O Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, Audiovisual e Músicos (Cena-STE) considera que a solução para o assédio no trabalho passa por uma “Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) muito mais capaz e muito mais forte”.

Em declarações à agência Lusa a propósito das denúncias recentes de assédio e agressão sexual no campo da música, o dirigente do Cena-STE Rui Galveias disse que a estrutura sindical a que pertence tem “muitas queixas” de todas as formas de assédio, mas sobretudo de “assédio moral”.

Na semana passada vieram a público, através da partilha de testemunhos nas redes sociais, denúncias de casos de violação, abuso sexual e assédio no meio artístico, nomeadamente na área da música, em particular no jazz.

De acordo com o jornal Público, foram identificadas 79 queixas – “relativas a 18 pessoas sobretudo do meio musical, de crimes, do assédio sexual de menores à violação, passando pelo “stalking” (perseguição) e “stealthing” (não-utilização de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a)” — em “emails” de denúncia criados na sequência da acusação da DJ Liliana Cunha, conhecida no meio artístico como Tágide, contra o pianista de jazz João Pedro Coelho.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“No caso em concreto, que é no universo do ensino, é uma forma conhecida, infelizmente, no nosso setor” e em que o sindicato tem “muitas, muitas, muitas, queixas”, disse Rui Galveias.

“Num setor como o nosso, que tem muita precariedade e que tem muito pouca valorização salarial, o valor do trabalho hoje é muito baixo seja na forma que for e os vínculos contratuais são muito baseados nos recibos verdes e na precariedade aí há todas as condições para o assédio”, frisou.

Segundo Rui Galveias, o Cena-STE considera que “o primeiro momento” de assédio ocorre “no momento da contratação”, pois é aquele em que “as pessoas são sujeitas a regras e a formas de relacionamento que não são as mais adequadas”.

Até porque, sustentou, o assédio é decorrente de “relações de poder”, onde uma das partes tem um poder superior à outra, o que assume “várias formas”.

Por isso, “quando as pessoas estão numa relação de poder desigual o assédio aparece com mais força e com mais consequências”.

Sobre as muitas queixas de assédio que chegam ao sindicato, este “vai trabalhando com os advogados quando as vítimas de assédio estão disponíveis para isso”, por pressupor “questões de intimidade e questões pessoais”.

As “muitas queixas” de assédio de que o Cena-STE tem conhecimento são, “sobretudo de assédio moral” e “em muitos casos as pessoas acabam por adiar ou não têm como reagir, sentem-se incapazes de reagir, sujeitam-se a esse assédio e mantêm-se nas relações laborais possíveis”, observou.

Rui Galveias disse ainda haver alguns casos em que o sindicato avançou com queixas, com consequências para quem praticou esse assédio. “Mas [o assédio] está muito sujeito ao contexto do próprio trabalho e à forma como depois os pares também estão sujeitos a posições de fragilidade”, frisou.

Sem quantificar o número de queixas que chegam ao sindicato por não dispor dessa informação, Rui Galveias frisou que as pessoas “têm medo de facto”. “Têm medo de tomar posição, porque têm medo de ficar sem trabalho e sujeitam-se”, frisou.

A título de exemplo citou a “utilização sistemática” de horários de trabalho de 12 horas, “que não são legais e são feitos a partir do próprio vínculo”.

“Quando há trabalho com direitos e os salários são minimamente dignos os casos [de assédio] são menores, são menos, e as consequências para quem os pratica são maiores”, enfatizou, por contraponto aos locais com mais casos de assédio, que são aqueles “onde existem menos contratos de trabalho”.

Rui Galveias frisou que a solução para o assédio passa pela necessidade de sensibilizar a sociedade, pela mudança de mentalidades, mas também por medidas da administração central.

“Aquilo de que precisávamos era de uma ACT muito mais capaz e muito mais forte e muito mais capaz de impor nos contextos de trabalho regras que defendam os trabalhadores do assédio”, concluiu.

Já esta semana, a associação Plateia lamentou a inexistência de um sistema de denúncias no meio artístico e de “proteção eficaz” das vítimas de assédio defendendo uma mudança “estrutural”, que ajude na prevenção de casos, e alterações legislativas.

Por seu lado, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apelou para que se levem a sério as denúncias de casos de assédio, violação e abuso sexual no meio artístico, para que não desapareçam “na espuma dos dias”.