Trabalhadores da área da cultura da empresa municipal Ágora, que agrega equipamentos como o Batalha Centro de Cinema, o Teatro Rivoli ou a Galeria Municipal do Porto, manifestaram-se para denunciar o que dizem ser “inúmeras situações de abusos laborais de que têm sido vítimas”, desde “falsos contratos a termo” a “políticas de medo e represálias”. Através de um comunicado enviado às redações na manhã desta terça-feira, os trabalhadores acusam o Conselho de Administração (CA) da Ágora de “falta de abertura para dialogar” sobre questões laborais e inclusivamente de “vedar” o contacto com o departamento de recursos humanos. Em resposta ao Observador, o CA da empresa municipal repudia “qualquer acusação de ilegalidade ou má prática laboral”.

“É chegada a altura de levantar a voz e lutar”, lê-se no documento assinado pelos “trabalhadoras e trabalhadores da unidade orgânica da cultura da Ágora”, isto é, do Batalha Centro de Cinema, da Filmaporto — film commission, do Teatro Municipal do Porto (que junta Teatro Rivoli e Teatro Campo Alegre), do DDD — Festival Dias da Dança, do CAMPUS Paulo Cunha e Silva, da Galeria Municipal do Porto, da plataforma Pláka e do projeto Cultura em Expansão. O manifesto conta com o apoio dos sindicatos CENA-STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos) e STAL (Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional). Folhetos com as mesmas reivindicações já haviam sido distribuídos no passado dia 26 de abril, no Teatro Campo Alegre, e nesta segunda-feira, 29, no Rivoli.

A exposição pública surge porque “a conversação tem sido negada”, justifica ao Observador Gonçalo Gregório, da equipa técnica do Teatro Municipal do Porto, e dirigente sindical do CENA. “Quando fomos levantando estes problemas, foi nos sendo aconselhado de que não é suposto haver uma comunicação entre trabalhador e recursos humanos. Foi pedido por vários trabalhadores que houvesse uma reunião com a direção e o conselho de administração [da Ágora], mas isso foi sempre negado, não por falta de agenda, mas porque a informação teria de seguir os fluxos”, acusa. Para este dirigente sindical, “há um descontentamento transversal” dos trabalhadores e foi o “acumular” de questões recorrentes que levou a um plenário convocado pelo CENA-STE e STAL, mas aberto a trabalhadores não sindicalizados, e que culminou no documento agora apresentado.

A génese de alguns dos problemas levantados remonta à criação da própria empresa municipal. Foi em 2019 que a Câmara Municipal do Porto, já presidida por Rui Moreira, rebatizou a Porto Lazer, a empresa municipal que passou por uma alteração estatutária de forma a gerir a atividade e os equipamentos culturais da cidade. Ágora foi o novo nome proposto pelo autarca, numa evocação à praça pública de reunião na Grécia Antiga. Segundo Rui Moreira, a ausência de uma empresa municipal para o eixo da cultura comprometia a continuidade de projetos emblemáticos da cidade do Porto como o Teatro Municipal do Porto, o programa Cultura em Expansão, o Festival Dias da Dança e a própria gestão do Teatro Sá da Bandeira ou o Coliseu.

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“Quando nos forçam a passar para a empresa prometeram-nos uma criação conjunta de um sistema de avaliação, de um regulamento interno… Fomos forçados a passar das 35 para as 40 horas, foram firmados compromissos de honra que não foram cumpridos”, explica Gonçalo Gregório, que atenta para o facto de continuarem “sem uma transparência sobre o que é a tabela salarial do teatro”. “Era para nós fundamental que as nossas questões pudessem ser ouvidas”, sublinha.

Entre as reivindicações expressas no comunicado “Uma cidade onde tudo pode acontecer em todo o lado, mas não a todo o custo” está o “fim dos falsos contratos a termo” celebrados pela Ágora. “Não é aceitável a existência de contratos precários para necessidades permanentes, o que é particularmente escandaloso no Cinema Batalha. Arrendado pelo Município por 25 anos para ali se desenvolver atividade cultural permanente, os trabalhadores são todos contratados a termo certo, a coberto de uma falsa excecionalidade e imprevisibilidade do serviço”, pode ler-se.

“Mantém a ilusão de que temos um período experimental alargado. Os contratos já têm um período experimental de seis meses. Isto coloca o trabalhador numa situação desconfortável. É uma trelazinha, uma certa maneira de dominar o conforto do trabalhador que fica sempre com aquela dúvida se o contrato vai ser renovado ou não”, diz Gonçalo, que espera com este posicionamento público “alertar um pouco mais a administração” da Ágora, mas também “sensibilizar o público”. “Há um apreço sobre fazer parte da estrutura cultural da cidade. Mas o que fazemos afeta as nossas vidas. Ainda por cima tratando-se de um equipamento público”, continua.

Entre outras reivindicações dos trabalhadores estão também a “entrada em prática de um sistema de progressão na carreira, com dignificação dos salários”, o “estabelecimento de 35 horas de trabalho semanais e dos 25 dias de férias, sem redução salarial”, o “fim do regime de comissão de serviço, usado e abusado para manter as evoluções de carreira sob ameaça permanente”, a “regulação de horários que respeite a vida pessoal e familiar dos trabalhadores”, a compensação devida “pelo esforço acrescido de trabalhar noites, fins-de-semana e feriados”, a “transparência organizacional”, a “divulgação das grelhas salariais”, o “estabelecimento de um regime opcional de teletrabalho mais alargado e transparente”, a “disponibilização de espaços dignos de trabalho e de refeição” e o “fim da subcontratação de serviços fundamentais e contínuos, como limpeza, vigilância, serviços técnicos de luz e som”.

O texto reivindica ainda o “fim do boicote às greves”, exigindo a abolição da “prática de não pagamento às equipas artísticas externas que veem os seus espetáculos cancelados por motivo de greve dos trabalhadores da Ágora”. Termina com o apelo a “mais diálogo sem políticas de medo e represálias”. “A democracia faz-se também nos locais de trabalho, com mais transparência, menos arbitrariedade e sem autoritarismo”, conclui.

Ao longo da semana, outras ações de sensibilização estão planeadas, que consistem na distribuição de informação sobre o tema por vários espaços culturais da cidade do Porto.

Conselho de Administração da Ágora diz que “não tem conhecimento de qualquer má prática laboral”

Ao Observador, o Conselho de Administração da Ágora – Cultura e Desporto do Porto diz que “não recebeu qualquer documento ou pedido de contacto por parte dos trabalhadores, pelo que desconhece o conteúdo desta ou qualquer outra das reivindicações”. Rejeita, assim, a acusação de falta de diálogo, sublinhando que apenas teve conhecimento “de um conjunto de reivindicações por parte de trabalhadores da área da cultura” através de “um e-mail proveniente do CENA-STE” recebido esta terça-feira, 30 de abril.

Sobre a denúncia da alegada prática de “falsos contratos a termo”, a empresa municipal garante ao Observador que “a Ágora cumpre escrupulosamente a legislação vigente, repudiando qualquer acusação de ilegalidade ou má prática laboral”. “O Conselho de Administração da Ágora não tem conhecimento de qualquer má prática laboral. A Ágora possui diversos mecanismos e instrumentos para promover a comunicação de eventuais acusações de má prática ou assédio laboral, incluindo canais de denúncia anónimos. O Conselho de Administração reitera não ter recebido qualquer comunicação nesse sentido”, dizem ainda, numa resposta por escrito.