Algumas águas-furtadas nunca chegam a passar de uma ideia romântica. Em Alcântara, estas águas-furtadas passaram de sonho a realidade nas mãos de um casal de arquitetos. Em 100 metros quadrados, a casa é uma lição de arrumação e o telhado é a fonte de luz que ilumina tudo, graças a duas janelas de telhado VELUX que transformam o espaço por completo.
Depois de subir os três andares íngremes de um edifício tradicional dos anos 30, a sala com cozinha integrada abre-se e oferece a visão sobre o bairro, o rio e a ponte sobre o Tejo através de um varandim. A vista faz um vistão, mas não trazia luz suficiente à casa, em 2019, quando Catarina Macedo e João Afonso encontraram este apartamento antigo.
No meio do agressivo mercado imobiliário lisboeta, receberam a notificação de uma agência imobiliária e conseguiram ser os primeiros a fazer uma proposta. Numa semana, o negócio estava fechado e este era apenas o primeiro desafio. Tinham nas mãos umas águas-furtadas com três quartos interiores, uma cozinha sem luz e um WC minúsculo.
“As nossas preocupações eram maximizar a sala, ter espaço útil à volta das camas e ainda duas casas de banho”, lembra João, do ateliê JA Architecture. Sem planos ainda para a bebé Guadalupe, hoje com 10 meses, um segundo quarto tinha, nessa altura, o objetivo de ser arrendado e por isso deveria funcionar de forma independente. A sala, por outro lado, deveria ter uma área que assentasse bem a Kira, a cadela leão da Rodésia do casal.
João Afonso e Catarina Macedo trataram do projeto e orientaram a distribuição dos espaços com três regras: concentrar a circulação ao centro da planta, criar arrumação embutida nas zonas esconsas e nos corredores, e passar todas as águas para o núcleo do apartamento. A criação de uma espécie de arena branca em torno da cozinha, no meio da planta, deu leveza ao espaço.
Elevada por dois degraus, a cozinha tem de cada um dos lados portas brancas pivotantes que dão acesso às suítes e permitem separar a zona privada da social. Abertas estas portas, as entradas dos quartos funcionam como dois pequenos corredores de arrumação. “Desenhámos todos os móveis fixos para termos um aproveitamento máximo: a arrumação é toda a casa”, explica João.
Houve, a dado momento, uma irritação por resolver: “Entrávamos pela porta da rua e parecia que estávamos no Masterchef, com um balcão de cozinha no meio da casa. Decidimos trocá-lo por uma estante para criar uma divisão entre a cozinha e a sala sem perdemos a luz que entra pelas janelas de telhado VELUX”, diz o arquiteto. As vantagens desta estante-biombo em madeira foram-se multiplicando à medida que a casa era habitada. Além da maior relação entre os dois ambientes, “uma estante tem o poder de mudar o espaço instantaneamente com os nossos objetos”, diz Catarina. Nesta estão os livros mais queridos e aqueles manuais de arquitetura que dá jeito estarem à mão. Amostras de um e outro material que se vão usando no dia a dia ficam com ar de bibelôs neste universo minimalista.
É na sala que a luz ganha protagonismo através de duas janelas de telhado VELUX, ladeando o varandim cénico. As janelas de telhado transformaram este espaço no núcleo do quotidiano da família: aqui trabalham, cozinham, jantam, convivem e relaxam – mesmo no verão, quando os banhos de luz poderiam ser sinónimo do calor de uma estufa. Facilmente João puxa os toldos exteriores das janelas de telhado VELUX e a luz é filtrada, continuando a cobrir toda a divisão. Esta malha transparente faz um “sombreamento por fora espetacular, parece que a casa fica instantaneamente mais fresca”, surpreende-se ainda o arquiteto.
Ao filtrar a luz por fora, o ar não chega a aquecer no interior da casa. Outra solução seriam os estores exteriores que, quando instalados, por exemplo, num quarto, permitem tirar qualquer luz à divisão. Em cómodos maiores, a melhor forma de aproveitar o máximo de luz e tornar um espaço como este funcional seriam as janelas 2em1 ou 3em1, com duas ou três janelas numa só moldura. Nestas águas-furtadas, no entanto, duas janelas simétricas fazem o enquadramento ideal de toda a área comum.
Suspenso quase ao nível do chão, no limite da zona esconsa, um rodapé de lioz que percorre toda a parede serve ao mesmo tempo de cómoda de apoio aos jantares, móvel de televisão e banco para apanhar sol. A pedra natural faz a ligação à cozinha, atrás da estante, onde o lioz está na bancada e, surpreendentemente, também no chão – uma solução de compromisso em relação ao desejo de ter mosaico hidráulico. João e Catarina cortaram desperdícios da pedra com as formas geométricas desses ladrilhos e conseguiram, além de baixar os custos, uma continuidade com o resto da casa. “Estivemos aqui umas duas horas a montar o puzzle do chão, a tentar pôr as pedras mais escuras todas da mesma maneira. Fez-se bem, estávamos na pandemia”, recordam.