A presidente da Associação Nacional de Municípios (ANMP) manifestou esta quarta-feira confiança no autarca de Loures, mas ressalvou que a intenção daquela autarquia de despejar os arrendatários que tenham participado nos distúrbios “não é exequível”. Ricardo Leão demitiu-se, esta quarta-feira, da Presidência da Federação da Área Urbana do PS e tem estado sob fortes criticas de figuras destacadas do Partido Socialista.
“A nossa posição é que todos temos momentos mais felizes ou menos felizes. Aquilo que o senhor presidente da Câmara de Loures diz não tem qualquer correspondência às questões formais que os autarcas estão vinculados”, afirmou Luísa Salgueiro (PS) durante uma audição na comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para 2025, na Assembleia da República.
A autarca de Matosinhos e presidente da ANMP foi ouvida na manhã de quarta-feira na Assembleia da República, na comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025)
A presidente da ANMP foi questionada na Assembleia da República pelas deputadas Mariana Leitão (Iniciativa Liberal) e Marisa Matias (Bloco de Esquerda) sobre as declarações do presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão (PS), que defendeu o despejo “sem dó nem piedade” de inquilinos de habitações municipais que tenham participado nos distúrbios que ocorreram na Área Metropolitana de Lisboa.
“Não é possível nos contratos de arrendamento prever que haja algum despejo em função do tipo de atitudes e da responsabilidade pessoal dos arrendatários. Não acontece no regime de arrendamento urbano, nem acontece nos contratos a que as câmaras estão veiculadas, portanto, não me parece exequível aquilo que é dito”, argumentou.
No entanto, a também presidente da Câmara de Matosinhos ressalvou que a não concordância com a posição do autarca de Loures “não se pode confundir com o reconhecimento e competência política” de Ricardo Leão.
“O senhor Ricardo Leão é membro do conselho diretivo da ANMP e nós valorizamos e reconhecemos muito a forma dedicada e competente com que tem estado a prestar as suas funções”, sublinhou.
Por sua vez, o deputado do Chega Bruno Nunes, também vereador na Câmara de Loures e responsável pela recomendação que originou a polémica, contrapôs os argumentos evocados por alguns dos deputados, nomeadamente por Mariana Leitão da IL, referindo que o regulamento municipal de habitação já prevê algumas situações de despejo.
“Quando dizem que é inconstitucional. Peça ao seu autarca local para lhe fornecer o regulamento municipal de habitação, que no seu artigo 54.º, na alínea L e M, já prevê todas estas situações. Portanto, as pessoas não sabem o que estão a dizer e o que está aqui a acontecer é puramente uma guerra partidária, na qual os senhores não se deviam meter”, argumentou.
Entretanto, num artigo publicado hoje no jornal Público, militantes do PS, incluindo o ex-primeiro-ministro António Costa, criticaram as declarações de Ricardo Leão, considerando que despejos de arrendatários de habitações municipais como “sanções acessórias” complementares de “sanções criminais” ofendem os valores, cultura e identidade do partido.
No artigo intitulado “Em defesa da honra do PS”, três socialistas consideram que, “além de violar grosseiramente as competências reservadas da Assembleia da República e dos tribunais, iriam [os despejos] atingir, de forma manifestamente desproporcionada, o direito fundamental à habitação dos próprios e, por maioria de razão, dos inocentes que, integrando o respetivo agregado familiar, seriam colateralmente punidos apenas por residirem na mesma habitação”.
“Quando um dirigente socialista ofende gravemente os valores, a identidade e a cultura do PS, não há calculismo taticista que o possa desvalorizar. É esse o legado do Partido Socialista que sentimos agora o dever de recordar e defender. Em defesa da honra do PS”, sublinham.
O agora antigo presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS e presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão, defendeu na semana passada, numa reunião pública, o despejo de inquilinos em habitações municipais que tenham participado nos distúrbios, após a morte do cabo-verdiano Odair Moniz, baleado por um agente da PSP.
Na quinta-feira, Ricardo Leão esclareceu que defende o despejo de inquilinos de habitações municipais que tenham sido condenados e o caso transitado em julgado, assegurando que o município “irá sempre cumprir a lei”.
ANMP prevê que o país vai perder verbas por falta de capacidade de execução
Luísa Salgueiro disse também estar preocupada com a execução do Programa de Recuperação e Resiliência. A Presidente da ANMP frisou que o país vai perder verbas porque não vai conseguir executá-las no prazo previsto.
“Vamos perder verbas seguramente porque não vai ser possível executar”, afirmou Luísa Salgueiro, durante uma audição da comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para 2025, na Assembleia da República.
Questionada pelo deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida sobre a capacidade de execução dos fundos do PRR, a socialista, que também é presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, no distrito do Porto, assumiu que esse é neste momento um dos maiores problemas.
“A execução do PRR é um dos maiores problemas que temos numa altura em que se aproxima o fim do seu prazo”, admitiu.
Contudo, a autarca recordou que o PRR é a maior oportunidade que o país tem porque contempla “recursos extraordinários, sublinhando que os municípios estão a trabalhar “em contra-relógio”.
Por esse motivo, e alertando para a urgência de concretização das obras, Luísa Salgueiro recordou que a ANMP apresentou duas propostas ao Governo para agilizar a execução do PRR, uma das quais passa pela dispensa de visto prévio (controlo preventivo) do Tribunal de Contas (TdC). “Os municípios não pedem para ser isentos de visto, mas para poderem avançar com a consignação dos trabalhos sem o visto”, explicou.
Por outro lado, a ANMP pretende que os projetos relativos a obras cofinanciadas pelo PRR sejam dispensadas da revisão de projeto.
Em causa está uma determinação do Código dos Contratos Públicos (CCP), ainda não regulada, que estabelece a obrigatoriedade de revisão, por uma entidade qualificada independente, dos projetos enquadrados em determinadas categorias e que o TdC tem entendido aplicar-se no âmbito das empreitadas de obras públicas.
De acordo com Luísa Salgueiro, além da capacidade de execução, há ainda outro problema que se prende com a responsabilidade dos autarcas e dos municípios.
“Está previsto, nos autos assinados com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), que se os projetos não forem executados até junho de 2026 seja necessário devolver verbas”, esclareceu.
OE2025: ANMP admite que há freguesias a recusar competências por falta de recursos
Na mesma sessão Luísa Salgueiro, admitiu aos deputados que existem freguesias que estão a recusar a delegação de competências, por “incapacidade de recursos”, tendo sido assinados autos de transferência em 164 câmaras municipais.
“Estas transferências que foram realizadas decorrem de negociação direta entre municípios e freguesias. Não depende apenas da vontade unilateral dos municípios para as freguesias, mas também recíproca das freguesias para os municípios”, sublinhou a também presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, no distrito do Porto.
Luísa Salgueiro reconheceu que muitas freguesias têm dificuldade em assumir algumas competências, devido à “falta de recursos”.
“O que se constata é que por vezes há uma necessidade de reforço dos recursos que existem nas próprias freguesias para que possam ser assumidas as novas competências, por exemplo, em matéria de licenças de ruído ou de estabelecimentos temporários. O que se verifica é que é preciso fazer vistorias ao local, avaliações dos espaços, as freguesias não dispõem de recursos para esse efeito”, exemplificou.
Nesse sentido, a presidente da ANMP, defendeu que se deve “respeitar a autonomia” de cada autarquia, que sabe das condições que dispõe para aceitar ou não a assunção de determinadas competências.
Segundo números referidos na audição pela deputada socialista Eurídice Pereira, 164 dos 278 municípios do continente já assinaram autos de transferências para as freguesias, num total de 1.752 autarquias.
Falta concretizar a transferência em 114 municípios, num total de 1.130 freguesias. A proposta do OE2025 prevê que as freguesias recebam no próximo ano uma subvenção geral de 396,6 milhões de euros.
A subvenção prevê para 2025 mais 47,1 milhões do que o montante inscrito no ano anterior (que foi de 349,4 milhões de euros).
No entanto, em 2024 foi estabelecido que a distribuição do Fundo de Financiamento das Freguesias teria de assegurar “um crescimento nominal mínimo de 7,8%” para cada uma destas autarquias.
Na audição desta quarta-feira, a ANMP abordou também algumas das suas reivindicações, nomeadamente a aprovação de uma nova Lei das Finanças Locais, para que possa entrar em vigor em janeiro de 2026, após as autárquicas.
A suspensão do aumento da taxa de resíduos foi outro dos temas destacados por Luísa Salgueiro.