Já lá vai o tempo em que a Nissan era sobretudo conhecida por modelos que se sentem particularmente à-vontade a enfrentar condições mais difíceis fora de estrada, sendo fácil recordar o potencial de veículos como o Patrol GR ou as pick-ups Navara. Mas agora que está na fase de trocar os tradicionais motores a gasóleo pelas novas unidades eléctricas alimentadas por bateria, pelo menos em mercados como o europeu que exige menores níveis de emissões, o construtor japonês criou o sistema e-4orce que visa optimizar a utilização em todo-o-terreno, ou pelo menos em piso mais escorregadio.
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Veículos movidos por unidades eléctricas que recorrem a dois motores estão longe de serem uma raridade, mas a maioria dos concorrentes monta um motor por eixo para elevar a potência acumulada, ganhando rapidez e velocidade máxima, além de melhorar o comportamento, distribuindo à vontade do condutor os “cavalos” pelos dois eixos, para tornar o modelo mais ou menos subvirador, não faltando mesmo marcas que foram mais longe e desenvolveram o software para acomodar a função Drift, para os amantes de derrapagens controladas. A Nissan, porém, segue uma estratégia diferente, aproveitando os seus conhecimentos no todo-o-terreno para tentar que o seus veículos equipados com o e-4orce, nomeadamente o eléctrico Ariya e o híbrido X-Trail, continuem a ser capazes de lidar com pisos escorregadios. E não há nada com menos aderência do que o gelo que reveste o Norte da Finlândia nesta altura do ano.
Duas variantes distintas do e-4orce
O Nissan Ariya e o seu irmão X-Trail não podiam ser mais diferentes, sob o ponto de vista da concepção, apesar de ambos se deslocarem à conta da energia que os seus motores eléctricos retiram da bateria. Só que enquanto o Ariya é 100% eléctrico, concebido sobre a nova plataforma para este tipo de veículos da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi, a CMF-EV, com a sua bateria a ser alimentada a partir da rede, o X-Trail, que é o “irmão” mais comprido do Qashqai e com possibilidade de sentar sete pessoas a bordo, confia num motor a gasolina para manter a bateria (muito mais pequena quando comparada com a do Ariya) sempre com a energia necessária, sendo por isso considerado um híbrido.
Para esta incursão pela Finlândia, a Nissan fez deslocar um batalhão de Ariya, todos eles equipados com a bateria com maior capacidade (90 kWh brutos e 87 kWh úteis), que recarrega a 130 kW em corrente contínua e até 22 kW em corrente alternada, permitindo à marca anunciar 509 km de autonomia segundo o sistema europeu WLTP. A potência do motor instalado no eixo traseiro, combinada com a unidade que está montada à frente, totaliza 306 cv (existe uma versão mais potente deste SUV eléctrico, com 394 cv) e explica os 200 km/h de velocidade máxima e os 5,7 segundos necessários para ir de 0-100 km/h. Obviamente, esta versão do Nissan Ariya usufrui do sistema de tracção integral e-4orce.
Igualmente na Finlândia estava um grupo de Nissan X-Trail, todos eles na versão 1.5 e-Power, equipados com o sistema e-4orce. E à semelhança do que acontece com a Ariya, também o X-Trail confia a sua locomoção em dois motores eléctricos, um com 204 cv instalado à frente e um segundo, com 128 cv, montado atrás. Entre ambos, o SUV híbrido oferece ao condutor um total de 213 cv, através de uma bateria pequena que é constantemente recarregada pelo 1.5 turbo com três cilindros, que debita 158 cv que não movimentam as rodas mas sim um gerador de electricidade.
O sistema e-4orce da Nissan gere a potência dos dois motores, não para apimentar o comportamento e brindar o condutor com escorregadelas controladas como se tratasse de um carro de ralis, mas sim visando maximizar a aderência em cada eixo e, mais do que isso, em cada uma das rodas. O objectivo é que o carro consiga avançar no terreno, mesmo que as rodas de um lado estejam sobre gelo polido e apenas as outras usufruam de um mínimo de tracção.
Ariya e X-Trail dançam no gelo
Para colocar os seus modelos equipados de e-4orce à prova, a Nissan traçou um circuito sobre um lago gelado nas imediações de um hotel no meio da natureza, a cerca de 300 km a norte de Helsínquia. Como o clima já não é o que era, os tradicionais 20ºC negativos que se deveriam fazer sentir durante a noite transformaram-se em apenas -1ºC, o que transformou os nevões nocturnos em chuvadas, obrigando a construir uma nova pista, mas desta vez sobre terra firme.
Nuns veículos equipados com pneus de neve com pregos — não com os de 6,5 mm utilizados na competição, mas sim os mais civilizados com apenas 2 mm, homologados para circular na via pública —, o Ariya e o X-Trail deslocaram-se com algum à-vontade na pista, com o SUV híbrido a evidenciar uma suspensão mais macia e confortável e o SUV eléctrico a revelar-se mais ágil, em parte à custa de uma suspensão mais dura. O comportamento demonstrou ser muito subvirador em ambos os casos, o que torna a condução menos divertida, mas simultaneamente mais segura e fácil de controlar, uma vez que basta apenas reduzir a pressão sobre o acelerador para recuperar o veículo.
A fase seguinte da demonstração preparada pelo construtor japonês envolvia uma subida curta, mas plena de dificuldades. Com os pneus da esquerda colocados sobre gelo onde até os pregos tinham dificuldade em agarrar e os da direita sobre uma papa formada por gelo partido e lama, bastou uma ligeira pressão no acelerador e tanto o Ariya como o X-Trail galgaram a subida sem dificuldade, demonstrando a eficiência do sistema de tracção.
A derradeira prova nesta viagem à Finlândia consistiu numa incursão pela natureza, através de estradas florestais onde habitualmente se disputam os ralis locais, cujo expoente máximo é o Rali dos 1000 Lagos, a prova do campeonato do mundo da especialidade hoje denominada somente Rali da Finlândia. Sempre mais confortável, o X-Trail revelou ser um companheiro de expedição mais apropriado para utilizar neste tipo de piso, estando inclusivamente mais folgado em termos de autonomia, uma vez que o motor/gerador a gasolina podia recorrer ao depósito de 55 litros para percorrer mais de 600 km à média que realizámos (9 l/100 km). O Ariya, com mais potência e mais 350 kg de peso, não revelou qualquer problema em lidar com o tipo de piso, que chegou a ter um palmo de neve a cobrir o chão gelado. E os 2ºC que se faziam sentir durante o dia não fizeram cair a autonomia abaixo dos 350 km, com um consumo que rondou os 25 kWh/100 km.
Curiosidades finlandesas surgem onde menos se espera
Além de testar os modelos dotados com o sistema 4×4 e-4orce da Nissan, a visita à Finlândia permitiu conhecer melhor a realidade deste país nórdico, que nos contemplou com boas surpresas e outras… menos boas. Começando por estas últimas, sobressaiu o facto de estarmos somente a 300 km da fronteira com a Rússia, um vizinho muito pouco recomendável e dado a invasões. Igualmente negativo foi a ausência das sempre cobiçadas auroras boreais, um espectáculo muito anunciado por aquelas paragens e que, como muitas vezes acontece, defraudou as expectativas de quem as pretendia observar. Depois, a característica e pouco agradável (pelos padrões do sul da Europa) carne de alce e de rena levou-nos a optar pelas saladas, uma potencial explicação para o facto de a maioria dos finlandeses serem elegantes… E tal como fugimos da carne de alce, também evitámos o mergulho nocturno no lago gelado, onde foi aberto um buraco e instaladas uns escadas para nos permitir esse momento único de tortura, especialmente vindo da sauna.
Mas o país que já conquistou três títulos de campeão do mundo de F1 e 15 campeonatos de ralis, com oito pilotos diferentes, reservou-nos igualmente uma mão-cheia de surpresas agradáveis. A começar pela oportunidade de conhecer Max Vatanen, filho do finlandês voador Ari, que nos deliciou durante anos no Rali de Portugal. Foi o organizador local do evento, mas não o piloto de ralis que mais nos impressionou. Esta distinção coube à simpática Laura Hullanolulu (que me perdoe se reproduzo mal o nome), uma avó com mais de 60 anos (não se pergunta a idade a uma senhora, pelo que estou a estimar) que foi a nossa instrutora na pista gelada. Além de piloto de ralis, Laura é casada com outro piloto de ralis, que já disputou o campeonato britânico e dá graças a Deus os seus dois filhos preferirem o ténis e a música, uma vez que os ralis têm hoje custos astronómicos.
Numa época em que a água escasseia no sul da Europa, tivemos ocasião de conhecer um outro instrutor, no caso um catalão ex-piloto e actual pastor no Norte de Espanha, que está no processo de vender para abate as ovelhas por falta de água e, por tabela de pastos. Aproveitou a estadia na Finlândia para procurar trabalho, pois, ao que parece, há muita procura por quem queira (e saiba) trabalhar com animais no país nórdico.