O voleibolista internacional português Miguel Cunha quer avaliar a ligação entre a pressão de competir nas seleções jovens e a saúde mental desses atletas “de elite”, num doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Orientado para “a saúde mental e bem-estar no voleibol jovem de elite português“, bem como para a “literacia em saúde mental de pais e treinadores”, o projeto foi elaborado em parceria com a Federação Portuguesa de Voleibol (FPV) e com a Universidade da Maia e destina-se a uma população à qual já pertenceu o jogador de 27 anos.
“Pretende-se que o trabalho seja nas camadas jovens da federação. Sei bem as dificuldades de ‘navegar’ a pressão que existe, não só a de ser atleta, mas também a de ser adolescente. É uma idade em que podemos ser muito felizes, mas não é necessariamente fácil. Tem características que podem espoletar alguns problemas do foro mental”, disse à Lusa.
Aprovado a título provisório, na sequência do anúncio da FCT para a atribuição de 1.500 bolsas de investigação para 2024, realizado em 1 de agosto, o doutoramento, ainda “muito embrionário”, prolonga-se por quatro anos e visa “acrescentar algo novo” ao conhecimento da relação entre saúde mental e desporto.
“O intuito é tentar perceber se esta população tem uma pressão ainda maior e se estes atletas de elite têm uma maneira diferente de lidar com a pressão. Quero perceber se é isso que os faz ser de elite ou se sofrem da mesma forma, mas têm capacidades que lhes permitem distinguir-se”, detalha.
Internacional português em 22 ocasiões, Miguel Cunha realça que é diferente praticar desporto duas vezes por semana, a “treinar com amigos”, ou ter de mudar de cidade para representar a seleção portuguesa, daí focar a investigação nas seleções de sub-20 e sub-22, bem como nos “grupos de elite” concentrados no Porto, cidade que é sede da FPV.
Na época passada, a federação reuniu cerca de 20 jogadores nascidos em 2007 e 2008 na Escola Secundária Carolina Michaelis e 20 jogadoras dessa faixa etária na Escola Secundária Rodrigues de Freitas, treinando de segunda até quinta-feira, antes do regresso aos respetivos clubes na sexta-feira, para as competições ao fim de semana.
O diretor técnico nacional da FPV, Leonel Salgueiro, esclareceu à Lusa que “cerca de 95%” dos internacionais pelas seleções seniores de Portugal passaram por esse processo de concentração e adiantou que o projeto de doutoramento de Miguel Cunha, a seu ver “extremamente importante para o alto rendimento”, vai incidir ainda sobre grupos de atletas nascidos em 2009, 2010 e 2011.
Com uma carreira que inclui passagens pelo Voleibol Clube de Viana e pelo Vitória de Guimarães, o atleta natural de Viana do Castelo está também atento à relação entre stress competitivo, taxas de depressão e de ansiedade e consumo de fármacos ansiolíticos nesses “jovens de elite”.
“Vivemos numa era sem precedentes. A relação com as redes sociais influencia a forma como os adolescentes lidam uns com os outros. Pode ser extremamente difícil lidar com comparações nessas idades, sem a maturação mental ainda completa”, observa.
Licenciado em bioquímica pela Universidade do Minho, com pós-graduação em bioengenharia, Miguel Cunha tirou depois um mestrado na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, que teve como objeto a relação entre saúde mental e bem-estar numa equipa jovem feminina do Vitória de Guimarães em que era treinador.
O internacional português sublinha ter encontrado, ao longo da carreira como atleta, pessoas que o ajudaram a superar várias adversidades e está convencido de que a relação entre saúde mental e performance ainda é “uma das maiores lacunas” no estudo do desporto.
“Um atleta não faz só passes e manchetes. Temos de preparar o nosso corpo, mas também a nossa mente para lidar com problemas e para fazermos o nosso esforço o melhor que conseguirmos”, reitera.