Estava tudo preparado, estava tudo em suspenso. Ainda na madrugada de quinta para sexta-feira, um dos autocarros panorâmicos que iria transportar jogadores, treinadores, staff, dirigentes, famílias e convidados de Alvalade em caso de título até ao Marquês de Pombal fez uma espécie de vistoria com a polícia para aferir se o tradicional percurso era mesmo o melhor para garantir total segurança de todos os adeptos durante os festejos (que era). No entanto, faltava aquilo que todos esperavam e que só mesmo no domingo que seria mesmo o da celebração pela derrota do Benfica em Famalicão: a imagem do campeão. Nessa imagem, que ainda hoje percorre todos os meios do clube, destacava-se o número 24. 24 pelo ano? Não, 24 pelo número de títulos. E sendo certo que para a Federação Portuguesa de Futebol continuou a ser “apenas” a 20.ª conquista dos leões na principal prova nacional, o Sporting manteve a posição que não deixa cair. Porquê?
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— Sporting CP ???? (@SportingCP) May 5, 2024
Rebobinemos o filme que começou ainda com Bruno de Carvalho na liderança do Sporting saltando alguns capítulos até 2020. Nessa data, o Sporting entregou à FPF um “parecer histórico e independente” intitulado “Os campeonatos nacionais de futebol de 1921 a 1940”. “Este documento, idóneo e independente foi elaborado pelos historiadores professor doutor Diogo Ramada Curto e doutorando Bernardo Pinto Cruz e reforça a justiça da pretensão do Sporting de ver reconhecidos todos os 22 títulos nacionais que conquistou desde que foi fundado em 1906”, defenderam os leões num documento com um total de 74 páginas.
“Da apreciação da natureza das provas, de um ponto de vista histórico, concluiu-se que, para lá de uma semelhança cronológica entre o processo de institucionalização do Campeonato de Portugal de 1920 a 1926 e o processo de consolidação das Ligas de 1934 a 1937, o carácter experimental destas últimas deriva de um conflito de critérios – o elitista e o territorial – que tiveram origem na votação do regulamento provisório do 1.º Campeonato de Portugal de 1921/1922″, advogava esse parecer elaborado a pedido dos leões.
“A ideia de que o Campeonato Nacional da I Divisão e a Taça de Portugal são a continuação, sob outra designação, das Ligas e do Campeonato de Portugal é falsa e tem origem num equívoco lamentável da direção da Federação, que é ilegal de um ponto de vista procedimental, contrário às decisões do Congresso Extraordinário de Agosto-Dezembro de 1938 e insustentável de uma perspetiva histórica atenta à evolução dos sentimentos, das atitudes e dos comportamentos, bem como à reconstituição das formas concretas de imaginar a nação. Depois desse congresso, completou-se a viragem final que vinha sendo preparada desde 1934 – a hierarquia das provas mudou. Até 1938, o título máximo era o Campeonato de Portugal”, defendia nesse ano de 2020, tentando mostrar com “provas” os fundamentos para considerar que tinha então 22 e não apenas 18 títulos, sendo que logo nessa temporada de 2020/21 quebrou o maior jejum do clube.
O tema chegou mesmo ao Parlamento, com um total de quase 4.500 assinantes da petição, e já tinha feito com que a Federação criasse uma Comissão Independente para a Análise dos Títulos Nacionais (CIATN) para aferir sobre o tema. Daí resultaram dois estudos independentes que foram depois levados a sufrágio numa reunião magna da FPF a par do parecer supracitado que foi apresentado pelo Sporting. No final, como já se começava esperar, ganhou uma quarta via: todas foram chumbadas por não reunirem os votos suficientes entre sócios e Delegados, o que fez com que, por exclusão de partes, tudo continuasse como estava.
O Parecer 1, feito por três elementos indicados pela Universidade do Porto (Amândio Barros, Manuel Janeira e Ricardo Pereira) e um da Universidade de Lisboa (Sílvia Alves), defendia que as equipas vencedoras do Campeonato de Portugal entre 1921/22 e 1933/34 deviam ser consideradas campeãs nacionais tal como as que ganharam também o Campeonato da Liga (considerada então como uma Liga experimental) entre 1934/35 e 1937/38, ao passo que os vencedores do Campeonato de Portugal entre 1934/35 e 1937/38 ficavam com os títulos revertidos em Taças de Portugal e não Campeonatos Nacionais. Teve apenas 13 votos a favor.
O Parecer 2, feito por Francisco Pinheiro que foi nomeado pela Universidade de Coimbra, tinha um cariz mais conservador sem deixar de colocar mais títulos no palmarés. Aqui, o entendimento era que o Campeonato da Liga era o antecessor do Campeonato Nacional e que o Campeonato de Portugal foi o antecessor da Taça de Portugal, colocando assim os títulos entre 1921/22 e 1937/38 na Taça de Portugal. Teve apenas um voto a favor, sendo a proposta que menor número de escolhas recebeu entre os votantes.
O Parecer 3, submetido pelo Sporting, defendia que os Campeonatos de Portugal deviam ser considerados Campeonatos Nacionais do início da sua existência até 1938, sendo considerados também os quatro anos em que, de forma paralela, houve um Campeonato da Liga descrito como uma versão experimental para a principal competição do calendário português que existe nos dias que correm. Além de os jornais da época fazerem uma descrição desses triunfos como “campeões nacionais”, o parecer defendia que o facto de ser uma prova realizada por eliminatórias não apagava o facto de haver apurados das regiões do país a nível nacional. Teve apenas oito votos a favor, ficando muito longe daquilo que eram as pretensões leoninas. No entanto, e recuando a essa decisão de 2022, ficou sempre claro que o Sporting não desistia da sua ideia.
“A votação demonstra, de forma clara, que a maioria considera que cabe à Direção da Federação Portuguesa de Futebol a tomada desta importante decisão sobre o futebol português. O Sporting felicita este desfecho por considerar que esta é uma decisão de natureza científica e jurídica, e não de natureza subjetiva, sujeita a vieses que podem interferir na objetividade da mesma. O Sporting entende que, competindo a decisão à Federação e imperando a objetividade, a única deliberação possível é o reconhecimento de que uma Liga Experimental é, como o próprio nome o indica, “experimental” – conforme corroborado pela própria Federação Portuguesa de Futebol no livro comemorativo dos 75 anos da FPF – devendo ser atribuídos ao Sporting 23 títulos de campeão nacional. Por este motivo, o Sporting reitera que irá continuar a lutar e a enveredar os seus esforços para o que o futebol português consiga, finalmente, ultrapassar o desconhecimento histórico e repor a verdade sobre a atribuição dos 23 títulos de campeão nacional do nosso clube”, destacaram os leões em comunicado emitido depois da decisão conhecida.
“Obviamente que este assunto ficou esclarecido e viu-se qual é a posição da Assembleia Geral. Não sei se voltará a ser discutido daqui a alguns anos. Presumo que dentro do meu mandato não será seguramente. A Assembleia entendeu, de forma clara e inequívoca, que se devia manter a catalogação dos títulos, sem haver qualquer alteração e qualquer mudança relativamente a quem tem o quê e desde quando. Entendemos por bem pedir pareceres a um conjunto de professores da faculdade de Lisboa, Porto e Coimbra. O Sporting também entendeu por bem entregar um parecer jurídico sobre a sua interpretação. Foram apresentados os pareceres, os professores vieram defendê-los e foi uma discussão muito profícua, todos ficámos esclarecidos sobre as interpretações académicas relativamente às origens e consequências dos nomes”, referiu também nessa altura José Luís Arnaut, presidente da Mesa da Assembleia Geral da FPF.
Agora, com a conquista do segundo Campeonato em quatro anos, o Sporting voltou a mostrar que não deixou cair a reclamação sobre a contabilidade de títulos que entende existir. E aquela imagem de marca que está em todas as redes sociais e que irá constar em todas as camisolas na próxima temporada de 2024/25 mostra isso mesmo: apesar da decisão dessa Assembleia Geral Extraordinária da Federação Portuguesa de Futebol em junho de 2022, os leões continuam a defender que devem ter mais quatro troféus, colocando mesmo os anos de 1923, 1934, 1936 e 1938 como épocas de título depois da consagração como campeões em 2024.