Mais de 820 magistrados do Ministério Público subscreveram um abaixo-assinado que vai ser entregue esta segunda-feira ao Presidente da República, ao Governo e aos vários partidos com assento parlamentar para rejeitar “a forma como têm sido tratados na praça pública” e demonstrar “repúdio pelo desconhecimento e desinformação gerada por um conjunto limitado de cidadãos que proferem juízos infelizes, falsos e despropositados, baseados em preconceitos e que nada têm que ver com a realidade dos homens e mulheres que trabalham nesta legislatura”. No abaixo-assinado, os magistrados consideram “inadmissível” que se compare o MP à PIDE, que se classifique os procuradores como “justiceiros que perseguem políticos” ou que o MP usa meios intrusivos de forma arbitrária.

Promovido pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, o abaixo-assinado, com o título “Em defesa dos cidadãos e da Justiça”, surge numa altura em que o Ministério Público, e em especial a Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, tem sido alvo de duras críticas no espaço público, incluindo por parte de agentes políticos, na sequência de uma série de casos mediáticos — incluindo a Operação Influencer (que conduziria à queda do Governo de António Costa, em novembro passado), a investigação a suspeitas de corrupção na ilha da Madeira, que motivou críticas ao MP pelo facto de vários suspeitos terem ficado detidos durante 21 dias, e as notícias que têm sido conhecidas nos últimos meses sobre o recurso sistemático e prolongado a escutas telefónicas nos processos de investigação.

“Os magistrados bem sabem que não estão acima da crítica e do escrutínio público (nem querem estar), mas não podem deixar de manifestar a sua repulsa perante afirmações inadmissíveis sobre quem defende o interesse público nas mais diversas áreas”, lê-se no abaixo-assinado. “Basta de falsidades que visam descredibilizar, desprestigiar e menorizar a magistratura do Ministério Público e que contribuem, de forma avassaladora, para a crise das instituições portuguesas, colocando, assim, em sério perigo o Estado de Direito democrático.”

O documento sublinha que é “inadmissível” querer “comparar a magistratura do Ministério Público a polícias políticas como a PIDE, que visava a neutralização por todos os meios da oposição ao Estado Novo”, bem como “apelidar os magistrados do Ministério Público de justiceiros que perseguem políticos”, ou ainda “transmitir à sociedade a ideia de que o Ministério Público utiliza, sistemática e arbitrariamente, meios intrusivos de obtenção de prova em processo penal, como buscas domiciliárias e interceções telefónicas, que requerem sempre autorização judicial e muito menos que ‘guarda’ escutas ou as ‘trafica'”.

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Os subscritores do abaixo-assinado consideram ainda inaceitável “imputar, sem qualquer prova, fugas de informação nos processos aos magistrados do Ministério Público” e criticam quem diz “que os magistrados do Ministério Público não são escrutinados”.

“Os magistrados do Ministério Público recordam que o caminho que culmina na perda de independência da Justiça começa, muitas vezes, pelo domínio do Ministério Público, enquanto titular da ação penal, por parte do poder executivo. Basta pensar no que se passava antes do 25 de Abril”, diz ainda o abaixo-assinado, que defende que o que é necessário são “medidas que respondam aos reais problemas dos cidadãos e da justiça”.

O documento recorda que o Ministério Público é um “órgão constitucional, com competência para exercer a ação penal, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, representar o Estado e defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar”. Por outro lado, o MP “não é um órgão do poder político, executivo ou legislativo”, e a sua autonomia “em relação ao poder político é uma das garantias mais importantes de que a sociedade em que vivemos é um verdadeiro Estado de Direito e uma garantia dos cidadãos e da sua igualdade perante a lei”.

“A independência de um sistema de justiça não é apenas um conceito vazio/vago, é antes a pedra de toque de qualquer sociedade que se queira livre, democrática e respeitadora dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”, sustenta o abaixo-assinado, que assume que “as diligências de recolha de prova mais intrusivas, que contendem com os direitos, liberdades e garantias, como buscas domiciliárias e interceções telefónicas, embora impulsionadas pelo Ministério Público, só podem ser autorizadas e controladas por um juiz de instrução criminal e são materialmente realizadas por órgãos de polícia criminal”.