“2011, 2014, 2015, 2018, 2019, 2021, 2022. 2023?”

Depois da vitória nas meias-finais frente a Jannik Sinner, a própria comunicação de Wimbledon já fazia algo que não é muito habitual entre os jogadores que chegam à decisão do torneio, colocando o triunfo, neste caso o oitavo, como uma espécie de inevitabilidade disfarçada com um ponto de interrogação. Os números como que tornavam isso inevitável. Vejamos: 34 vitórias consecutivas no Grand Slam inglês, 45 triunfos em série contando apenas com os sucessos no court central do complexo, 35.ª final de um Major superando o recorde que antes igualara com Chris Evert, mais de 90% de sucessos no torneio londrino que passou o rendimento de Pete Sampras, 100% de jogos ganhos em Grand Slams na presente temporada contando com Austrália e Roland Garros. Afinal, o ponto de interrogação era uma mera questão figurativa no percurso de Djokovic. No entanto, do outro lado estava Carlos Alcaraz e a vontade de chegar ao seu ponto de exclamação.

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A seguir a Roland Garros, quando perdeu a meia-final depois de uma reação de shut down no terceiro set que estendeu a passadeira ao sérvio num caminho que estava a ser complicado para a vitória, o espanhol realizou apenas um torneio, em Queen’s, onde até ganhou. Contudo, o seu “jogo” a partir do Grand Slam de Paris foi consigo e foi a pensar em Djokovic. Mesmo ocupando a primeira posição ATP, mesmo sabendo que será uma mera questão de tempo até começar a ganhar de forma regular os Majors do ano, Alcaraz só tinha na cabeça a ideia de encurtar esse tempo e fazer aquilo que parecia impossível: vencer o recordista de Grand Slams (23, mais um do que Rafa Nadal). Para isso, teria de controlar um jogador que sabe tudo do ténis e controla qualquer partida como quer, onde quer e quando quer – e a forma como saiu de um 15-40 e 4-5 no terceiro set com Sinner para a vitória é um exemplo disso mesmo. Mais: teria de controlar-se a si mesmo.

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Esse era o grande desafio do espanhol, depois de cair fisicamente por não aguentar a parte mental.

“Esta é a final mais esperada por todo o mundo, até por mim. Ele é muito jovem mas incrivelmente consistente, também em relva, algo que muita gente não esperava porque dá a sensação de que o seu estilo se adapta melhor à terra batida e a courts mais lentos. É um jogador incrível, também fora do court. Tem um comportamento exemplar, respeita muito a história deste desporto, a sua família e a sua equipa são muito agradáveis. Vi alguns encontros dele em Queen’s e surpreendeu-me o bem que se adaptou à relva. Sei que vai ser um grande desafio, o maior que posso enfrentar nesta fase a nível físico, mental e emocional. O Carlos é um dos tipos mais rápidos de todo o circuito e pode fazer qualquer coisa em court mas também me considero um tenista muito completo”, comentara Djokovic na antecâmara de uma final onde podia chegar a mais história, neste caso igualando em caso de vitória as oito conquistas de Roger Federer em Wimbledon.

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“Dá-me uma motivação extra o facto de jogar contra uma lenda do nosso desporto. Digo sempre que se queres ser o melhor, tens de ganhar aos melhores e Djokovic representa isso nestes momentos. Seria impressionante se conseguisse e sei que jogar esta final será um dos melhores momentos de toda a minha vida. Sei que para o Djokovic é mais um dia mas para mim será o melhor momento da minha vida. Cresci a ver o Djokovic jogar. É um jogador incrível, não tem debilidades. É uma besta física e mental e tem uma combinação de tudo o que mais admiro num tenista. O que vou mudar? Tenho de pensar na forma de planear o jogo taticamente. Vou tentar entrar em court com menos nervos que em Roland Garros. Lá, não desfrutei nada durante o primeiro set e sei que tenho de fazer diferente”, salientara Carlos Alcaraz, que tentava chegar ao segundo triunfo em Grand Slams da carreira na segunda final após a vitória no US Open de 2022.

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Até o pequeno “incidente” há dois dias, quando Djokovic comentou à imprensa sérvia que gostava de ter mais privacidade nos treinos ao saber que o pai de Alcaraz tinha estado a filmar essa sessão e o espanhol referiu que o progenitor apenas adorava ténis sem querer com isso ganhar algum tipo de vantagem, deu um outro “picante” ao encontro que todos mais aguardavam na final de um Major – sobretudo Alcaraz, que quando chegou a Wimbledon assumiu logo que queria cruzar com o sérvio para “resolver” o que se tinha passado em Roland Garros. Ele sabia porquê. E o Major inglês assistiu ao primeiro capítulo da sucessão de dinastias no ténis, onde o príncipe de 20 anos bateu o rei de 36 anos que ninguém parecia conseguir derrubar.

O encontro começou com Djokovic a ganhar a superioridade que até nos corredores das instalações do Major inglês a caminho do court central foi procurando. Alcaraz, podendo escolher, preferiu colocar o primeiro jogo de serviço do lado do sérvio, conseguiu pressionar com um 30-40 que obrigou Djokovic a salvar um break logo a abrir mas não fechou o 1-0. Não fechou aí, não fechou depois: o balcânico começou a abrir o livro, fez dois breaks seguidos no serviço do espanhol, fez o que quis dominando por completo todos os pontos salvo raros exceções em que Alcaraz foi mais agressivo nas respostas e acabou o primeiro parcial com 6-1, sendo que até o único jogo ganho pelo espanhol esteve em 30-30 e só foi resolvido com a melhor bola do set.

Até o facto de ter visto Djokovic fechar com um jogo em branco mexia com Alcaraz, que teria de encontrar formas de evitar o passeio até aí do sérvio. Conseguiu: ganhou com grande personalidade o seu primeiro jogo de serviço e somou pela primeira vez um break que o colocou na frente por 2-0. Era o momento do espanhol, foi o momento em que o sérvio voltou a elevar o seu nível e fez logo o contra break para colocar numa espécie de “estaca zero” o segundo set. Mesmo com os pratos da balança equilibrados, Djokovic estava na sua zona de conforto e não tremeu com mais um ponto de break para o espanhol que até foi aproveitado para o sérvio fazer o sinal para as bancadas se manifestarem quando percebeu que todos esperavam pela “escorregadela”. Houve um ponto que poderia ter mudado tudo, quando Alcaraz falhou o 0-30 no serviço de Djokovic, mas a decisão seguiu para o tie break onde o sérvio perdeu após a 15 decisões consecutivas a ganhar (8-6).

Tudo voltava ao início mas essa nuance de haver um Carlos Alcaraz mais confiante, mais ciente de que era capaz de ser superior a Novak Djokovic e mais motivado com a reação que vinha também das bancadas.

O primeiro jogo do terceiro set mostrou de novo esse ascendente, com o sérvio a quebrar na intensidade, a não conseguir fazer a diferença com os serviços mais puxados às linhas e a ver de novo o espanhol a começar com um break, confirmado de seguida com o 2-0. Qualquer que fosse o resultado, Alcaraz tinha o mérito de colocar Djokovic a fazer erros que não são normais no sérvio e que fizeram com que o espanhol tivesse um total de sete pontos de break para fazer o 4-1 (incluindo um pedido de challenge a parar o ponto que teve sucesso por um ou dois centímetros) ao final de mais de 26 minutos… num só jogo. O terceiro parcial estava dominado pelo espanhol, que acabou com mais um break que fechou o surpreendente 6-1.

A ida de Djokovic aos balneários com uma demora de sete minutos trouxe mais alguns assobios ao sérvio, que começava pela primeira vez durante muito tempo a perder de controlo um jogo decisivo. E foi assim que Alcaraz começou com dois pontos de break no serviço do adversário, anulados entre mais uma escorregadela que podia ter deixado mossa antes de levar também o jogo do espanhol às vantagens. Qualquer pequeno erro, qualquer bola mais curta ou qualquer escolha mal calculada gerava de forma automática winners, grandes passing shots e uma montanha russa de alternâncias no marcador que teve um ponto de inversão quando Djokovic fez o break no 3-2 e partiu seguro para a vitória no quarto set com novo break para 6-3.

Com uma dupla falta, quatro horas depois, a partida iria mesmo para quinto set, sendo que os dois primeiros jogos foram mantidos com pontos de break à mistura ao longo de quase 20 minutos até Alcaraz conseguir mesmo ganhar no serviço de Djokovic e o sérvio a partir uma raqueta na zona de madeira que agarra a rede, o que motivou um enorme coro de assobios mas mostrou bem o estado de espírito do jogador. Já era difícil imaginar alguma coisa que pudesse acontecer e que ainda não tivesse acontecido, sendo que mesmo entre uma aparente reação do sérvio o jovem espanhol conseguia sempre encontrar um ângulo qualquer com a sua direita. Foi assim que, ao fim de 4h40, Alcaraz iria servir para sagrar-se campeão de Wimbledon, naquele que seria o encontro mais importante de toda a carreira. Ainda falhou o primeiro amortie, não deu hipóteses no segundo e Djokovic não conseguiu resistir ao fenómeno que veio para tomar conta do ténis.