesmo comunicado. “As investigações estão ligadas à Região Autónoma da Madeira e incidem, sobretudo, sobre a área da contratação pública, essencialmente sobre o elevado número de contratos de empreitada celebrados pelo Governo Regional da Madeira e várias entidades públicas da Região Autónoma com empresas da região. Sob investigação estão, além do mais, várias dezenas de adjudicações em concursos públicos envolvendo, pelo menos, várias centenas de milhões de euros. Existem suspeitas de que titulares de cargos políticos do governo regional da Madeira e da Câmara Municipal do Funchal tenham favorecido indevidamente algumas sociedades/grupos em detrimento de outras ou, em alguns casos, de que tenham exercido influência com esse objetivo”, lê-se no comunicado.

O Grupo AFA é igualmente neste segmento da investigação o principal grupo empresarial sob suspeita, mas há outras empresas de obras públicas a serem investigadas.

Outro segmento da investigação prende-se com suspeitas de favorecimento em negócios urbanísticos e imobiliários. Também nestes segmentos da investigação estão sob suspeita diversos membros do Governo Regional da Madeira, sendo certo que responsáveis da Câmara do Funchal estão igualmente sob escrutínio.

O DCIAP confirmou em comunicado que “um conjunto de projetos recentemente aprovado na Região Autónoma da Madeira, ligados às áreas do imobiliário e do turismo, que envolvem contratação pública regional e/ou autorizações e pareceres a serem emitidos por entidades regionais e municipais, relativamente aos quais se suspeita de favorecimento dos adjudicatários e concessionários selecionados, de violação de instrumentos legais de ordenamento do território e de regras dos contratos públicos, nalguns casos com o único propósito de mascarar contratações diretas de empresas adjudicatárias”, lê-se no comunicado.

Apoios à comunicação social e um acordo em tribunal de 100 milhões de euros sob suspeita

Há ainda suspeitas em investigação relacionadas com um “pagamento pelo Governo Regional da Madeira a uma empresa de construção e engenharia da região de elevados montantes a coberto de uma transação judicial num processo em que foi criada a aparência de um litígio entre as partes, bem como suspeitas sobre adjudicações pelo Governo Regional da Madeira de contratos públicos de empreitadas de construção civil relativamente aos quais o Tribunal de Contas suscitou dúvidas e pediu esclarecimentos”, informa o DCIAP em comunicado.

Ou seja, e ao que o Observador apurou, existem suspeitas de que o Governo Regional da Madeira e uma empresa de construção (cuja identidade ainda não é conhecida) terão simulado um conflito de forma a que fosse pago com fundos públicos um montante total de cerca de 100 milhões de euros de forma aparentemente legal.

Um terceiro segmento da investigação prende-se com apoios à comunicação social. O Grupo AFA detém a sociedade Verbum Media – Comunicação, Lda, que congrega vários investimentos nos media, como uma participação de 36% no Diário de Notícias da Madeira, outra participação de 50,5% da Empresa Jornal da Madeira (como o Jornal da Madeira, a Rádio JM) e o controlo das rádios Calheta e Santana.

De acordo com o comunicado do DCIAP, a “investigação incide, de igual modo, sobre atuações que visariam condicionar/evitar a publicação de notícias prejudiciais à imagem do Governo Regional em jornais da região, em moldes que são suscetíveis de consubstanciar violação da liberdade de imprensa”, lê-se no comunicado.

A CNN avançou que um dos crimes sob suspeita é o crime de atentado contra o Estado de Direito e o DCIAP confirma isso mesmo.

Venda de quinta de Miguel Albuquerque por 3,5 milhões de euros sob escrutínio

A CNN refere que no caso do presidente do governo regional estão em causa suspeitas sobre a relação com o grupo Pestana, nomeadamente pela venda de uma quinta de Albuquerque por 3,5 milhões de euros. A quinta do Arco, ou das Rosas, foi vendida em 2017 a um fundo imobiliário que trabalha com o grupo Pestana, que gere atualmente o espaço. Esta ação terá coincidido com a renovação da concessão da Zona Franca da Madeira ao mesmo grupo.

A agência Lusa adianta que as buscas no âmbito dos casos na Madeira se estendem também aos Açores e a várias regiões do continente, num total de 50 locais. Os principais alvos são empresas.

Câmara do Funchal confirma buscas

A autarquia confirmou, entretanto, a realização das buscas, sem avançar mais pormenores. “A Câmara Municipal do Funchal informa que um grupo de inspetores da Polícia Judiciária deu entrada esta manhã nas instalações do edifício dos Paços do Concelho, para a realização de buscas”, pode ler-se num comunicado divulgado pela autarquia (PSD/CDS-PP). No documento, o município, presidido pelo social-democrata Pedro Calado, acrescenta que “está a colaborar na investigação em curso e a prestar toda a informação solicitada, num espírito de boa cooperação”.

Comunicados do DCIAP e da PJ na íntegra

DCIAP

“No âmbito de três inquéritos dirigidos pelo Ministério Público (MP) do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) estão a ser realizadas diligências de busca para identificação e apreensão de documentos e outros meios de prova de interesse para a investigação de suspeitas de crimes.

Foram ordenadas buscas domiciliárias e não domiciliárias em cerca de 60 locais (aproximadamente 130 mandados), 45 desses locais na Região Autónoma da Madeira (RAM).

O MP do DCIAP ordenou ainda a detenção de três suspeitos, para apresentação a primeiro interrogatório judicial e aplicação de medidas de coação.

As investigações estão ligadas à Região Autónoma da Madeira e incidem, sobretudo, sobre a área da contratação pública, essencialmente sobre o elevado número de contratos de empreitada celebrados pelo Governo Regional da Madeira e várias entidades públicas da Região Autónoma com empresas da região.

Sob investigação estão, além do mais, várias dezenas de adjudicações em concursos públicos envolvendo, pelo menos, várias centenas de milhões de euros.

Existem suspeitas de que titulares de cargos políticos do governo regional da Madeira e da Câmara Municipal do Funchal tenham favorecido indevidamente algumas sociedades/grupos em detrimento de outras ou, em alguns casos, de que tenham exercido influência com esse objetivo.

Suspeita-se, designadamente, que as sociedades visadas tenham tido conhecimento prévio de projetos e dos critérios definidos para a adjudicação, assim como acesso privilegiado às propostas e valores apresentados pelas suas concorrentes diretas nos concursos, o que lhes terá possibilitado a apresentação de propostas mais vantajosas e adequadas aos requisitos pré-determinados.

Investiga-se, também, um conjunto de projetos recentemente aprovado na Região Autónoma da Madeira, ligados às áreas do imobiliário e do turismo, que envolvem contratação pública regional e/ou autorizações e pareceres a serem emitidos por entidades regionais e municipais, relativamente aos quais se suspeita de favorecimento dos adjudicatários e concessionários selecionados, de violação de instrumentos legais de ordenamento do território e de regras dos contratos públicos, nalguns casos com o único propósito de mascarar contratações diretas de empresas adjudicatárias.

Existem ainda suspeitas de pagamento pelo Governo Regional da Madeira a uma empresa de construção e engenharia da região de elevados montantes a coberto de uma transação judicial num processo em que foi criada a aparência de um litígio entre as partes, bem como suspeitas sobre adjudicações pelo Governo Regional da Madeira de contratos públicos de empreitadas de construção civil relativamente aos quais o Tribunal de Contas suscitou dúvidas e pediu esclarecimentos.

A investigação incide, de igual modo, sobre atuações que visariam condicionar/evitar a publicação de notícias prejudiciais à imagem do Governo Regional em jornais da região, em moldes que são suscetíveis de consubstanciar violação da liberdade de imprensa.

Investigam-se, ainda, benefícios obtidos por titulares de cargos políticos, por causa dessas funções, que ultrapassam o socialmente aceitável.

Em causa estão factos ocorridos a partir de 2015, suscetíveis de consubstanciar crimes de atentado contra o Estado de direito, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, corrupção passiva, corrupção ativa, participação económica em negócio, abuso de poderes e de tráfico de influência.

Participam nas buscas seis magistrados do MP do DCIAP, dois juízes, oito especialistas do Núcleo de Apoio Técnico (NAT) da Procuradoria-Geral da República e um elevado número de inspetores, técnicos informáticos e peritos da Unidade de Perícia Financeira e contabilística da Polícia Judiciária.

As investigações têm sido desenvolvidas em estreita e permanente articulação com a Polícia Judiciária, que coadjuva o MP nestes inquéritos.”

Polícia Judiciária

“A Polícia Judiciária procedeu, no âmbito de três inquéritos dirigidos pelo DCIAP, à realização de uma operação policial, visando a execução de cerca de 130 buscas domiciliárias e não domiciliárias, na Região Autónoma da Madeira (Funchal, Câmara de Lobos, Machico e Ribeira Brava), na Grande Lisboa (Oeiras, Linda-a-Velha, Porto Salvo, Bucelas e Lisboa) e, ainda, em Braga, Porto, Paredes, Aguiar da Beira e Ponta Delgada e à detenção, fora de flagrante delito, de 3 suspeitos da prática dos crimes sob investigação. As detenções em causa foram concretizadas às 14H15, do dia de hoje.

As diligências executadas visaram a recolha de elementos probatórios complementares, a fim de consolidar as investigações dos crimes de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência. Nos inquéritos referenciados investigam-se factos suscetíveis de enquadrar eventuais práticas ilícitas, conexas com a adjudicação de contratos públicos de aquisição de bens e serviços, em troca de financiamento de atividade privada; suspeitas de patrocínio de atividade privada tendo por contrapartida o apoio e intervenção na adjudicação de procedimentos concursais a sociedades comerciais determinadas; a adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras de construção civil, em benefício ilegítimo de concretas sociedades comerciais e em prejuízo dos restantes concorrentes, com grave deturpação das regras de contratação pública, em troca do financiamento de atividade de natureza política e de despesas pessoais.

Na operação participaram 2 Juízes de Instrução Criminal, 6 Magistrados do Ministério Público do DCIAP e 6 elementos do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria Geral da Republica, bem como 270 investigadores criminais e peritos da Polícia Judiciária.

Os detidos serão, presentes à Autoridade Judiciária competente, no Tribunal Central de Investigação Criminal, com vista a interrogatório judicial e aplicação de medidas de coação.

A Polícia Judiciária sublinha ainda a colaboração da FORÇA AÉREA PORTUGUESA, cujo apoio foi crucial à montagem do dispositivo humano e logístico.”

Artigo corrigido às 13h12 do dia 27 de janeiro: o terceiro gestor detido foi Custódio Correia, gestor da empresa de construção civil Socicorreia, e não Caldeira Costa, do Grupo AFA