“Na agricultura de hoje, um tomate pode precisar de mais tecnologia do que um Ferrari.” As palavras são de Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal e foram ditas na apresentação da 60.ª edição da Feira da Feira Nacional de Agricultura (FNA) em maio. Mas o que na altura parecia uma piada acabaria por se confirmar no maior evento nacional dedicado à agricultura, que terminou no domingo em Santarém.

Dos drones aos instrumentos meteorológicos de precisão, foram muitos os exemplos referidos durante aqueles dias. Isto sem esquecer, claro o que atrai tantos visitantes ao Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA): as tasquinhas com acepipes de todo o pais, as provas de vinhos e os showcookings, e até as iniciativas dedicadas aos mais novos, porque é de pequeno que se faz o agricultor ou, pelo menos, o consumidor consciente.

Mas esta não foi apenas mais uma edição da FNA, já que se celebraram, de uma só vez, três números redondos: 70 anos da Feira do Ribatejo, 60 da Feira Nacional de Agricultura e 30 de atividade do CNEMA. Para partilhar com os visitantes este pedaço de História, à entrada do recinto estava um “túnel do tempo”, em que se expunham fotografias de época e cartazes de edições anteriores – a evocação de um tempo em que as atividades ligadas ao setor eram muito mais manuais e empíricas do que hoje.

Neste ano de comemorações (assinalado também pelo Presidente da República com a atribuição ao CNEMA das Insígnias da Ordem do Mérito Empresarial – Classe do Mérito Agrícola), o Observador, no âmbito do seu décimo aniversário, também se associou ao evento, com reportagens no local e um dia inteiro de emissão da Rádio Observador a partir de um estúdio instalado no recinto da exposição. Por lá passaram, para ajudar os ouvintes a entender o melhor o ponto de situação deste setor de atividade tão importante para a economia nacional (e respectivos desafios), o ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, Álvaro Mendonça e Moura, presidente da Confederação de Agricultores de Portugal, Ricardo Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Santarém, Joaquim Capoulas, dirigente da Associação  de Produtores do Mundo Rural da Região de Montemor-O-Novo, Nuno Paulo, administrador da cooperativa agro-pecuária mirandesa; Luís Miguel Bagulho, dirigente da associação criadores de raça alentejana; Nuno Faustino, presidente da Associação de Criadores de Porco Alentejano, o deputado do Chega, Pedro Frazão e Mário Peres, especialista em Internet of Things da Vodafone.

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Em foco, ao longo dos vários programas do dia estiveram questões tão diversas e abrangentes como o equilíbrio entre os problemas dos agricultores e a sustentabilidade ambiental, a coesão (ou a falta dela) do território português ou mesmo a perceção que a população, muito concentrada nos grandes centros urbanos, tem desta atividade e de quem a ela se dedica.

E porque estamos em período de Campeonato da Europa de Futebol, tivemos também oportunidade de conversar com Rui Manhoso, diretor da Federação Portuguesa de Futebol, sobre formação de jovens talentos, e Flávio Silva, chef da seleção nacional feminina, que nos ajudou a entender o regime alimentar dos atletas de alta competição em período de provas.

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Mas o que fica, ao certo desta edição da FNA?

A imagem do agricultura na sociedade portuguesa

Em declarações ao Observador, o atual titular da pasta da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes disse que, em Portugal, “os políticos nem sempre valorizam a agricultura”, reafirmando, no entanto, o empenho deste Governo “em trabalhar sempre com os agricultores”. Mas também nos foi dizendo que “nem sempre há, na nossa sociedade, a justa perceção do quanto há de investigação científica e modernidade na nossa agricultura, que já trabalha com dados e satélites.” Acrescentou ainda que talvez o país não saiba até que ponto alguns produtos, como o azeite ou a amêndoa, de que Portugal é um grande exportador, “criam valor para a nossa economia.”

Mas José Manuel Fernandes não se dá por satisfeito: “Imagine-se o que seria se tivéssemos coesão territorial, que é coisa que ainda não temos.” E o que falta? “Conectividade, por exemplo. Com a agricultura de precisão que hoje se pratica, não pode haver pontos do território sem acesso à internet porque isso compromete irremediavelmente a sua capacidade de produção.” Para o ministro, importa reforçar a mensagem que a atividade agrícola e a sustentabilidade ambiental não são aspetos antagónicos, mas importa encontrar um ponto de equilíbrio, em que “o Estado cumpre uma função pedagógica, mas punitiva, se for caso disso.” Para já, entre os seus objetivos para a pasta que tutela, indica “a necessidade de diminuir o défice agro-alimentar de Portugal, que triplicou nos últimos dez anos.”

Coesão territorial e metas europeias

A importância deste fator (e o peso da sua ausência) foi também apontada ao Observador pelo presidente da CAP, Álvaro Mendonça e Moura, como um dos principais problemas da Agricultura portuguesa. “Resulta do abandono de décadas a que está votado o interior do país, em vários aspetos”. Um abandono que alimenta a ideia de que o mundo rural é um lugar bonito e arranjadinho onde as pesssoas das cidades vão passar ao fim-de-semana. E, no entanto, é muito mais do que isso, é um lugar onde se joga a autonomia alimentar da Europa, por exemplo.”

Mendonça e Moura considerou ainda que “os agricultores são os principais interessados em defender a saúde dos solos que trabalha e da água que os rega.” No entanto, foi avançando com críticas ao Green Deal da União Europeia: “Para além de ter metas impossíveis e injustificáveis do ponto de vista científico, eu não posso pedir a um agricultor que deixe de usar um produto se não lhe der alternativas.” Confiante de que a próxima Comissão Europeia, a definir até ao final deste ano, “estabeleça uma política agrícola forte”, o presidente da CAP afirmou ainda que não se pode falar realmente de “sustentabilidade ambiental, sem assegurar a autonomia agro-alimentar dos países da União Europeia.”

A importância da pecuária extensiva

O tema escolhido para a edição deste ano a FNA foi a pecuária extensiva, com vista a valorizar uma atividade que ocupa 64% da superfície agrícola útil em território nacional. Uma atividade que tem repercussões noutras, como a saúde sistema agroflorestal. Ao longo dos vários dias de feira foram discutidas questões como novas soluções para o pastoreio e a adaptação às alterações climáticas, mas também a pecuária extensiva de sequeiro, os recursos genéticos animais, o sequestro de carbono na produção animal extensiva.

Reconhecimento presidencial

Em tempo de comemorações, o Presidente da República atribuiu ao CNEMA as insígnias de membro honorário da Ordem do Mérito Empresarial, na classe agrícola. Na companhia do primeiro-ministro Luís Montenegro, Marcelo Rebelo de Sousa visitou a FNA no dia 9 de junho, destacando a importância económica e social do evento, o maior do seu género em Portugal. “Deve-se condecorar toda a estrutura: os representantes da agricultura, as autarquias, as forças da sociedade civil, onde, há 30 anos, se dá vida àquilo que é o futuro. Porque a agricultura não é passado”, disse o Presidente. Marcelo Rebelo de Sousa referiu ainda que a agricultura e a feira nacional merecem a presença conjunta do Presidente da República e do primeiro-ministro. “Temos tido calendários complicados e calhou conseguirmos fazer esta convergência neste dia (…). Havia a coincidência da data, do festejo e da condecoração, e a agricultura merece.”

Inaugurada a 8 de Junho, a Feira encerrou no dia 16, calculando a organização que tenha recebido cerca de 190 mil visitantes.

Veja aqui a emissão especial da Rádio Observador na Feira Nacional de Agricultura. E aqui os melhores momentos.