O Tribunal Administrativo de Lisboa considerou que estavam prescritas várias contra-ordenações que levaram a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) a multar a câmara de Lisboa, mas, mesmo assim, condenou a autarquia a pagar uma coima de 1.027.500 euros na sequência do chamado Russiagate, em que dados de manifestantes anti-Putin foram cedidos a Moscovo. A sentença judicial, à qual o Observador teve acesso, surge na sequência de um recurso da câmara municipal de Lisboa, que contestava a coima inicial de 1.250.000 euros que lhe tinha sido aplicada pela CNPD.
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, já confirmou a condenação através do Twitter e apontou novamente o dedo ao executivo de Fernando Medina: “Lamentamos a pesada herança mas defenderemos os lisboetas. A Câmara Municipal de Lisboa confirma ter conhecimento da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, nos termos da qual foi condenada ao pagamento de 1.027.500 euros.” Carlos Moedas acrescenta ainda que “mais uma vez, a autarquia lamenta esta pesada herança deixada pelo anterior executivo socialista e o seu impacto muito relevante. Em defesa dos interesses dos lisboetas, a Câmara Municipal encontra-se a avaliar se irá recorrer da decisão judicial agora conhecida.”
Já quando a coima foi aplicada pela CNPD, em janeiro de 2022, Moedas emitiu na altura um comunicado a colocar o ónus no executivo socialista, utilizando mais ou menos a mesma expressão. “Esta decisão é uma herança pesada que a anterior liderança da Câmara Municipal de Lisboa deixa aos lisboetas e que coloca em causa opções e apoios sociais previstos no orçamento agora apresentado. Vamos avaliar em pormenor esta multa e qual a melhor forma de protegermos os interesses dos munícipes e da instituição.”
Russiagate: PS em Lisboa critica “politiquice” de Moedas e diz que câmara “pode e deve recorrer”
O Executivo de Carlos Moedas tentou, ainda assim, recorrer dessa decisão e impugná-la para poupar dinheiro aos cofres da autarquia, o que só foi “parcialmente” aceite pelo tribunal. Os juízes consideraram que 222.500 euros dizem respeito a contraordenações que já prescreveram, mas decidiram condenar a autarquia a pagar o restante valor: 1.027.500 euros.
[Já saiu o segundo episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro episódio. ]
Na sentença do Tribunal pode ler-se que o “conjunto de operações sobre informação relativa a pessoas singulares” teve “necessariamente impacto na privacidade e na liberdade daquelas e tinha obrigação de conhecer o enquadramento legal em que poderia de facto realizar esse conjunto de operações e de conformar os procedimentos e atuações face às regras e princípios do RGPD”.
Para os juízes o município de Lisboa “agiu de forma livre, deliberada e consciente, ao proceder à remessa das cento e onze comunicações eletrónicas (…) para os serviços do Município de Lisboa, os quais não tinham necessidade de conhecer aquela informação pessoal para a preparação e execução das tarefas públicas, bem sabendo que a sua conduta era proibida e sancionada por lei.”
Ksenia Ashrafullina é uma das visadas neste caso de partilha de dados pela Câmara de Lisboa – que enviou esses dados para a Rússia. Perante esta sentença, a ativista diz ter dúvidas sobre a aplicação da coima.
Questionada sobre se considera que devia receber uma parte desta coima, Ksenia Ashrafullina afirma que sim, uma vez que estes manifestantes “perderam uma grande parte da vida e não podem voltar para a Rússia”.
O caso começou em junho de 2021, quando o Observador noticiou que a câmara municipal de Lisboa tinha feito “chegar por e-mail os nomes, as moradas e os contactos telefónicos de três manifestantes anti-Putin à embaixada russa em Lisboa e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros daquele país”.
Câmara de Lisboa entrega dados de manifestantes anti-Putin aos Negócios Estrangeiros russos
A prática aconteceu com outros regimes totalitários em várias manifestações que ocorreram na capital entre 2018 e 2020. O caso foi um dos maiores embaraços para Fernando Medina nas autárquicas de 2021, onde acabou derrotado — contrariamente ao que diziam todas as sondagens — pelo social-democrata e atual presidente da autarquia, Carlos Moedas.
Artigo atualizado às 15h39 com a reação do presidente da câmara municipal de Lisboa, Carlos Moedas.