O presidente do Bangladesh, Mohammed Shahabuddin, dissolveu esta terça-feira o parlamento, indicou um porta-voz presidencial, correspondendo desta forma às expectativas do movimento estudantil de protesto que ditou a renúncia e a fuga do país da primeira-ministra Sheikh Hasina.

“O Presidente dissolveu o parlamento”, declarou Shiplu Zaman, num comunicado, abrindo, assim, as portas à formação de um novo governo interino, um dia depois de Hasina ter partido para o exílio na Índia, após semanas de violentos protestos nas ruas bengalis que provocaram a morte de mais de 400 pessoas.

“Na sequência da reunião do presidente Shahabuddin com os chefes das três forças de defesa, diferentes líderes políticos, representantes da sociedade civil e líderes do movimento ‘Estudantes contra a discriminação’, o parlamento foi dissolvido”, indicou a mesma nota informativa.

Shahabuddin acedeu ao ultimato dos líderes dos protestos estudantis, que tinham fixado um prazo até às 15h00 locais (10h00 em Lisboa) para a dissolução do parlamento, sob pena de endurecerem a sua agenda.

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Os protestos estudantis, que se tornaram violentos em meados de julho, colocaram o país num clima de caos e levaram à demissão de Hasina, que esteve 15 anos no poder.

A dissolução é um requisito fundamental para permitir a formação de um governo provisório, tal como anunciado na segunda-feira pelo chefe do exército do Bangladesh, Waker-Uz-Zaman, numa declaração que confirmou a demissão da primeira-ministra e a sua saída do país. A medida abre igualmente portas à realização de eleições legislativas no prazo de três meses.

A composição do novo governo provisório é ainda desconhecida, embora os líderes estudantis tenham proposto o nome do Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus para liderar o processo de transição, missão que o laureado confirmou entretanto aceitar.

O governo provisório dará prioridade ao restabelecimento da lei e da ordem nas ruas, depois de o país ter vivido na segunda-feira o dia mais mortífero desde o início dos protestos estudantis, que começaram há um mês para exigir a revogação de um sistema de quotas para o emprego público e acabaram por exigir a demissão de Hasina na sequência da brutal repressão das manifestações.

De acordo com a agência espanhola EFE, pelo menos 99 pessoas foram mortas no último dia, durante violentos confrontos e incidentes, que incluíram incêndios em vários edifícios relacionados com a Liga Awami, força política de Hasina.

O número de mortos desde o início das manifestações, no princípio de julho, ultrapassa os 400.

Entretanto, a antiga primeira-ministra e líder da oposição no Bangladesh, Khaleda Zia, condenada em 2018 a 17 anos de prisão por corrupção, foi libertada esta terça-feira, indicou o porta-voz do Partido Nacionalista do Bangladesh (PNB, oposição), um dia depois de o exército ter tomado o controlo do país.

“[Zia, a grande rival de Hasina] está agora livre”, disse à agência francesa AFP o porta-voz partidário, A.K.M. Wahiduzzaman, menos de 24 horas depois de o Presidente do Bangladesh, Mohammed Shahabuddin, ter ordenado a sua libertação.

Esta terça-feira, na capital do país, Daca, as mães de algumas das centenas de presos políticos detidos arbitrariamente durante o regime de Hasina aguardavam à porta dos serviços secretos militares à espera de notícias.

“Precisamos de respostas”, disse Sanjida Islam Tulee, coordenadora do movimento “Mayer Daak” (“Apelo das Mães”, na tradução em português), que está a fazer campanha pela libertação dos detidos pelas forças de segurança de Hasina.

Paralelamente, o principal sindicato da polícia do Bangladesh anunciou esta terça-feira que vai entrar em greve.

“Até que a segurança de todos os membros da polícia seja garantida, estamos a declarar uma greve”, escreveu a Associação da Polícia do Bangladesh, que representa milhares de oficiais superiores, num comunicado.

Na mesma nota informativa, os líderes sindicais pediram “perdão” por terem ter disparado contra estudantes, alegando terem sido forçados a abrir fogo.

A situação mantém-se calma em Daca, onde, embora o tráfego tenha sido retomado e as lojas reabertas, os escritórios governamentais permaneceram fechados.

Na segunda-feira, na sequência do discurso de Waker-Uz-Zaman, milhares de bengalis saíram para as ruas de Daca. Os manifestantes invadiram o parlamento, incendiaram as instalações de canais de televisão pró-governamentais e partiram estátuas do pai da ex-primeira-ministra, Sheikh Mujibur Rahman, um herói da independência do país.

Os escritórios da Liga Awami, o partido de Hasina, foram incendiados e saqueados em todo o país, disseram testemunhas à AFP.

Lojas e casas pertencentes a hindus – um grupo considerado por alguns, neste país de maioria muçulmana, como próximo de Hasina – também foram atacadas, disseram testemunhas.

Por sua vez, a Índia afirmou esta terça-feira estar “profundamente preocupada” com a crise no vizinho Bangladesh.

O ministro dos Negócios Estrangeiros indiano, Subrahmanyam Jaishankar, afirmou no parlamento que continuará “profundamente preocupado até que a lei e a ordem sejam claramente restabelecidas”, confirmando a presença de Sheikh Hasina na Índia.

Segundo um porta-voz oficial, Hasina está apenas “de passagem” pelo país, a caminho de Londres. No entanto, o apelo do governo britânico a um inquérito da ONU sobre os “níveis de violência sem precedentes” no Bangladesh lançou dúvidas sobre a possibilidade deste destino.