As peças Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, de Tiago Rodrigues, e Pêndulo, de Marco Martins, vão mostrar-se na Schaubühne, em Berlim. É a primeira vez que o teatro na Alemanha, um dos centros mais efervescentes do teatro europeu, recebe peças em português. Os espetáculos estão programados na edição deste ano do Festival International New Drama (FIND), certame dedicado a novas dramaturgias, que acontece de 18 a 28 de abril.

“Para esta edição, algumas das peças que achámos mais complexas e desafiantes eram de Portugal”, justifica ao Observador Maja Zade, dramaturga e curadora do festival, que recorda como nos primórdios do FIND havia um país em foco por edição, estratégia que foi rapidamente revogada. “Percebemos que era mais interessante escolher peças que achássemos intrigantes independentemente do lugar de onde vêm”.

E assim chegaram a Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, do encenador e dramaturgo português Tiago Rodrigues, atualmente diretor do Festival d’Avignon, em França. “É uma fábula sobre tradições heróicas. A peça desafia o público e fá-lo refletir sobre como lidar com a ascensão do fascismo e sobre se a violência pode alguma vez ser justificada”, explica Zade. “É uma peça sobre Portugal e o seu passado, mas ressoa igualmente na Alemanha e em muitos outros países. Obriga-nos a refletir sobre a política e o nosso papel e responsabilidade na mesma”, conclui sobre o espetáculo que imagina um Portugal de 2028 assombrado por um governo populista de extrema-direita. Desde a estreia, em 2020, que a peça tem esgotado sempre que está em cartaz em Portugal.

Também a mais recente criação teatral do encenador e realizador Marco Martins passará pelo importante teatro alemão dirigido por Thomas Ostermeier desde 1999. Pêndulo, que se estreou no ano passado em Lisboa, foca-se na força de trabalho maioritariamente imigrante e feminina que sustenta a indústria do serviço doméstico na Grande Lisboa. A dramaturga da Schaubühne define o espetáculo como “uma análise fascinante do legado do colonialismo e do seu impacto no presente”, destacando o facto de “colocar em palco mulheres a quem normalmente não é dada voz em público, dando-lhes espaço para contar histórias muito pessoais, privadas que têm uma ressonância política e social mais alargada”.

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O teatro Schaubühne Berlim, na Lehniner Platz, na capital alemã. O espaço tem o mesmo nome da mítica Schaubühne, companhia fundada em 1962.

“É interessante que em 2024 também seja o aniversário da revolução dos cravos, mas não foi algo planeado”, admite ao Observador a responsável. Ainda assim, uma nota no site do teatro alemão capitaliza a efeméride para lançar a reflexão: “A ‘Revolução dos Cravos’ anunciou o fim do último regime fascista na Europa e do colonialismo europeu em África. Mas o que resta das utopias de mudança democrática meio século depois?”

Marco Martins: “Temos aqui mulheres com 70 anos e uma vida de trabalho que vivem em quartos na periferia de Lisboa. Isso não é razoável”

O Festival International New Drama, que ao longo de onze dias vai mostrar peças dos cinco continentes, contempla ainda uma terceira peça falada em português. Trata-se de O manifesto transpofágico, da brasileira Renata Carvalho, sobre a vivência travesti. A programação integral do festival de teatro é revelada no final de fevereiro.