Quando saiu o sorteio de Wimbledon, mesmo havendo agora um Jannik Sinner na liderança do ranking ATP e vários jogadores com bom rendimento na relva, houve um reflexo quase automático de olhar para o quadro do sorteio à luz de dois jogadores: Carlos Alcaraz e Novak Djokovic. Conclusão? Só poderiam cruzar na final, mesmo que esse cenário fosse ainda uma realidade afastada. Afastada no início. Ficou mais próxima, mais próxima, um pouco mais próxima, tornou-se quase inevitável quando chegámos às meias-finais do quadro de singulares. Daniil Medvedev teve uma grande vitória a cinco sets com Sinner, ainda ganhou o tie break do primeiro parcial mas o espanhol foi melhor. Lorenzo Musetti conseguiu a melhor campanha num Grand Slam, teve fases em que fez imperar o serviço mas o sérvio foi melhor. A final de 2024 repetia a de 2023.

God save the (new) king: Carlitos Alcaraz vence Djokovic numa final de 4h45 e conquista pela primeira vez Wimbledon

Depois de um ano marcado pelo triunfo no Major londrino, Alcaraz foi tendo um ano de readaptação a vários níveis. Na preparação, na alimentação, na escolha de calendário. O ténis entrou numa nova era em que já não existe a dinastia dos Três Mosqueteiros, existem vários novos tenistas na corrida para assumirem a posição de liderança na vaga que se segue e o espanhol surge como um predestinado para chegar de forma natural a número 1. “Aquilo que ele está a fazer, ganhar o título em Roland Garros, mudar de superfície e chegar a uma nova final em relva, é escandaloso. O nível de jogo do Carlos, acima da sua mentalidade, a forma como lida com a pressão que todos lhe colocam em cima… É dez em dez”, apontara Juan Carlos Ferrero, técnico de Carlitos, quase em resumo de uma época em que ganhou Indian Wells e Roland Garros. “Ele está a entrar nos passos de Rafa [Nadal], Novak [Djokovic] e Roger [Federer] e isso é uma surpresa para nós”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Do outro lado, Novak Djokovic e uma imprevisibilidade como há muito não se via. Foi quase como se aquele jogador que derrubava as barreiras do impossível e encontrava sempre soluções para qualquer problema se fosse começando a transformar “apenas” num jogador muito, muito bom. Com um outro problema: além de algumas derrotas marcantes como aquelas que teve em Roma ou em Genebra, lesionou-se em Roland Garros depois de duas maratonas a cinco sets, teve de ser operado ao menisco do joelho direito e chegava como uma grande incógnita à relva de Wimbledon tendo ainda como objetivo a breve prazo os Jogos de Paris. “Vejo muitas semelhanças entre mim e o Carlos no que diz respeito à capacidade de adaptação às superfícies. Diria que é o seu maior rasgo, é um jogador muito completo. Sei que Federer tem oito títulos em Wimbledon e eu só tenho sete. Serve como motivação mas gera pressão e expectativas”, dizia antes da final.

Antes do encontro mais aguardado do ano, sobrava a ideia de “vingança” para os dois lados. Alcaraz ganhou no tie break ao sérvio na primeira vez que se encontraram, nas meias do Open de Madrid, e teve aquela que foi a maior vitória da carreira na última final de Wimbledon, num jogo fantástico decidido a cinco sets. Djokovic vencera na meia-final de Roland Garros em 2023 (num encontro em que as cãibras traíram o espanhol), teve depois aquela que ficou para muitos como uma das melhores finais de sempre em Masters 1.000 em Cincinnati e desequilibrou a balança para o seu lado nas meias do último ATP Finals. Meio ano depois, voltavam a reencontrar-se e houve traços semelhantes à final do US Open de 2021 ganha por Daniil Medvedev em que Djokovic só apareceu realmente no jogo a partir de meio do terceiro set. Ganhou Carlos Alcaraz. Ganhou e de uma forma inequívoca o segundo Wimbledon consecutivo e o quarto Grand Slam da carreira aos 21 anos, naquele que pode ficar como a derradeira passagem de testemunho entre gerações.

Ao contrário de todas as expetativas, o primeiro set teve como “história” o facto de não haver história. O jogo inicial de serviço de Novak Djokovic teve uma duração de 14 minutos com sete vantagens e cinco pontos de break para Carlos Alcaraz que segurou mesmo o 1-0 e embalou a partir daí para um triunfo fácil fazendo um segundo break no 4-1 e ganhando por 6-2. O sérvio ainda teve um ponto de break no sexto encontro mas o espanhol segurou essa partida muito assente no primeiro serviço e nos winners. Aliás, a final de Wimbledon estava a circular apenas à volta de Alcaraz, com um ténis muito mais agressivo a um nível como só conseguira na segunda metade dos jogos com Medvedev e Tommy Paul e que deixava o sérvio sem reação.

Esperava-se uma reação de Djokovic, voltou a aparecer o melhor Alcaraz. Logo a abrir, mesmo com o sérvio a ir melhorando ligeiramente no primeiro serviço, o espanhol fez logo o break, foi segurando os seus jogos com alguns em branco e voltou a ter um novo break no 5-2 depois de uma bola fácil na rede e uma dupla falta do sérvio. Nada parecia correr bem a Djokovic, que entre o mérito de uma exibição excecional do espanhol não encontrava um qualquer gatilho que pudesse mexer com a tendência do encontro nem mesmo quando resgatava aqueles pontos impossíveis que funcionavam como gasolina para o seu “fogo”. De forma natural, o segundo set fechava com novo 6-2 e com 75 minutos que pouca ou nenhuma história voltaram a ter na final.

O terceiro jogo do terceiro set funcionava como barómetro para o que se passava. Djokovic chegou a salvar pontos de break, Alcaraz arriscava passing shots fabulosos que levantavam as bancadas, as bolas com toques na rede caíam todas para o espanhol, o sérvio ainda tentava encontrar uma segunda vida num encontro onde andou sempre à procura da sobrevivência. O sexto jogo foi o primeiro onde se começaram a ver os sinais iniciais daquele Djokovic que todos esperavam, tendo mesmo dois pontos de break anulados com Alcaraz a socorrer-se do primeiro serviço para fazer o 3-3, antes de fazer o break no 5-4 e dar os primeiros sinais de nervosismo quando podia fechar o encontro, perdendo três match points para ver a decisão seguir para tie break, onde recuperou a estabilidade emocional e conseguiu mesmo fechar o encontro com 7-4.