Não é local de Margaritas e Sangrias, nada disso. O La Trattoria, em Lisboa, pede luvas até ao cotovelo, um Manhattan numa mão e uma boquilha na outra e uma big band a tocar.
É um dos restaurantes mais clássicos da cidade, um dos primeiros italianos na cidade, dizem-me, completa 50 anos este ano, no dia 25 de abril, precisamente. Ne vous inquiétez pas, está absolutamente atualizado, tem classe, é acolhedor, simpático, cheira bem, sem ser desassossegado.
Há umas semanas, ainda antes dos debates, passei lá para um almoço com um amigo da família que me queria contar tudo sobre uma viagem que fizera ao Japão num grupo excursionista. Acabámos por falar apenas de política, felizmente, je ne peux pas supporter historietas de atrasos em aeroportos ou relatos de como o metro de Tóquio chega com atraso de dois segundos, no máximo
O meu amigo Luís tem quase 75 anos e viu tudo. Pertence ao grupo de portugueses que conhece toda a gente. Conhece o engenheiro que instalou a central de dessalinização em Porto Santo, o dono da empresa que fez o túnel do Marão, todos os advogados do país, os galeristas e os restauranters. Foi ele quem sugeriu o La Trattoria (conhece o fundador e a família que ainda tem o negócio), na Rua Artilharia 1 e tratou de marcar mesa para a “sala de cima”.
Percebi que o restaurante é pour les habitués, porque assim que chegámos e nos sentámos, o simpático empregado disparou de pronto: “é para buffet?”. A verdade é que nem tive tempo de olhar para a carta, porque o Luís disse logo que sim. Teria de lá voltar uma segunda vez para entender que há pratos muito prometedores que a velocidade do empregado me impediu de sequer equacionar. Uma insalata dell’orto (funcho, abacate e alcachofra, 12 euros), uma Burrata com Gamberi e Pesto al pomodoro secchi (15 euros), um risoto de beterraba assada e feta (15,5 euros) deixaram-me curiosa.
Teria preferido que o empregado que me tivesse feito uma pequena explicação da carta porque os buffets (16 euros por pessoa) não são a minha especialidade favorita. Como dizem os franceses, un bon repas doit commencer par la faim e aquele buffet, como outros, é um perigo, por causa dos apetitosos rissóis e croquetes miniatura, do carpaccio e outras coisas excelentes.
Um buffet tem uma etiqueta complicada de seguir ali, no La Trattoria. Como é um local elegante e distinto, não vamos encher o prato nem repetir a viagem, porque pode ser mal interpretado. O educado é ir uma vez e pronto. É seguro que ficaremos o resto da refeição a pensar no que podíamos ter trazido, o que pode atrapalhar a degustação daquilo que trouxemos.
Para não falar de outros dramas. Imaginemos um encontro Tinder em que ela esteve o tempo todo a garantir que faz muito exercício físico, adora correr, fazer ginásio e só come saudável. Com um buffet daqueles à frente será um desafio enorme adequar o comportamento à mensagem e lá se vai o Romeu, sem pagar a conta.
A verdade é que é preciso ter cuidado porque, ironicamente, os portugueses são demasiado compreensivos com os famintos e fazem maus buffets, enchendo-nos de demasiadas coisas ótimas, tornando-se complicado resistir.
A meu ver, o La Trattoria resolve mal a questão da língua italiana, que abunda na carta, tornando-se maçador e porque é pretensioso. É mesmo necessário escrever “chinghiale” ou “strapazzata”? Só faltou estar La Traviata a tocar. Estamos em Portugal, não estamos em Itália, as letras grandes deviam ser na língua de Camões, as pequenas é que deviam ser na língua da Elena Ferrante.
Tem delivery e favorece almoços e jantares de grupos, pelo que percebi numa pequena investigação. Felizmente naquele dia junto de nós, não havia nenhum. Pior que histórias de viagens é a alegria barulhenta dos jantares de grupo, acho que nós (os latinos) pensamos que é um livre trânsito para fazermos todo o ruído que quisermos. Inteligentemente, o menu tem opções sem glúten, sem fazer disso uma bandeira esvoaçante.
Há um Portugal mais calmo, com mais classe e gosto, que se deixa ver pouco. É tão misterioso que não sabemos onde está e raramente o vemos. Uma boa parte estava ali, naquela hora de almoço. Pelos vistos, descobri por fim o bom restaurant onde vão os portugueses que gostam de comer bem, ser bem tratados e onde vão para fugir aos turistas. Enfiado numa arcada com um look anos 70, no La Trattoria, só há portugueses com bom ar, daqueles que parecem conhecer-se todos uns aos outros, o meu amigo Luís fartou-se de mandar olás. Há um grande Rothko à entrada, provavelmente falso, mas fica três elegant, dá com o mobiliário mais do que adequado que se apresenta em bom estado, as mesas estão bem postas e a boa distância umas das outras, com ótima luz e diferentes zonas. Para ambientes mais sossegados, prefiram a sala acima, as outras ficam demasiado perto do perigoso buffet.
Um amigo italiano diz que os melhores restaurantes italianos do mundo são em Portugal, desde que nunca comamos pasta, piza ou qualquer coisa com molho de tomate. No La Trattoria ia tudo perfeito até provar os ravioli que constavam no menu do dia (incluído no buffet). Estavam largamente demasiado cozidos, ideal para bebés ou pessoas sem dentes e o sugu que os cobria apresentava-se desinspirado, pouco puxado, parecia ter sido feito em cinco minutos. A rever.
Convém marcar, pelo que compreendi, ouvi muitas vezes a eficiente chefe de sala a perguntar aos convivas que entravam pela marcação.
Ali consegue-se comer por environ 25 euros por pessoa, o que me parece uma excelente relação qualidade/ preço. Barulhento mas não em versão refeitório, apetece voltar ao La Trattoria, até pensei que estava numa daqueles jantares que se fazem no Algarve, em que todos estão bem dispostos e trocam informações sobre os mestrados dos filhos. Il n’y a pas d’autre temps que maintenant.
Patrícia Le Mans estudou Filosofia e Moda. Gosta de queijo, champagne e de amêijoas à Bulhão Pato. Tem mãe portuguesa, pai francês, vai flutuando entre Lisbonne e Paris e escrevendo para o Experimentador Implacável.