O regulador dos transportes recolheu “denúncias graves sobre a alegada existência de redes de venda de cartas de condução falsificadas ou obtidas de forma fraudulenta para a atividade de TVDE (transporte individual de passageiros em veículo descaracterizado)”, realçando a existência de notícias sobre “redes de imigração ilegal, operadas por líderes das máfias, que têm colocado imigrantes indostânicos no setor dos TVDE”.

Na sequência de uma ação de supervisão a este tipo de transporte, a Autoridade da Mobilidade e Transportes (AMT) diz que estas denúncias foram encaminhadas para as autoridades competentes, mas defende “que é premente o reforço da atividade de investigação do foro criminal”, para o qual é essencial a articulação de várias entidades públicas, das forças policiais aos reguladores e entidade que emite cartas, bem como a Segurança Social.

Na origem das denúncias está o facto de muitos motoristas serem titulares de cartas de condução não portuguesas que são trocadas administrativamente em Portugal.

Esta é uma das recomendações emitidas pela AMT na sequência de uma inspeção realizada no terreno nos últimos três meses do ano passado, em resposta a denúncias e notícias sobre eventuais fraudes, degradação da qualidade de serviço, direitos dos passageiros e segurança rodoviária. Esta ação de inspeção realizou-se em dois dias em Lisboa (rotunda do relógio e Saldanha), Porto (aeroporto), Sintra, Aveiro, Leiria, Setúbal, Costa de Caparica, Almada, Vila Franca de Xira e Albufeira. Nesta ação foram fiscalizados 209 veículos e foram levantados 212 autos de contraordenação (mais do que um por veículo inspecionado), alguns dos quais foram motivados por ausência de contrato escrito ou registo de tempos de trabalho, adianta uma informação da AMT, a que o Observador teve acesso.

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Também foram instaurados processos por serviço prestado fora da plataforma, falta de inspeção periódica válida ou seguro, entre outras irregularidades numa ação que envolveu equipas da PSP e GNR, mas também o IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes), entidade responsável pelas cartas de condução, e a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

Motoristas não registam tempo de trabalho e podem ultrapassar 10 horas diárias

Além da falha na apresentação do contrato escrito, a inspeção verificou que “praticamente nenhum motorista apresentou ou (efetua) registo dos tempos de trabalho, essencialmente porque existe um total desconhecimento dessa obrigação, tanto ao nível dos motoristas, como dos operadores de TVDE”. Aliás, refere, a AMT, “parte significativa dos motoristas referiu utilizar as plataformas da Uber e da Bolt para controlar os seus tempos de trabalho”.

O limite são 10 horas diárias de trabalho, mas o regulador admite que o mesmo motorista possa atingir as 10 horas numa plataforma e depois continuar a trabalhar para outra mais dez horas no mesmo dia. A grande maioria dos motoristas trabalha para as duas plataformas operacionais (Uber e a Bolt) e nos casos em que só trabalham para uma é porque estão bloqueados.

Outro dos temas escrutinados foi o domínio da língua portuguesa que era a usada pela maioria dos motoristas inspecionados, tendo sido detetados seis casos em que não falavam nem português nem inglês (embora tenham passado no exame).

No relatório da AMT sobre a referida inspeção conclui-se que 100% dos carros tinham menos de sete anos e quase todos tinham inspeção válida e seguro.

Num ano, entre os segundos semestres de 2022 e 2023, a AMT registou 1.286 reclamações relativa a operadores de plataformas de TVDE, sendo a maioria originada pelo processamento de pagamentos e pedidos de reembolso. Na segunda metade do ano passado, tiveram especial incidência as reclamações (dezenas) sobre alegadas infrações ao limite de 25% da taxa de intermediação sobre o preço total cobrado que estaria a ser cobrada pelo valor semanal de viagens e não pelo valor de cada viagem, o que não é aceitável.

O regulador dos transportes relançou a propósito desta inspeção um conjunto de recomendações, entre as quais a obrigatoriedade de formação em língua portuguesa antes do curso de formação para motoristas, a criação de um registo centralizado de veículos inscritos pelos operadores junto das plataformas eletrónicas que seja atualizado e a adoção de medidas adicionais de formação de motoristas para garantir a segurança rodoviária.