Muito se tem falado sobre a evolução do Sporting. A forma como a SAD conseguiu de forma célere montar o novo organograma do futebol com a saída de Hugo Viana no final da época para o Manchester City, evolução. A maneira como depois de uma temporada de 2019/20 com quatro treinadores os leões conseguiram segurar Rúben Amorim durante cinco anos, evolução. As respostas encontradas para segurar todas as peças chave no último mercado de transferências, evolução. Ainda assim, há outros aspetos menos visíveis que podem ser assumidos como “evolução”, com o último encontro na Liga dos Campeões frente ao PSV em Eindhoven a ser um exemplo paradigmático disso mesmo. Porquê? Num passado recente, o que aconteceu nos Países Baixos tinha tudo para terminar com uma derrota pesada; ao invés, os verde e brancos saíram com um ponto.

Sturm Graz-Sporting. Esgaio e Maxi Araújo jogam de início (0-0, 1′)

Depois da Supertaça, esse duelo com os campeões neerlandeses ficou como projeto de trabalho para Rúben Amorim sobre o que evitar em jogo. Até o básico falhou, como a escolha das chuteiras por parte de alguns jogadores que andaram sempre a escorregar durante os 90 minutos, mas tudo o resto não foi muito melhor entre inúmeros passes errados no primeiro terço em zona proibida, a falta de ligação entre setores e todos os problemas para ter jogo com qualidade na frente. A entrada de Daniel Bragança, que mexeu no figurino da estrutura da equipa, trouxe melhorias e deu o empate nos minutos finais mas em Eindhoven ficava quase a cábula para recuperar a melhor versão europeia para assegurar no mínimo o playoff dos oitavos.

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O Sturm Graz até trazia boas memórias, com um duplo triunfo dos leões na última temporada ainda na fase de grupos da Liga Europa. Daí para cá, ambas as equipas foram campeãs e tiveram uma natural evolução, no caso do Sporting condicionada nas derradeiras semanas pelas várias lesões. Neste caso, Diomande, Eduardo Quaresma e Marcus Edwards continuavam de fora mas Pedro Gonçalves e Matheus Reis estavam de volta para somarem alguns minutos de competição neste regresso. “Precisamos de todos nesta sequência, se estamos a sobrecarregar jogadores… A equipa sentiu um bocadinho as ausências, principalmente do Pote, que tem caraterísticas diferentes. Sturm Graz? Penso que melhoraram. Têm um avançado muito mais forte, acrescentaram um médio de mais qualidade com bola, organização já tinham. Precisamos ter a capacidade para não perder a bola e melhorar em certos aspetos que acho que temos de melhorar bastante: nas bolas paradas e nos duelos. Temos de ser muito agressivos”, referira Rúben Amorim no lançamento do encontro.

“Se virmos o contexto de hoje em dia e se olhássemos para o contexto do Sporting há uns anos, seria rebuscado alguém dizer que estaria cinco anos no Sporting. A verdade é que me sinto muito bem aqui. Não sabemos o dia de amanhã mas nem eu esperava estar tanto tempo no Sporting. É sinal que nos damos bem e que é difícil largarmos. Presidente disse que era um dos melhores treinadores do mundo? Há muitos melhores do que eu, o presidente não fez mais do que puxar a brasa à sua sardinha. No Sporting temos essa ideia, de que somos os melhores de todos, os jogadores com mais potencial, que os podemos vender por muito mais. É um bocadinho da nossa cultura neste momento”, apontou de seguida, recusando a ideia do treinador contrário que comparara antes a equipa atual do Sporting ao Arsenal e ao Barcelona.

Como o próprio Amorim assumiu, o atual momento dos leões faz com que tudo seja encarado de uma outra forma. É isso também que traz os resultados, como aconteceu no último encontro para a Taça onde nem um golo aos 87′ tirou cabeça fria aos jogadores para evitarem um prolongamento com Portimonense no período de descontos. É isso também que permite “sobreviver” a noites menos conseguidas como aquela que houve em Eindhoven com o PSV. É isso também que dá outra força para superar o desgaste físico e ganhar jogos mais “chatos” como aconteceu com o “autocarro” do Casa Pia no Campeonato. Contudo, e para esse estado anímico ter continuidade, o Sporting precisava voltar a ligar uma ficha que tinha estado um pouco mais intermitente nos derradeiros encontros depois de uma série de oito vitórias consecutivas.

Para isso, Rúben Amorim teve de voltar a mexer, a jogar muito não só com as características do Sturm Graz mas também com o plano físico de vários jogadores com maior desgaste ou a regressar de lesão. No final, tudo correu da melhor maneira. Fazendo uma retrospetiva de todo o encontro, entre um relvado que voltou a ser tudo menos de Champions, o Sporting só ficou a dever a si próprio uma goleada que mais para a frente até pode fazer falta em caso de empate. De resto, a “estrelinha” construída ao longo de quatro anos e meio com Amorim voltou a brilhar, sendo que, quando uma equipa tem um jogador como Viktor Gyökeres capaz de fazer uma cavalgada do meio-campo qual locomotiva a passar por todas as estações e apeadeiros sem paragem, todos os Santos da casa acabam por ajudar. A começar pelo Nuno, claro.

Ficha de jogo

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Sturm Graz-Sporting, 0-2

3.ª jornada da Liga dos Campeões

Wörthersee Stadion, em Klagenfurt (Áustria)

Árbitro: Giorgi Kruashvili (Geórgia)

Sturm Graz: Scherpen; Gazibegovic, Geyrhofer (Max Johnston, 59′), Lavalée (Schopp, 90′), Aiwu; Yalcouyé, Horvat (Yardimci, 70′), Chukwuani; Jatta (Zvonarek, 59′), Biereth (Hierländer, 90′) e Böving

Suplentes não utilizados: Bignetti, Khudiakov, Kiteishvili, Karic, Malic, Camara e Grgic

Treinador: Christian Ilzer

Sporting: Franco Israel; Ricardo Esgaio (Matheus Reis, 56′), Debast (St. Juste, 70′), Gonçalo Inácio; Geny Catamo, Hjulmand, Daniel Bragança (Morita, 70′), Nuno Santos (Geovany Quenda, 84′); Francisco Trincão, Maxi Araújo (Pedro Gonçalves, 70′) e Gyökeres

Suplentes não utilizados: Kovacevic, Diego Calai, Fresneda, Lucas Taibo e Conrad Harder

Treinador: Rúben Amorim

Golos: Nuno Santos (23′) e Gyökeres (53′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Yalcoule (39′) e Yardimci (90+4′)

O Sporting entrou como Rúben Amorim pedira: autoritário, a dominar com bola, a explorar da melhor forma os corredores laterais. Ricardo Esgaio começou mesmo como central descaído sobre a esquerda para definir em alguns momentos uma defesa a quatro, Maxi Araújo e Nuno Santos foram promovendo uma dinâmica diferente no flanco esquerdo pelas características em comum que apresentam, Daniel Bragança assumiu a posição 8 no meio-campo e não aquelas zonas que foram a lotaria verde e branca no jogo em Eindhoven. O que faltava? Oportunidades. Até houve uma aproximação com muito perigo em que Gyökeres ganhou espaço pela direita, cruzou para o toque na passada de Maxi Araújo na área mas o uruguaio estava mais à frente para o remate (10′). Antes, Francisco Trincão aproveitou uma recuperação no meio-campo contrário, esboçou a diagonal da direita para o meio e arriscou o remate mas saiu muito por cima (7′). Os minutos passavam.

Ficava a clara sensação de que o Sporting era melhor e mostrava como conseguia ser melhor, precisando depois de momentos diferenciadores para desmontar a organização sem bola dos austríacos. Foi isso que veio a acontecer pouco depois, com Daniel Bragança a ter dois momentos de desequilíbrio com bola num lance que terminou com o remate à meia volta de Gyökeres na área para grande defesa de Scherpen (16′). Foi isso que definiu o golo inaugural da partida a meio da primeira parte, com Gyökeres a fazer o apoio frontal, Hjulmand a lançar Geny Catamo na profundidade pela direita e Nuno Santos a surgir para o remate final ao segundo poste depois de o sueco não ter conseguido desviar o cruzamento do moçambicano (26′). De seguida, de novo Gyökeres ganhou espaço para ameaçar o segundo de pé esquerdo na área após trabalho individual mas os leões tinham conseguido o mais difícil: materializar o claro ascendente na partida.

Estavam a chegar aqueles que foram os únicos minutos, não mais do que cinco, em que o Sturm Graz deu uma aparente e falsa ideia de ter armas para poder dividir a partida com os leões sempre com o possante Jatta como protagonista, primeiro a desviar de cabeça para grande defesa de Franco Israel mas já em posição irregular (29′) e depois a lançar uma transição depois de uma mudança de velocidade explosiva que deixou Hjulmand para trás antes do remate cruzado de Böving para nova intervenção do guarda-redes uruguaio antes do corte de Gonçalo Inácio pela linha de fundo quando a recarga parecia inevitável (30′). Foi isso, mais um par de tentativas de ataque, dois cantos e acabou, com o Sporting a assumir mais uma vez o controlo da partida e a fechar o primeiro tempo com um desvio de cabeça de Francisco Trincão na área após canto na esquerda de Maxi Araújo para defesa fotogénica do gigante Scherpen sem grandes problemas (44′).

Nenhuma das equipas mexeu ao intervalo mas os austríacos não demoraram a mostrar outra disposição em campo, tentando colocar mais unidades a jogar entre linhas entre defesa e meio-campo verde e brancos para a partir daí tentar explorar a verticalidade das unidades mais unidades. Quase em contraponto, e perante esse maior equilíbrio na posse, o Sporting tentava perceber como explorar da melhor forma a mudança do padrão do jogo face à primeira parte, com Gyökeres e os alas a terem o espaço para o jogo em profundidade que às vezes rareou nos 45 minutos iniciais. A ideia do Sturm Graz era muito bondosa, a missão dos leões ficou demasiado bondosa: na sequência de um corte com saída a jogar de Debast, Gyökeres foi lançado quase no meio-campo encostado à linha e arrancou qual locomotiva a bater tudo e todos para o 2-0 (53′).

O jogo voltava a mudar de características, com os visitados perdidos a tentarem perceber como poderiam desafiar as probabilidades e lutarem ainda pelos pontos e o Sporting a poder gerir os ritmos da partida como se fosse mais conveniente entre controlo com bola e exploração de saídas rápidas tendo Gyökeres para jogar na profundidade. Esse contexto foi também aproveitado por Rúben Amorim para gerir o grupo em termos físicos, dando minutos aos regressados Matheus Reis, Pedro Gonçalves e St. Juste no último passo antes do regresso à “normalidade” numa fase em que a equipa jogava num ritmo mais baixo. A entrada de Zvonarek trouxe a meia distância que o Sturm Graz nunca teve para Israel brilhar mas as melhores oportunidades ainda pertenceram ao Sporting, com Trincão a atirar a rasar o poste de fora da área (80′), Geovany Quenda a aproveitar um erro defensivo contrário para rematar descaído sobre o lado direito à figura (87′) e Gyökeres a surgir completamente isolado na área após assistência de Trincão para rematar ao lado (88′).