“É só esperar mais um bocado”. As semanas iam passando, o mercado de transferências do FC Porto pouco ou nada mexia. Aliás, enquanto um terço do plantel surgia no plantel como vendável ou com propostas, só um nome ia sendo ventilado como possível reforço dos azuis e brancos. Mika Faye, que nem chegou a estar realmente perto do Dragão, era um alvo mas apenas na condição de emprestado com opção de compra, algo que o Barcelona não pretendia sequer negociar tendo em conta que a mais valia gerada com o defesa tinha o seu peso nas contas ao pormenor dos catalães. O jogador de 20 anos rumou ao Rennes por 10,3 milhões mas a imagem que ficou dos dragões nessa negociação acabou por ter pouco ou nada a ver com aquilo que foi a atuação neste mercado de verão e essa possibilidade que caiu não desviou o clube de outras que vieram para ficar. No entanto, e quando tudo parecia correr da melhor forma, o último dia teve um passo em falso.

Com a venda de Evanilson, num negócio que prendeu André Villas-Boas ao longo de alguns dias por ser “a” venda que permitira desbloquear depois várias pastas (cancelou por essa altura a viagem que tinha marcada para Paris, onde marcaria presença na prova de águas abertas de Angélica André), o FC Porto começou a desbravar caminho para encontrar recursos que permitissem concluir processos no mercado que estavam a decorrer em completo sigilo. Havia também a possível saída de David Carmo que foi confirmada mais tarde e ao Nottingham Forest por 11 milhões de euros – que depois cedeu o central ao Olympiacos – e a cedência de Francisco Conceição, que ao contrário da ideia inicial não deixou o Dragão com uma cláusula de compra obrigatória mas que rendeu sete milhões por um ano na Juventus, mas o brasileiro era a “chave”.

Foi isso que permitiu ter a margem para desviar Samu Omorodion da Premier League quando as conversas seguiam nesse sentido, chegando aos azuis e brancos com um forte investimento (15 milhões de euros por 50% do passe) e a convicção de que seria uma futura referência na forma de jogar de Vítor Bruno em termos ofensivos depois das saídas de Evanilson e Taremi – foi nesse sentido também que chegou Deniz Gül, jovem avançado sueco contratado ao Hammarby que é uma aposta a médio prazo mas que tem características semelhantes às do campeão olímpico espanhol que esteve cedido ao Alavés pelo Atl. Madrid.

Ao mesmo tempo, a administração azul e branca foi assegurando as alternativas para as posições em falta na defesa. Na esquerda, apesar de só ter sido apresentado no último dia de mercado, Francisco Moura estava há muito “reservado” junto do Famalicão para dar outra alternativa que não fosse Wendell enquanto Zaidu recupera de lesão grave (Galeno foi utilizado nos últimos jogos mas não deixando de ser uma adaptação). Ao centro, Nehuén Pérez, argentino da Udinese, foi sempre a prioridade máxima num acordo que “empurrou” a cláusula de opção obrigatória para o final da época. Jair Cunha, outro alvo detetado pelo scouting dos azuis e brancos, esteve muito perto do Dragão naquele que seria um último esforço mas caiu e foi então ativado um plano B que poderia já não existir, na medida em que Tiago Djaló teve um pé e meio na Roma.

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A cereja no topo do bolo, num negócio que poderia afigurar-se como muito difícil mas que se tornou o mais “fácil” de todos face à abertura e disponibilidade de todas as partes, foi o regresso de Fábio Vieira. Apesar de não ter opção de compra, na medida em que o Arsenal acredita que o internacional Sub-21 necessita de um relançamento da carreira depois de dois anos em que jogou menos do que era esperado em Londres, o médio funcionou como a contratação que resgatava a mística e o ADN dos dragões sendo também uma mais valia que melhoraria e muito o leque de opções de Vítor Bruno, dando também o exemplo a jogadores mais jovens que se têm consolidado no plantel principal como Zé Pedro, Martim Fernandes ou Vasco Sousa.

Apesar de não haver nada em termos públicos que abrisse a porta à necessidade de mais uma venda, todos sabiam em termos internos que essa hipótese existia e estava apenas dependente de uma proposta capaz de fazer abdicar o FC Porto de um titular. Olhando para o plantel, havendo essa “garantia” de que Diogo Costa não iria sair, as principais hipóteses passavam por dois dos três internacionais brasileiros do plantel: Pepê e Galeno. Com o início discreto de temporada do primeiro, as atenções focaram-se no segundo, que tinha também os golos marcados na Liga dos Campeões como cartão de apresentação. O Al-Ittihad fez uma abordagem inicial de 40 milhões de euros, que foi recusada, e aumentou para 50 milhões esta segunda-feira. Foi aceite, sendo que todos no clube tinham conhecimento dessa hipótese. Depois, tudo ruiu.

As notícias que davam conta de uma alegada proposta por Trossard, avançado do Arsenal, geraram alguma desconfiança no Dragão mas como a mesma foi recusada esse receio passou. Depois, até mesmo quando Fabrizio Romano anunciou que Bergwijn era alvo do Al-Ittihad, os dirigentes dos azuis e brancos tinham em mente que uma coisa não estava relacionada com a outra. Perante a espera sem notícias de Galeno, que tinha sido autorizado a não treinar de manhã no Olival para fazer exames médicos pelo conjunto saudita, soaram os alarmes a que não eram alheios o facto de haver um antigo CEO do Benfica a conduzir o processo do lado do clube do Médio Oriente, Domingos Soares de Oliveira. O negócio ruiu mesmo ao final da tarde.

“A propósito da transferência gorada do atleta Wenderson Galeno para o Al-Ittihad, o FC Porto informa que irá enviar uma comunicação para o chairman do referido clube e para o chairman da Liga da Arábia Saudita, dando nota do profundo desagrado pela forma como o processo foi conduzido e abortado após se ter chegado a um acordo total entre os clubes e o atleta. O FC Porto congratula-se por poder contar com o jogador Galeno nos seus quadros e reforça a confiança nas capacidades e na motivação do profissional para continuar o magnífico desempenho que tem vindo a exibir no FC Porto”, anunciou o clube em comunicado.

Se Galeno tivesse sido vendido, até por ser um negócio que envolvia 50 milhões de euros, o mercado tinha sido superado da melhor forma na ótica dos dirigentes do FC Porto. Nem todos os alvos que existiam foram alcançados mas, quando isso não aconteceu, rapidamente foi acionado o plano B para tornar o plantel mais equilibrado, com mais valias jovens com potencial de valorização desportiva e financeira e dentro daquilo que eram as melhores possibilidades perante o cenário atual dos azuis e brancos. Assim, sem esse encaixe, outras operações financeiras terão agora de ser estudadas, a começar pela possibilidade de perder algum dos habituais elementos titulares na próxima janela de inverno para equilíbrio do exercício 2024/25.

Quando agarrou no clube após vencer as eleições no final de abril, e colocando de parte o período em que Pinto da Costa se manteve como líder da administração da SAD, André Villas-Boas sabia que tinha várias montanhas para ultrapassar a breve prazo. Aos poucos, foi cumprindo esses primeiros passos: estabilizou o clube em termos institucionais, conseguiu ir encontrando soluções para resolver compromissos financeiros imediatos (a começar pelo pagamento dos ordenados, que numa primeira fase teve o aval do próprio), foi mudando de forma paulatina as faces do clube a nível de abertura aos sócios e à comunicação, “recuperou” adeptos que andavam mais desligados dos dragões. O futebol (e o mercado) era o próximo passo.

As conquistas da Taça de Portugal e da Supertaça, bem como o início prometedor desta nova era foram os condimentos necessários para que o trabalho pensado fosse feito na sombra por Andoni Zubizarreta e Jorge Costa. Aspetos primordiais? Escudar Vítor Bruno depois de todo o “ruído” criado na ascensão a número 1 depois da saída de Sérgio Conceição, garantir um boa entrada na época para recuperar a confiança na equipa e assegurar um plantel competitivo, mais novo, capaz de criar novas referências depois de nomes com peso no balneário como Pepe ou Taremi. O que faltou? A última venda. E se o mercado de transferências encerrou esta segunda-feira, o outro ” mercado” da administração em termos financeiros continua amanhã.