Conselho prévio: para recordar quem é quem neste universo de triliões de anos, quem matou quem, quem casou com quem, quem matou quem para casar com quem, tem de rever a primeira temporada ou, no mínimo, um resumo desses que povoam o YouTube. Se a lição não estiver fresca, é difícil acompanhar a árvore genealógica de House of the Dragon, que regressa a 17 de junho (agora na Max), após cerca de dois anos de pausa.

Despachado o TPC, a história não perde tempo e recomeça logo após os eventos que encerraram a temporada anterior (e ainda nos brinda com um som muito familiar no genérico). Luke, filho de Rhaenyra (Emma D’Arcy), é morto por Aemond Targaryen (Ewan Mitchell) e ela acaba presa num luto que deixa em pausa todo o drama da sucessão ao trono de ferro. Porém, é bom que ela não se demore muito nessa letargia, já que de um lado e do outro há demasiados abutres a rondar em busca de um pedaço de poder.

As críticas à primeira temporada da prequela de A Guerra dos Tronos (que rebobina a história cerca de 100 anos) não foram unânimes. Houve saltos temporais precipitados, arcos narrativos confusos, personagens pouco desenvolvidas e incapazes de criar empatia no espectador. A segunda temporada divide-se em oito episódios (menos dois do que a anterior) e corrige alguns problemas — os acontecimentos desenrolam-se no espaço de poucas semanas, deixando a história criar raízes mais sólidas — mas repete outros, como a aposta numa geração mais nova de Targaryen que balançam entre imaturos, irascíveis e ingénuos e ficam muito aquém de uma Arya Stark ou de um Joffrey Baratheon (as comparações são inevitáveis), personagens tenazes ou odiosas, mas pelo menos com carisma.

Nos primeiros quatro episódios (aqueles que foram disponibilizados para crítica), a adaptação muda algumas coisas do livro Sangue e Fogo (de George R. R. Martin) que lhe deu origem, tem plot twists, mais sangue e mais batalhas. A lista de pessoas cujo nome não podemos mencionar, de cenas cujos detalhes não podemos referir e, (praticamente) de vírgulas que não podemos usar, é extensa, mas podemos dizer, sem spoilers, que vingança é a palavra que vai guiar a temporada toda, num pingue-pongue sem fim entre os dois lados dos Targaryen.

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De um lado, em Kings Landing, o impertinente Aegon (Tom Glynn-Carney) é agora rei e, embora tenha sido a mãe, Alicent (Olivia Cooke), e o avô e mão do rei, Otto (Rhys Ifans), os responsáveis por essa sucessão, as coisas estão a fugir-lhes do controlo. No fim de contas, acabamos a ver um imprevisível e pouco inteligente miúdo a brincar aos reis, a despachar vinho e bordéis como se não houvesse mais nada para fazer, e a tomar decisões sem qualquer noção das consequências. A rondar, silencioso como uma cobra, está o irmão, Aemond (Ewan Mitchell), o miúdo gozado e desdenhado que agora é, surpresa ou talvez não, um psicopata perigoso.

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Do outro lado está Rhaenyra, a legítima herdeira, que reivindica o trono desde que o pai morreu e que agora, com um dos filhos mortos, poucas desculpas tem para não atacar os meios-irmãos e a antiga amiga de infância.

Emma D’Arcy e Olivia Cooke afirmam as suas personagens como as mais sólidas da narrativa, duas mulheres inteligentes, empáticas e cheias de remorsos que sabem perfeitamente, no entanto, que o bom senso de ambas nunca será suficiente para travar meninos-homens com sede de batalha.

Se em A Guerra dos Tronos, passamos temporadas a ouvir que o inverno estava a chegar, aqui é a guerra que está iminente — e não serão precisos anos para se trucidarem todos no campo de batalha.

Cabeças degoladas? Há. Barrigas esventradas? Há. Soldados chacinados? Também. Dragões a cuspirem fogo? Claro. A produção fez tudo em dobro desta vez — até as perucas platinadas parecem existir em maior quantidade e mais brilhantes. Porém, quantidade (ou uns milhões a mais para gastar em cenas teoricamente espetaculares), bem sabemos que não significa qualidade. Há tantos arcos narrativos sem nexo, confusos ou irrelevantes que fica no ar a pergunta: será que não aprenderam com os erros da primeira temporada? Até os nomes se confundem: Rhaenys, Rhaena, Rhaenyra. Precisávamos de umas horas de apoio ao estudo só para decorar o lugar de cada um.

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Há lordes, conspiradores e aliados que fazem aqui uma perninha e que, se já tinham aparecido antes, ninguém tinha dado por eles. Completamente prescindíveis, não acrescentam nada à história. Por outro lado, as personagens mais complexas cujos próximos passos ansiavamos estão completamente apagadas nestes episódios iniciais. Daemon (Matt Smith) é subaproveitado — restando uma única esperança, a de ter algo bombástico reservado para a segunda metade da temporada. O mesmo é válido para lorde Larys (Matthew Needham), o vira-casacas astuto incompreensivelmente relegado para 15.º plano.

É preciso reconhecer que House of the Dragon é, tal como da primeira vez, conteúdo viciante e entretenimento competente que nos agarra e nos faz escolher lados e torcer por uns ou por outros como se fosse tudo preto no branco e só pudéssemos pertencer a uma equipa. Não é A Guerra dos Tronos, mas o facto de ser uma prequela não é desculpa para não lhe chegar aos calcanhares. O objetivo era ser melhor e mais grandiosa do que a produção mãe. Ainda não o conseguiu e a janela de oportunidade para isso acontecer começa a ser cada vez mais curta.

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Até lá chegar (ou falhar redondamente), podemos encontrar fascínio no facto de estarmos a assistir a uma batalha sangrenta e sem escrúpulos dentro de um só clã. Se n’A Guerra dos Tronos havia diferentes famílias em luta pelo trono, aqui são todos Targaryen. A ligação de sangue pode valer tudo ou ser ainda mais traiçoeira, a lealdade e a ganância andam de mãos dadas. Quando se mata por interesse as pessoas que deviam estar mais próximas, onde é que fica o limite? Se não existe, House of the Dragon tem espaço para arriscar e surpreender. No entanto, terá de saber controlar o seu impulso de grandiosidade tão bem quanto os Targaryen controlam os respetivos dragões.