Seria sempre um jogo diferente. Um jogo depois de competições europeias, um jogo realizado apenas duas horas antes do clássico entre Benfica e FC Porto, um jogo que antecedia mais uma paragem para as seleções. No entanto, tornou-se um jogo diferente pelas mais variadas razões. Primeiro porque os prognósticos foram completamente ao lado nos compromissos a meio da semana, com o Sporting a golear o tetracampeão City na Champions e o Sp. Braga a não ir além de um empate com o Elfsborg na Liga Europa. Depois porque existia o risco de os minhotos caírem no quinto lugar do Campeonato no final da jornada enquanto os leões acabavam sempre a ronda na primeira posição. Por fim porque seria o último encontro de Ruben Amorim a Portugal, no comando da equipa que o projetou contra a formação onde deu os primeiros passos a sério.

Sp. Braga-Sporting. Leões procuram reforçar liderança da Liga na despedida de Amorim (e antes do clássico)

“Foi estranho sair hoje da Academia porque sei que não voltarei lá. Não arrumei o escritório, vão mandar-me as coisas. Não sou muito de me despedir das pessoas. Mas é estranho sair de lá de carro e saber que não vou voltar para lá. Sinto que dei o máximo mas que não acabou. Vivemos aqui coisas inesquecíveis. Tenho o sentimento de dever cumprido. Deixo muitos amigos mas ainda sou novo e tenho muita coisa para fazer ainda. Temos de igualar o melhor arranque do Sporting e o próximo treinador que certamente irá bater esse recorde da história do Sporting”, destacava o técnico no lançamento da partida, colocando como grande prioridade a vitória na despedida sem passar ao lado de ter esse momento em plena Pedreira de Braga.

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“As duas coisas têm muita importância mas obviamente que igualarmos o recorde de sempre é muito importante para nós. O mais importante é manter e aumentar também a distância para os rivais. O Sp. Braga também teve um grande significado para mim, também gostei muito de lá estar, deu-me oportunidade para lançar a minha carreira. Estou stressado com o jogo porque queremos deixar a equipa com uma vitória. Estou nervoso mas há um FC Porto-Benfica e podemos ganhar pontos aos dois e só tenho isso na minha cabeça. Mais dois dias de descanso? Faz toda a diferença mas se não formos empenhados não se vai notar a diferença. Ter mais dois dias para preparar jogos não se pode dizer que não vai haver influência”, salientou, pedindo o mesmo espírito de trabalho, concentração e humildade que a equipa mostrara frente ao City.

Mas, no final, o que ficava? Praticamente tudo. Com Ruben Amorim o Sporting foi duas vezes campeão, ganhou cinco títulos e alterou de forma radical o paradigma em torno do futebol verde e branco, não só com várias recordes coletivos mas também com um plantel valorizado do que nunca. “Pertencemos a um período, agora se é o melhor ou o pior. No futebol, às vezes, a bola bate no poste e muda tudo. A sorte na vida das pessoas é muito importante. Somos das melhores equipas técnicas do Sporting porque ganhamos”, apontou, antes de explicar na última conferência de antevisão que o seu nome não tem acento (e as camisolas especiais feitas para a ocasião da despedida numa edição limitada tinham esse acento) e que tinha uma música que gostaria de ouvir por parte dos adeptos no final da partida em Braga: “Queremos o Sporting campeão”.

Foi mesmo assim que acabou, entre o primeiro e o segundo golo de Harder no momento em que os leões tinham carimbado uma reviravolta épica num encontro em que saíram a perder por 2-0 ao intervalo com os piores 45 minutos da época antes de uma enxurrada de golos no segundo tempo que funcionaram como nova demonstração do ADN Sporting que Rúben Amorim vai deixar. Sim, mais uma vez houve estrelinha mas essa “sorte” voltou a ser fruto de muito trabalho com protagonistas dinamarqueses que fizeram a diferença. Ao entrar para bisar, Harder ficou de forma obrigatória ligado ao encontro que valeu o igualar da melhor marca de sempre do clube com 11 vitórias consecutivas na Liga mas Hjulmand, com um golo fabuloso que fez o empate, mostrou o porquê de ser a garantia de que um fim de ciclo pode não ser o fim de uma era.

Ficha de jogo

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Sp. Braga-Sporting, 2-4

11.ª jornada da Primeira Liga

Estádio Municipal de Braga

Árbitro: Luís Godinho (AF Évora)

Sp. Braga: Matheus; João Ferreira, Paulo Oliveira, Niakaté; Roger (Victor Gómez, 61′), Vítor Carvalho, João Moutinho (Gharbi, 90+1′), Gabri Martínez; Bruma, Ricardo Horta e El Ouazzani (Roberto, 61′)

Suplentes não utilizados: Hornicek, Bambu, André Horta, Adrián Marín, Yuri Ribeiro e Gorby

Treinador: Carlos Carvalhal

Sporting: Franco Israel; Debast (St. Juste, 46′), Diomande, Matheus Reis (Gonçalo Inácio, 80′); Geovany Quenda, Hjulmand, Daniel Bragança (Morita, 55′), Maxi Araújo (Conrad Harder, 55′); Francisco Trincão, Pedro Gonçalves (Geny Catamo, 26′) e Gyökeres

Suplentes não utilizados: Kovacevic, Ricardo Esgaio, João Simões e Eduardo Quaresma

Treinador: Rúben Amorim

Golos: Ricardo Horta (20′ e 45′), Morita (58′), Hjulmand (81′) e Conrad Harder (89′ e 90+4′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Pedro Gonçalves (13′), João Ferreira (38′), Roger (45+2′), Diomande (53′), El Ouazzani (57′), Paulo Oliveira (68′), Hjulmand (80′), Gabri Martínez (90′) e Geovany Quenda (90′)

A partida começou quase como um jogo de espelhos perante a forma como Carlos Carvalhal montou o onze minhoto entre algumas ausências por lesão e défice físico. Havia nuances, como a colocação dos dois alas dos visitados sempre por dentro e o deslocar de Trincão ou Pedro Gonçalves mais no corredor para dar largura, mas até o facto de haver um esquerdino a fazer a ala direita dos dos conjuntos estava presente (Roger de um lado, Quenda do outro). Mais do que encaixe com bola, o Sp. Braga trazia a lição bem estudada em tudo o que era movimentos interiores do Sporting, tendo por exemplo Moutinho a pisar os terrenos onde Trincão entra por dentro e Vítor Carvalho a cair na construção de Daniel Bragança. Assim, e entre um duelo tático que ia deixando os guarda-redes sossegados, o único lance com algum perigo nos 15 minutos iniciais chegou numa saída de Roger que viu a diagonal de Bruma antes de Israel intercetar o cruzamento (11′).

As bases do encontro estavam lançadas e percebia-se que só um erro poderia desequilibrar aquilo que naturalmente corria de forma equilibrada, entre a maior posse do Sporting e a melhor capacidade do Sp. Braga em chegar ao último terço. Bastou um, apareceu o golo: Roger cruzou da direita após uma jogada de envolvimento com Bruma e Vítor Carvalho, El Ouazzani conseguiu fazer o desvio de cabeça antecipando-se a Diomande, Geovany Quenda cortou ao segundo poste numa primeira instância mas Zeno Debast fez o corte contra Ricardo Horta, que só teve depois de fuzilar para o 1-0 num lance onde Gabri Martínez chocou contra Franco Israel sem que Luís Godinho marcasse qualquer falta (20′). Os leões ficavam pela primeira vez em desvantagem no Campeonato após dez vitórias consecutivas, tendo ainda uma contrariedade extra nos minutos seguintes com a lesão muscular de Pedro Gonçalves que levou à saída do médio em lágrimas (24′).

O Sporting estava em apuros e a desvantagem no marcador era apenas um dos problemas numa equipa que nunca conseguiu assentar o jogo como gosta e mostrava uma ansiedade anormal para quem lidera a Liga só com vitórias. O Sp. Braga tinha muito mérito pela agressividade sem bola que emprestava ao encontro e pela forma como bloqueava o jogo pelo corredor central conseguindo sempre colocar ajudas na defesa dos dois corredores mas eram os leões que continuavam a fazer uma exibição incaracterística e sem capacidade sequer de criar uma oportunidade para chegar ao empate, sobrando um remate às malhas laterais já com pouco ângulo de Maxi Araújo (44′). Ainda assim, havia mais para contar: na sequência de um roubo de bola de João Moutinho a Bragança no corredor central, Bruma viu a desmarcação nas costas de Horta e o internacional rematou rasteiro para uma defesa de Israel que foi insuficiente para desviar a bola da baliza (45′).

Logo no reatamento, Rúben Amorim fez mais uma mexida com o lançamento de St. Juste, o defesa mais rápido dos leões, para o lugar de Debast. Muito do que poderia fazer o Sporting ainda na partida dependia da forma como a formação verde e branca encarasse os minutos iniciais da segunda parte, com um golo a poder reabrir a partida e a discussão do resultado. Os leões tinham muito mais posse, faziam a bola andar entre os três corredores mas os minhotos nunca ficavam desposicionados, mantendo-se fiéis à ideia que traziam para o encontro ainda que sem a mesma capacidade de saída dos 45 minutos iniciais. Como nada mudava, Rúben Amorim foi novamente ao banco mexer na partida, lançando em campo Morita e Harder. Aqui, os efeitos foram imediatos: Geovany Quenda bateu um canto na direita, St. Juste desviou de cabeça ao poste e Morita, na primeira vez que tocou na bola, fez a recarga de primeira com Matheus no chão para o 2-1 (58′).

O encontro voltava a abrir, com Carvalhal a reagir de imediato com as entradas de Victor Gómez e Roberto não só para estancar aquilo que seria um previsível forcing do Sporting mas para precaver uma (natural) quebra física que poderia adensar-se com o passe dos minutos. No entanto, os leões tinham de vez tomado conta da partida, demorando muito menos a recuperar a bola o que ia permitindo também que demorassem menos a chegar ao último terço. Foi aí que apareceu numa primeira instância Matheus, a defender um tiro cruzado de Geny Catamo após uma boa variação para a esquerda de Trincão (71′), mas o guarda-redes da casa nada podia fazer pouco depois numa “bomba” de meia distância de Hjulmand que fez o empate e abriu ainda mais a partida (81′). Aí, o estado anímico aliou-se às pernas (ou à falta delas) e entrou em cena Harder, que fez a reviravolta numa remate fantástico de pé esquerdo de fora da área (89′) e sentenciou o 4-2 final numa transição rápida onde foi assistido por Francisco Trincão e não perdoou isolado (90+4′).