Os bancos que recorreram das multas da Autoridade da Concorrência no caso conhecido como “cartel da banca” pediram esta quarta-feira ao tribunal a absolvição ou coimas simbólicas, alegando não terem partilhado informações estratégicas nem violado a normal concorrência.
Nas alegações do processo que está a ser julgado no Tribunal da Concorrência, em Santarém, os advogados dos bancos pronunciaram-se esta quarta-feira sobre um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 29 de julho, que considerou que a troca de informações mantida pelos bancos durante mais de uma década “pode constituir uma restrição à concorrência por objeto” e que “basta que essa troca constitua uma forma de coordenação que, pela sua própria natureza, seja necessariamente (…) prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência”.
Uma prática negada pelos bancos perante a juíza Mariana Machado. Com exceção do Barclays, que optou por não fazer alegações, todos os bancos defenderam dever ser absolvidos do pagamento das coimas ou, caso não seja esse o entendimento do tribunal, que as mesmas sejam reduzidas a valores “meramente simbólicos” ou a apenas “uma admoestação”.
O BIC, multado por factos praticados pelo então BPN, alegou que a conduta de que as instituições foram acusadas “é inaplicável “ao BPN, afirmando que este não transmitiu ou recebeu de outros bancos “informações estratégicas” e que nenhuma das testemunhas se referiu a este banco.
Da análise dos factos dados como provados no julgamento, o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA) considerou igualmente não haver elementos que comprovem trocas de informação estratégica que “demonstrem que de facto o mercado não continuou a funcionar de forma normal”, ou seja, sem concertação de taxas de juro entre bancos e sem eliminar o fator “incerteza” entre concorrentes.
O BCP sustentou que “dos 1.080 documentos” deste banco citados apenas 18 foram considerados “referentes a intenções futuras” e que nenhuma da informação recebida e partilhada terá permitido “prever com suficiente precisão o comportamento futuro dos concorrentes”.
“Não resulta do acórdão qualquer presunção de dano que os consumidores tenham sofrido, ou qualquer vantagem que o BCP tenha retirado desta conduta”, vincou o advogado para pedir a absolvição do banco ou a redução da coima a um valor simbólico.
Considerando o acórdão do TJUE “surpreendente a vários níveis”, o representante da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCAM) sustentou tratar-se de um documento “abstrato” sem “análise de efeitos” das práticas levadas a cabo pelos bancos e que não define se houve ou não uma conduta “prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência”.
“Não havendo a intenção subjetiva de prejudicar a concorrência, há que analisar as finalidades objetivas que se pretendia alcançar” e que, no caso do Crédito Agrícola, seriam “melhorar a sua presença no mercado da habitação”.
Em caso de condenação, pediu ainda um prorrogamento do prazo (de 10 dias) para recorrer de decisão atendendo ao elevado número de documentos.
O Santander considerou que este caso não tem “grande relevância real” e que as trocas de informações eram “esporádicas” e sobretudo “de antigos colegas que queria poupar trabalho uns aos outros”, para que não tivessem de ir a simuladores e ‘sites’ buscar dados.
“Os bancos são sempre propícios a convocar este imaginário das salas fumarentas onde estão todos a conspirar”, disse o advogado do banco, considerando que a atuação do Santander foi sem infração ou sem infração preocupante.
Sobre o acórdão europeu, considerou que aquele foi “arrasador para a Autoridade da Concorrência” e que grande parte do caso foi posto de parte pelo tribunal europeu, tendo ficado “reduzido a meia dúzia de emails” trocados entre funcionários dos bancos.
A CGD considerou que o acórdão europeu “traz elementos abonatórios” para este processo, ao fazer uma análise diferenciada da graduação das trocas de informação e do contexto económico e jurídico. Para o banco público, essa análise diferenciada não foi feita pela AdC e cabe ao tribunal levá-la em devida conta na sentença.
O banco Montepio lembrou tratar-se de uma instituição mutualista, com 600 mil associados, considerando desproporcionada e injusta a coima que lhe foi aplicada e pedindo a sua redução, já que desde 2014 tem resultados negativos.
Desde outubro de 2021, decorre no Tribunal da Concorrência o julgamento de recurso de 11 dos bancos multados, em 2019, pela AdC pela prática concertada de troca de informação sensível no crédito.
Segundo o regulador, entre 2002 e 2013, 14 bancos partilharam informação entre si, nomeadamente tabelas das taxas ‘spreads’ (margem de lucro comercial) a aplicar aos créditos a clientes (habitação, consumo e a empresas) e os volumes de produção, tendo-os multado no total em 225 milhões de euros.
Em abril de 2022, a juíza Mariana Gomes Machado deu factos como provados mas, ao mesmo tempo, decidiu suspender a instância e remeter ao TJUE para esclarecimentos, pelo que o julgamento foi retomado após a decisão europeia.
Esta quarta-feira, o tribunal foi também confrontado com o entendimento de alguns bancos de que há infrações que prescreveram.
No início da sessão do julgamento, a juíza disse que BBVA, BPI, BCP, Santander e CGD apresentaram requerimentos para admissão de pareceres sobre prescrições.
O Ministério Público considerou que “requerimentos entrados à 25.ª hora” num processo já longo “são pouco compreensíveis” e que o objetivo parece ser “obstar a que Autoridade da Concorrência e o Ministério Público possam exercer o contraditório na sua plenitude”.
Após troca de ideias com advogados dos bancos, a juíza decidiu admitiu os pareceres e que esses farão parte de eventuais recursos da sentença e que aí haverá lugar ao contraditório.
Os bancos advogam, de forma genérica, que a paragem do processo durante dois anos (desde 2022, quando a juíza remeteu questões para o tribunal europeu) levou à prescrição de infrações.
Além dos bancos, também fizeram alegações a Autoridade da Concorrência e o Ministério Público.
O regulador defendeu que a decisão europeia foi “cristalina, assertiva”, pelo que o tribunal tem condições para confirmar as multas.
O Ministério Público considerou que este processo demonstrou que a partilha de informação entre os bancos teve efeitos no mercado “com clientes prejudicados”, ao pagarem preços no crédito mais elevados, e que, ao mesmo tempo, a partilha de informação permitiu aos bancos “dar créditos com maior segurança” por conhecerem a posição competitiva dos concorrentes.
O procurador aludiu aos “ótimos resultados” dos bancos, desde logo em 2023, para defender que na generalidade as multas da Autoridade da Concorrência são adequadas e devem ser confirmadas pelo tribunal.
A leitura da sentença do processo conhecido como “cartel da banca” está marcada para sexta-feira, às 14h00.