Centenas de pessoas rumavam à Praça do Município onde dezenas já se encontravam na primeira fila da frente e milhares estavam ainda por chegar quando uma imagem com a frase “A nossa família” não demorou a correr entre tudo e todos no universo Sporting. Aí, pouco antes da saída do autocarro dos leões rumo à Câmara Municipal de Lisboa, Frederico Varandas e Viktor Gyökeres levavam a taça do título, um de cada lado, numa visita a Manuel Fernandes, que continua numa unidade hospitalar com um grave problema de saúde. Não estando na festa, foi o rei de forma omnipresente. E assim se escreveu mais um “dia de Sporting”, em nove capítulos quase como se fosse mais uma homenagem ao antigo avançado e capitão dos leões.

Recuando um par de dias, a presença do ex-jogador na celebração em Alvalade com o Desp. Chaves era uma espécie de cereja no topo do bolo que todos gostariam de contar. Mais: alguns acreditaram que seria mesmo possível, tendo em conta que, por exemplo, as taças de campeão de 1980 e 1982 (as duas ganhas por Manuel Fernandes no clube) não estavam presentes no Museu no dia do jogo de manhã. Por questões de saúde, não foi. No entanto, a ideia foi apenas alterada e não esquecida, o que acabou por fazer de Tiago Fernandes, filho do antigo goleador que já treinou os leões e que está agora nos Sub-23 do Torreense, uma espécie de “protagonista” na pré-festa a comentar o gesto que o clube tivera na tarde desta segunda-feira.

“Foi um gesto muito bonito. Frederico Varandas tinha dito que, já que o meu pai não podia ir ao estádio, gostaria de lhe levar a taça para ele tocar nela. Escolheu o Gyökeres por ser ponta de lança, o 9 que ele diz que depois de ter jogado é o único que é melhor do que ele. Foi um gesto bonito, tem-lhe dado muito ânimo e força. Esta tem sido a Direção que respeitou mais o nome e a figura do meu pai. São coisas que a família não esquece. Quando viu o Viktor, pediu-lhe para ficar cá para o ano, porque é ano de Champions. Ele respondeu que sim!”, contou o agora técnico numa das várias entrevistas e conversas com jornalistas que foi tendo no período que antecedia a chegada do autocarro dos leões que entretanto já tinha saído de Alvalade.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

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“Todos sabem que a doença dele é difícil de controlar. Está esperançoso de melhorar para ir para casa. É um doença que tem altos e baixos, tem de estar sempre vigiado. Ele esteve muito esperançoso e aguentou-se até ao Sporting ser campeão e agora gostava de ir para casa para acompanhar a próxima época e a final da Taça de Portugal. Ele gosta muito dos filhos e da família mas o Sporting é uma coisa para ele que não tem explicação. Quando estou com ele e a falar de qualquer coisa, ele não está nem aí, não liga; mas se eu digo que o Gyökeres não joga com o FC Porto ele diz logo ‘mete lá isso para eu ler’. Só vive e pensa no Sporting. Foi uma pessoa que perdeu muito financeiramente para estar no Sporting. Às vezes digo-lhe ‘Podíamos ser hoje donos de Sarilhos mas quiseste ficar no Sporting’ e ele responde ‘Mas hoje sou muito mais feliz do que se fosse dono de Sarilhos'”, acrescentou Tiago Fernandes, também ele confesso sportinguista.

Muitos dos que estavam ali em frente, e entretanto tinham passado para os milhares, não viram jogar Manuel Fernandes. Aliás, muitos dos que estavam ali nunca tinham celebrado sem qualquer tipo de condicionante uma vitória no Campeonato, tendo em conta que a última vez que tinha existido uma receção na Câmara foi em 2002 quando Mário Jardel era o rei da festa de um Sporting que era uma autêntica constelação de estrelas que conseguiu jogar como uma equipa. Agora, depois de 2021, as únicas máscaras visíveis foram mesmo as dezenas e dezenas de mãos que se entrelaçavam na cara a imitar os festejos de Viktor Gyökeres.

Uns minutos antes da chegada, Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, acenava aos presentes, ia dando o seu pezinho de dança ao som de músicas do Sporting e ainda se aproximou dos adeptos para tirar algumas selfies antes da chegada da comitiva leonina, liderada por Frederico Varandas e com os elementos a fazerem uma espécie de fila enquanto iam entrado no edifício da Câmara para uma primeira foto da praxe na zona da escadaria que demora muito mais tempo a organizar do que a ficar depois para a posteridade.

Subindo ao Salão Nobre, e depois de Cuca Roseta (toda vestida de verde) ter cantado a Marcha do Sporting, Carlos Moedas e Frederico Varandas fizeram os habituais discursos antes da também habitual troca de lembranças, com a imagem do Santo António verde para o presidente, o treinador e o capitão leoninos e uma camisola oficial personalizada da próxima época para o líder autárquico. Estava a chegar o momento mais aguardado por todos, com os jogadores a irem à varanda da Câmara para mostrarem a taça de campeões de 2023/24. E como as notícias são agora “confirmadas” por Paulinho, o técnico de equipamentos aproveitou para anunciar que, em caso de vitória na Taça de Portugal, o plantel vai outra vez à Câmara.

Cuca Roseta voltou a cantar, desta vez “O Mundo sabe que” (algo que até os jogadores estrangeiros deixa de forma especial mais emocionados e até as próprias famílias, como aconteceu com os pais de Hjulmand), Rúben Amorim agarrou no microfone. O drop the mic não se repetiu como no Marquês mas nem por isso o que disse deixou de ser ouvido. “Acho que já fizemos a festa que tínhamos a fazer, agora temos jogo domingo, se calhar arrumávamos as nossas coisas e arrancávamos… Queria agradecer muito o vosso apoio, o meu muito obrigado especialmente aos jogadores. Quero que saibam que o nosso corpo está aqui mas a cabeça já está no Jamor e queremos muito ganhar a Taça. Obrigado! E agora vai falar o Morita…”, atirou, sendo que o japonês agarrou no microfone, riu-se muito, imitou o festejo de Gyökeres… e não falou.

Houve mais na varanda. Do mote de Gyökeres (“Sportinguistas, obrigado por esta temporada, foi incrível mas ainda não acabámos. Temos mais um jogo e mais um título para conquistar”, atirou em inglês) a mais um exemplo de liderança de Hjulmand, que comandou um cântico para os adeptos com o nome Sporting, passando pela colocação de Nuno Santos a capitão por Luís Neto e pela música de Paulinho que deixa todos os companheiros ainda mais aos saltos do que o próprio. 45 minutos depois, a festa estava a acabar, sendo que Rúben Amorim ainda deu uma corridinha cá fora para cumprimentar alguns dos adeptos enquanto os capitães, Coates, Neto e Adán, falaram aos jornalistas e ficaram depois mais “rodeados” para muitas selfies e autógrafos sobretudo a crianças que entretanto tinham descido do primeiro andar.

O discurso de Moedas teve frases fortes, o discurso de Frederico Varandas trouxe notícias fortes, a adesão dos adeptos do Sporting já se tornou há muito intrinsecamente forte e a ligação de Rúben Amorim ao clube que não era o seu está cada vez mais forte. Ainda assim, percebe-se que este é cada vez mais um Sporting que quer estar mais preparado para lutar por todos os títulos, que quer chamar cada vez mais crianças, jovens e mulheres à sua família, que faz questão de mostrar respeito pelos rivais diretos (pelo menos nos discursos, nos cânticos nunca foi nem será assim), que ainda não resolveu por completo todos os seus fantasmas do passado mas que para lá caminha por entender que o clube pode estar acima do resto. No fundo, um Sporting de Manuel Fernandes que nem sempre foi assim mas pelo qual Manuel Fernandes sempre lutou.