Depois de ter publicado e depois reimpresso excelentes livros sobre crise climática, como Plasticus Maritimus. Uma espécie invasora de Ana Pêgo, Isabel Minhós Martins e Bernardo P. Carvalho (2018, 20234), e redes sociais e notícias falsas, como Gosto, Logo Existo. Redes sociais, jornalismo e um estranho vírus chamado fake news de Isabel Meira e Bernardo P. Carvalho (2020, 20232), a Planeta Tangerina parece virar-se agora para um tema igualmente perturbador, e complexo, que é a iletracia científica, propondo-se, creio, pelo estímulo da curiosidade e pela pedagogia das grandes descobertas, alicercar nos mais novos uma progressiva compreensão do mundo em que nos é dado viver.

A tarefa não é fácil, mas de todo é impossível, e basta recordar o sucesso mundial da Enciclopédia Visual DK Ciência, entre nós lançada pela Verbo nos anos 1990. Trata-se agora — sem aquele dispendiosíssimo aparato iconográfico e fotográfico — de traduzir por miúdos e para miúdos (digamos que abaixo dum metro e meio de altura) as primeiras lições de física, química ou biologia, em coloridos livros ilustrados ainda ao modo e ao estilo usados para as histórias de sonho e fantasia dos primeiros anos, mantendo uma narrativa dialogante, quanto possível interativa, mas onde há já cenários de efetiva história humana, ou da «grande história do planeta» (p. 32).

O texto precisa de ser cuidadoso em extremo para cativar, prender e conservar a atenção dos jovens leitores, e pode dizer-se que Miriam Alves cumpre aqui muito bem a sua função, tirando máximo partido da surpresa que o excelente subtítulo Tudo o que vemos é feito do que não vemos proporciona e da própria natureza progressiva da ciência, afirmada nas páginas finais com frases como «cada descoberta representa um tijolo numa construção» (p. 66) e a ciência é «um trabalho infinito, como se fosse uma corrida de estafetas» (p. 74) — além da boa certeza de que há «Tanta coisa que sabemos e tanta coisa que ainda nos falta descobrir» (p. 71), e aquela outra, essencial: «Errar não é falhar. Errar é aprender» (p. 67).


Título: “As Peças Mais Pequenas. Tudo o que vemos é feito do que não vemos”
Texto: Miriam Alves
Ilustrações: Yara Kono
Revisão científica: Carlos Fiolhais
Editor: Planeta Tangerina

Páginas: 80

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Os cientistas escolhidos neste mergulho abismal até ao átomo e à microbiota são apresentados com justa simpatia, que o humor discreto de Yara Kono remata com pormenores deliciosos (v. Robert Hooke a coçar a cabeça olhando para um sobreiro; John Dalton de garrafa em riste a recolher amostras de ar um pouco por toda a Inglaterra; Erwin Schrödinger e o gato da sua experiência na caixa, meio vivo e meio morto mas lacrimejante; até Antoine van Leeuwenhoek, quando descobre algas Spirogyra, exclama um sonoro OMG! = Oh My God!…). Sobre a descoberta de Ernest Rutherford não hesite em pôr um dos electrões a dizer: «Sou tão negativo…» (p. 50).

O livro abre, aliás, com uma matriosca deixando já espreitar a mais pequena que tem dentro, lado a lado com uma pagela de teste de oftalmologia, com as letrinhas cada vez mais pequenas em baixo, e logo depois as peças de Lego do «navio que recebeste nos anos» servem de termo de comparação para os 36 biliões de células dum corpo humano de 70 kg e 1,7 m. A meio, quem lê reentra em cena como objeto duma nova informação: «Para formar o teu corpo, por exemplo, são precisos 11 tipos de átomos. Em graaaaaandes quantidades! (e mais uns quantos em pitadas mais pequenas.)», p. 45. A linguagem ajusta-se, pois, sem falhas, ao público leitor («E tudo o que vemos no Universo, das células às estrelas, dos livros aos computadores, dos morangos aos gelados de chocolate, é feito de átomos», p. 36), o que a ilustradora acompanha na perfeição, como na p. 53 («Reparaste nos nomes das peças dos átomos? Parecem todos feitos à medida para micro-super-heróis! […] Electrões, protões, neutrões») — e fosse ela a menina debruçada do terceiro andar que com peixe atado num cordel procura cativar a atenção do gato que está à janela do primeiro… (p. 12).

Excelente exercício de divulgação científica para jovens, apoiado pelo «amparo constante» e a «generosidade das suas muitas revisões, ideias e sugestões» de Carlos Fiolhais, muito reconhecido pelo seu longo trabalho com a colecção Ciência Aberta da editorial Gradiva. Uma colaboração de peso, cuja lucidez e oportunidade é justo saudar e louvar.