O Livre entregou esta segunda-feira um projeto de lei sobre o estatuto do apátrida com o objetivo de regular o acolhimento destes cidadãos e a possibilidade de atribuição de nacionalidade portuguesa.
“Portugal já subscreve várias convenções internacionais que preveem a criação de legislação específica para os apátridas. A própria Constituição também refere que os apátridas devem ter direitos e deveres iguais aos cidadãos nacionais. A verdade é que existe aqui uma lacuna, não está previsto na legislação como fazer este procedimento“, explicou à Lusa o deputado Paulo Muacho.
Em causa estão cidadãos que não têm reconhecida uma nacionalidade por parte de nenhum Estado, o que pode acontecer “por conflitos entre as leis da nacionalidade de vários Estados”, ou em casos nos quais “não há reconhecimento de uniões de casamentos”, detalhou o deputado, que salientou o facto de “alguns países não reconhecerem casamentos inter-religiosos”, por exemplo.
“Aqueles que são os filhos que nascem dessas relações muitas vezes não têm direito a adquirir a nacionalidade de qualquer Estado. Também há situações em que isso pode acontecer, por exemplo, com processos de descolonização, em que não se adquira a nacionalidade de nenhum dos Estados”, acrescentou.
Sem nacionalidade, estes cidadãos “estão numa situação de completa invisibilidade e de completa ausência de direitos“.
Em junho do ano passado, o parlamento aprovou uma iniciativa do Livre que visava a criação do estatuto do apátrida, que teria que ser regulamentado num prazo de 90 dias — processo interrompido após a dissolução da Assembleia da República, e que o partido quer agora retomar.
O pedido de reconhecimento do estatuto do apátrida, refere o projeto, deverá ser apresentado à AIMA — Agência para a Integração Migrações e Asilo, “que o pode iniciar oficiosamente ou mediante pedido apresentado pelo interessado ou pelo seu representante legal, caso se trate de menor”.
O Livre propõe que, após o pedido, o requerente do estatuto tenha direito “a uma autorização de residência provisória, válida pelo período de seis meses, que se contam da data do seu registo, a qual deve ser sucessivamente renovada até que seja proferida decisão final”, que terá que ser tomada num prazo máximo de nove meses.
Além disso, durante este período, o requerente tem também direito, no âmbito deste processo, a serviços de interpretação, informação e apoio jurídico gratuitos, apoio judiciário nos termos da lei e a saúde e educação “nos termos definidos para os requerentes de proteção internacional”, entre outros.
Reconhecido o estatuto, o cidadão apátrida passa a ter direito “a uma autorização de residência temporária”, modelo já existente na lei de estrangeiros e fronteiras, “e a um título de viagem”.
O Livre propõe também alterações à legislação para permitir a atribuição de nacionalidade portuguesa, “por naturalização”, a titulares deste estatuto.
Para que tal aconteça, estes cidadãos têm que residir em território português “há pelo menos três anos”, conhecer “suficientemente a língua portuguesa” e não constituir “perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, criminalidade violenta, especialmente violenta ou altamente organizada”.
“A autorização de residência é atribuída nos mesmos termos de qualquer outra autorização de residência. A única alteração é que [a proposta] dá acesso à possibilidade de adquirir nacionalidade portuguesa ao fim de três anos e não ao fim de cinco, que é aquilo que está na lei”, detalhou.
Muacho afirmou que se estima que existam cerca de quatro milhões de pessoas nesta situação no mundo, e em Portugal “algumas centenas”, ainda que os dados “não sejam muito fiáveis” devido à situação de “grande invisibilidade” destas pessoas.
Esta segunda-feira, é lançada em Genebra, na Suíça, uma iniciativa da ONU intitulada ‘Global Alliance to End Statelessness’ – uma aliança global que pretende erradicar estas situações.