Há dois atores de comédia marcantes dos anos 90 e da viragem do milénio que eu confundo sempre: Adam Sandler e Ben Stiller. Preciso de uns segundos a vasculhar a minha sempre periclitante memória para saber qual era o Zoolander e qual é que fez aquele filme sobre um comando de televisão que fazia rewind e fast forward à vida dos personagens (chama-se Click, já agora). Sandler e Stiller faziam ambos um tipo de humor popular, muitas vezes imaturo, com várias semelhanças — e ambos fizeram uma ou outra incursão recente em formatos mais sérios.
Stiller, por exemplo, é o realizador de Severance, prestigiada série distópica da Apple. Já Sandler protagonizou Uncut Gems, a pérola dos irmãos Safdie. O que não quer dizer que o primeiro não continue a aceitar cheques para fazer sequelas de Um Sogro Do Pior e que o segundo não faça comédias absolutamente esquecíveis e vilipendiadas pela crítica para a Netflix. Mas há uma diferença no percurso de ambos: enquanto Stiller é filho de atores (Anne Meara e Jerry Stiller) e sempre enveredou por esse caminho, Sandler descobriu-se comediante nos palcos dos bares de stand up, que pisou pela primeira vez aos 17 anos e aos quais agora regressa com Love You, um especial da Netflix que tenta refrescar o género.
[o trailer de “Adam Sandler: Love You”:]
Goste-se ou não do estilo de Adam Sandler, é provavelmente uma das figuras mais empáticas da comédia, alguém que com 57 anos parece sempre uma doce criança independentemente das alarvidades que lhe saiam da boca. Os relatos da sua simpatia e humildade são fáceis de encontrar e vão desde colegas de profissão a equipas técnicas, passando pelos fãs. É talvez esse charme genuíno que ainda o mantém relevante, mais do que a graça. O arranque de Love You, uma espécie de sketch sobre os bastidores do espectáculo, pega exatamente nisso: o tipo que tem de ir para palco, mas que dá por si retido a falar com um amigo de uma segurança em face time, diretamente de uma cama de hospital.
Outros especiais de stand up começarão também com mini ficções (I’m Telling You For The Last Time, de Seinfeld, por exemplo), mas Love You vai mais longe. Realizado por Josh Safdie (dos irmãos Safdie, que o dirigiram em Uncut Gems), aqui nunca sabemos bem o que é real e o que é fictício. Sandler sobe a palco no que parece uma cave mal amanhada, com dois ecrãs em palco a darem erro, exibindo o prado verdejante do desktop de uma versão do Windows com mais de 20 anos em vez de vídeos. O ator (de calças de fato de treino Nike castanhas, polo tie dye colorido demasiado grande para fora das calças, hoodie azul-escuro cima) discute com o técnico. Tudo bem, ele vai avançando o espectáculo. Com ele está um músico com um teclado, que o acompanha quando toca guitarra ou baixo (na verdade, é Dan Bulla, também ele humorista e argumentista com trabalho feito no Saturday Night Live, por exemplo). Faz piadas sobre não ter mudado com a fama. A determinada altura, uma discussão entre membros do público interrompe-o. Verdade? Guião? Inclino-me mais para a segunda hipótese.
Love You é estranho, muitas vezes desconcertante. Parece um improviso do momento, mas é tudo menos isso. É caos desenhado com régua e esquadro. Às vezes tem graça, outras vezes falha, mas a falha até é mais fascinante do que acertar em cheio. Há um Adam Sandler que só faz filmes palermas, mas não foi esse que apareceu hoje. Foi o que, em 2002, fascinou Paul Thomas Anderson ao ponto de este o meter a protagonizar Punch Drunk Love contra a vontade dos seus co-produtores. Mas atenção: esta versão mais underground (diria mesmo: mais hipster) de Sandler não se escusa a fazer piadas sobre meter botox na pila. Ou piadas sexuais com um balão de hélio ou um génio da lâmpada — esta última dando-me a validade pessoal de perceber que não sou a única a confundir este ator com Ben Stiller.
As piadas são pontuadas com canções, com temas tão diversos como dizer palavrões no carro quando se está a voltar da Disney com a família; um bulldog com um disfarce de Halloween; ou a filha já não precisar dele para nada tirando para comprar cerveja para os amigos. Mas a melhor canção é mesmo o momento final — o tal para o qual eram mesmo necessários os ecrãs — uma ode aos méritos da comédia e como esta é essencial na nossa vida. São dezenas e dezenas os exemplos citados e mostrados, de SNL vintage a Ace Ventura, passando por Monty Python, Bridesmaides, I Love Lucy, Spinal Tap ou Jerry Lewis. Chega a ser comovente, este grito de “comedians say fuck you sadness”. Mas outra coisa não se esperaria do tipo mais empático de Hollywood, que pelos vistos tem mais capacidade de risco dentro dele do que as xaropadas recentes com a Jennifer Aniston fazem parecer.