A Biblioteca Nacional de Portugal “não tem um único latinista”, uma “lacuna grave que tem de ser resolvida a breve trecho”, afirmou esta quarta-feira o diretor da instituição, que tem à sua guarda um valioso património de latim.

“É uma falta grave que as instituições que têm à sua guarda património com uma riqueza tão grande no que diz respeito ao latim não tenham dois ou três latinistas”, afirmou Diogo Ramada Curto durante a sessão de abertura da apresentação da exposição “Aquiles Estaço: um humanista português na Europa do século XVI”.

Em declarações à Lusa, à margem da apresentação, o responsável explicou que faz parte do programa da própria biblioteca uma valorização de duas áreas em relação às quais está carente de especialistas: uma é da paleografia (estudo de textos manuscritos antigos e medievais) e a outra é a do latim.

“A Biblioteca Nacional não dispõe, tal como outras instituições patrimoniais não dispõem, neste momento, de um latinista de referência, nem de um paleógrafo de referência, e, portanto, estamos a trabalhar no sentido de conseguir trazer para a Biblioteca Nacional esse conhecimento, que vai ao encontro de uma das nossas valências, que é a valência mais erudita, mais restrita, mais ligada à investigação, mais ligada aos estudos humanísticos“, afirmou.

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Esta carência não se prende com a falta de especialistas nessas áreas, mas com “décadas de não recrutamento de técnicos superiores nessa mesma área, que foi deixada ao abandono durante décadas”.

“Não se trata de acusar rigorosamente ninguém. Nos dias de hoje, há, do meu ponto de vista, uma valorização bastante interessante e bastante correta daquilo que passa pelo processo de digitalização, que é um processo complicado, e nós estamos envolvidos, obtivemos verbas e estamos muito interessados nesse programa de digitalização, mas consideramos que o cumprimento do nosso desígnio, que é zelar e estudar o património bibliográfico português, passa por muitas outras valências e uma delas tem que ver com a paleografia, com o conhecimento do latim e, eu diria também, do próprio grego”, acrescentou.

Contextualizando, Diogo Ramada Curto esclareceu que um dos desígnios da BNP é a preservação do seu legado bibliográfico, que, em relação a determinadas épocas, “não passa apenas pelo português, passa pelo latim e pelo castelhano”, um “triângulo, sobretudo para os séculos XVI e XVII”, em relação ao qual a biblioteca quer valorizar o património bibliográfico.

Ao mesmo tempo, quer valorizar “esta parte mais erudita, mais relacionada com os estudos latinos”, afirmou, salientando a importância do trabalho de articulação desenvolvido com as universidades, nomeadamente com o Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, “que é um dos centros de excelência na promoção destes estudos”.

No entanto, esta articulação não substitui a necessidade de ter “especialistas próprios nessas mesmas áreas”, que sejam “capazes de estudar e de explicar este nosso património bibliográfico, que também é um património bibliográfico em latim”, defendeu.

“Nós temos necessidade de ter connosco especialistas que possam servir de parceiros em relação às instituições de investigação aos centros de investigação universitários. É essa, no fundo, a tradição da Biblioteca Nacional e do seu período mais dourado, que ocorreu durante a direção de Jaime Cortesão, entre 1919 e 1927”, considerou.

Todavia, Diogo Ramada Curto manifestou-se confiante de que essa lacuna vai ser colmatada e afirmou que tem “esperança de fazer muitas coisas na Biblioteca Nacional”, porque “existe um total alinhamento” com a ministra da Cultura, que — na sua opinião – tem “um entendimento bastante cabal e bastante completo de instituições como a BNP”.