A forma como Richard Carapaz conseguiu fugir na fuga para discutir o triunfo na chegada a SuperDévoluy com Simon Yates e Enric Mas e a maneira como o pelotão foi gerindo as etapas a rolar na terceira e última semana do Tour que foram decididas ao sprint mostrava ao algo que se tornava quase inevitável: para haver espectáculo como até aqui, as forças dos Pirenéus tinham de passar de forma direta para a chegada aos Alpes. Foi assim com Tadej Pogacar, foi assim com Jonas Vingegaard, foi assim com Remco Evenepoel, foi também assim com todos os fiéis escudeiros dos três principais candidatos tendo João Almeida e Mikel Landa logo à cabeça (Carlos Rodríguez é um caso diferente, por ser o líder da Ineos). Agora, chegava o dia. E se aqueles 33 quilómetros entre Mónaco e Nice que fecham a prova em contrarrelógio podiam marcar pequenas diferenças, agora chegava o momento decisivo para “decidir” algo que parecia há muito tempo decidido.

“Conheço-a bem. Não sei se já decidimos qual será a etapa rainha mas amanhã [sábado] é a etapa rainha para mim. Gosto muito do Col de la Bonette e treinei muito na Isola 2000 no mês anterior à Volta. Estou ansioso por correr lá. Tenho uma vantagem de três minutos. Vamos aproveitar isso e ver se conseguimos manter a mesma diferença. Vamos pensar primeiro na defesa e depois na última subida veremos como estão as pernas. Mas temos de estar à espera de alguma coisa, é a etapa rainha. É uma etapa que se quer ganhar. Vamos ver fogo de artifício e talvez algumas mudanças na classificação”, destacava à partida Pogacar. “O Pogacar conhece bem a etapa porque o Mónaco não é muito longe daqui, também fez um treino de altitude em Isola 2000 mas é um dia com subidas de quase uma hora. Não posso fazer previsões. Tudo pode acontecer, mas em todo o caso prometem ser dois dias espetaculares”, acrescentava Remco Evenepoel.

Em paralelo, o Tour ia sendo marcado também pela figura virtual de “Mou”, um utilizador que começou por fazer muitas publicações num fórum da modalidade (Cyclingnews) e que passou depois para a rede X. Razão? Grande parte dos comentários diziam respeito a dados confidenciais de Pogacar, de treino e de corrida, que deveriam estar apenas disponíveis para a equipa. Justificação? Será alguém muito próximo do esloveno, o que permite ter acesso a essas informações. Problema? Nem o corredor sabe quem é. “Eu é que devia perguntar-vos quem é, não faço ideia… É algo que já oiço há uns dias e que está a ganhar cada vez mais atenção. Algumas coisas que partilha que estão certas, a maioria está errada. Não sei quem é esta pessoa nem quais são as suas intenções, mas acho que está só a tentar ser importante…”, referiu Pogacar.

Com ou sem dados reais, entre mais ou menos informação, não era preciso recorrer a segredos para chegar ao óbvio: apesar de todo o desgaste de duas semanas e meia de competição, e com mais duas tiradas de alta montanha antes do contrarrelógio final, era a UAE Team Emirates que continua a dominar, como se viu ao longo de um dia que voltou a ter uma fuga com corredores talhados para estas características como Matteo Jorgenson, Wilco Kelderman, Simon Yates, Nicolas Prodhomme, Ilan Van Wilder, Jai Hindley, Richard Carapaz, Cristián Rodríguez e Oscar Onle sem nunca terem grande descanso de um “pelotão” que a mais de 65 quilómetros estava resumido a um grupo de 20 corredores com a armada de Pogacar a comandar.

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A partir daí, houve um pouco de tudo. Matteo Jorgenson, Wilco Kelderman, Simon Yates, Jai Hindley, Richard Carapaz (que praticamente sentenciou a questão da montanha) e Cristián Rodríguez formaram o grupo que lutava pela vitória, Jorgenson tentou dar uma alegria à Visma no meio de tantas mini derrotas que a equipa foi tendo ao longo dos últimos dias, Carapaz ainda esboçou uma tentativa de reação ao ataque numa altura em que tinha 30 segundos de desvantagem, Pogacar descolou para ir à procura da vitória.

O que mudou desta vez? A incapacidade que os rivais diretos demonstraram para sequer reagir ao que estava a acontecer, a ponto de não terem sequer tentado ir atrás do camisola amarela para outro duelo como aqueles que já forma travados em montanha. Assim, Vingegaard e Remco ficaram a discutir a segunda posição sem que o belga descolasse do dinamarquês, ao passo que João Almeida foi controlando as movimentações de Mikel Landa sem que o espanhol ferisse a posição do português e com Carlos Rodríguez a perder quase dois minutos nessa luta pelo quarto posto da geral. E Pogacar? Ganhou, claro, passando que nem um mota por Carapaz, Simon Yates e por último Jorgenson para somar o quarto triunfo em etapas do Tour.

Com mais um recital, Pogacar reforçou a liderança e sentenciou de vez a Volta a França (se dúvidas ainda existissem), passando a ter uma vantagem de 5.03 para Jonas Vingegaard e de 7.01 para Remco Evenepoel. Já João Almeida manteve o quarto posto na geral a 15.07 do companheiro de equipa, ficando com os mesmos 27 segundos de avanço em relação a Mikel Landa e agora 2.19 minutos sobre Carlos Rodríguez, o melhor da Ineos. Fecham o top 10 Adam Yates (também da UAE Team Emirates), Derek Gee, Matteo Jorgenson e Giulio Ciccone. A continuar assim, o português, que faz a estreia no Tour, pode tornar-se o segundo melhor corredor nacional na prova, apenas superado por Joaquim Agostinho e os seus dois pódios na terceira posição que alcançou nas edições de 1978 e 1979 (neste caso com uma vitória no mítico Alpe d’Huez).