As alterações à lei de estrangeiros em Portugal está a preocupar a comunidade do Bangladesh, que alega que muitos estão ilegais pela decisão súbita do governo de mudar as regras.

“Havia muita gente que estava já a trabalhar, a tratar da sua vida, estavam a dormir e depois perceberam, de um momento para o outro, que já não podiam entregar a sua manifestação de interesse”, disse à Lusa Rana Taslim Uddin, líder da comunidade.

Em causa está o fim das manifestações de interesse, um mecanismo legal que permitia a um estrangeiro com visto de turista legalizar-se em Portugal, desde que fizesse descontos para a Segurança Social.

O Governo anunciou a medida na tarde do dia 3 de junho e a nova lei entrou em vigor à meia-noite, bloqueando novas manifestações de interesse e deixando em suspenso milhares de imigrantes que estão já em Portugal e a descontar mas que não tinham o processo concluído.

“Foi uma lei feita de repente, foram apenas algumas horas entre o conselho de ministros e a sua aprovação [entrada em vigor]. É uma lei que prejudica a comunidade”, afirmou Rana Taslim Uddin.

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Segundo o dirigente, devido à dificuldade em agendar atendimento na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), muitos imigrantes esperavam por ter “tudo direitinho”, correspondente aos 12 meses de descontos, antes de iniciar as diligências para se legalizarem.

Atualmente, “há muitos que estão numa situação ilegal porque há muita confusão entre nós. Ninguém percebe como as coisas funcionam”.

Sohel abriu há poucos meses um restaurante da rua do Benformoso, o centro da comunidade bengali em Portugal, e já sente problemas na contratação de pessoal.

“Temos pessoas para virem para cá e agora não podem porque já não há a manifestação de interesse”, explicou o empresário.

“Quando ouvimos que a imigração mudou as regras e os papéis não eram mais aceites, as pessoas saíram daqui. Já assisti a muita gente a ir embora”, salientou o investidor, que admite a necessidade de regular a vinda de estrangeiros, mas desde que permaneçam canais de entrada disponíveis.

“Depois da mudança da lei, as pessoas perceberam que não vão conseguir ficar cá, mesmo que trabalhem e estejam a aguardar há muito tempo”, salientou Sohel, considerando que os portugueses não se apercebem da importância dos imigrantes para a economia.

“Os estrangeiros fazem os trabalhos que ninguém quer. Se nós sairmos, quem vai fazer esses trabalhos?” — questionou.

As alterações à lei obrigam os imigrantes a tratarem dos processos nos consulados portugueses, seja para visto de trabalho, de procura de trabalho ou outro.

Mas países como o Bangladesh ou o Nepal (outro país que também tem uma grande comunidade em Portugal) não têm um consulado português e as promessas de reforço de meios feitas pelo governo português não incluem a abertura de novas representações diplomáticas.

“Há três décadas que nós esperamos um consulado no Bangladesh”, apesar de o país asiático ter uma representação em Lisboa desde 2013, recorda Rana Taslim Uddin.

“Já fizemos vários protestos, muitos requerimentos e continuamos a pedir um consulado” em Daca que possa facilitar os processos de migração, salientou o líder da comunidade que se queixa da falta de abertura das autoridades portuguesas.

Agora, “quando precisam de qualquer visto, as pessoas têm de viajar até à Índia, onde há muita burocracia e dificuldades de acesso”, obrigando a prazos de espera de vários meses.

“Temos 50 mil pessoas em Portugal e é uma vergonha que não haja um consulado no nosso país”, lamentou, salientando que, apesar de tudo, a comunidade gosta do país de acolhimento.

“Há muita gente que quer viver aqui, quer viver em Portugal. Podem até trabalhar na Europa mas querem vir para cá. As pessoas gostam de Portugal e sentimo-nos bem, apesar dos problemas das leis”, explicou.

No entanto, sem um consulado em Daca e sem a possibilidade de regularização em Portugal, Uddin teme o regresso da mão de obra ilegal, controlada por interesses obscuros.

“Isto pode entrar no círculo das máfias que trazem pessoas e as colocam presas a trabalhos”, afirmou.

Estes receios também preocupam Sohel. “Para já quero ficar aqui, mas depois não sei”, porque é necessário “ter condições para investir e ganhar a vida”.