O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) impõe o pagamento de custas e multas judiciais em atraso ao ex-primeiro-ministro José Sócrates no processo Operação Marquês antes de a justiça portuguesa se pronunciar sobre novos eventuais incidentes processuais que venham a ser apresentados pela defesa do antigo governante.
A conclusão é de vários juízes e advogados ouvidos pelo Observador, como o juiz Nuno Matos e o advogado Pedro Marinho Falcão, por exemplo. As fontes judiciais ouvidas convergem na interpretação do texto do acórdão de quarta-feira do TRL. “Ao remeter o processo, oficie ao tribunal a quo [Juízo Central Criminal de Lisboa] solicitando que informe este tribunal logo que o processo aí tenha sido contado e pagas as custas e multas, uma vez que só após esse pagamento será proferida decisão no traslado”, refere o acórdão.
Como a Relação de Lisboa usou o número mágico 670 para forçar o julgamento da Operação Marquês
Em causa está a aplicação do artigo 670.º do Código do Processo Civil contra manobras dilatórias, que sustentou o acórdão da Relação de Lisboa, assinado pelos desembargadores Francisco Henriques, Margarida Ramos de Almeida e Adelina Barradas de Oliveira.
Nesta decisão, os juízes rejeitaram mais uma reclamação de Sócrates e determinaram a separação de futuros incidentes processuais para processo à parte (com efeito devolutivo e não suspensivo), forçando assim a descida do processo para julgamento logo após a decisão de duas decisões — uma reclamação e um incidente de recusa — que estão pendentes no Supremo Tribunal de Justiça.
O acórdão, no qual os desembargadores acusaram José Sócrates de “protelar de forma manifestamente abusiva e ostensiva o trânsito do despacho de pronúncia e, consequentemente, a sua submissão a julgado”, 10 anos depois de ter sido detido no aeroporto de Lisboa, surge numa altura em que a defesa do ex-primeiro-ministro já terá apresentado perto de 40 recursos e incidentes processuais.
Mais de 24 mil euros a pagar só em custas judiciais
De acordo com um levantamento feito pela SIC em fevereiro de 2023, o ex-primeiro-ministro já tinha cerca de 24 mil euros em custas e multas por pagar por força dos recursos, reclamações e incidentes processuais apresentados pela sua defesa ao longo dos anos. A contabilidade inclui o valor de cerca de 200 euros que qualquer arguido tem de pagar quando entrega requerimentos fora de prazo — como costuma acontecer com regularidade com o advogado de José Sócrates.
E esta última decisão do TRL acrescenta mais 306 euros (três unidades de conta no valor de 102 euros) em taxas de justiça. Mas o valor já é muito superior aos 24 mil euros apurados pela SIC devido a um número indeterminado de recursos e incidentes processuais que o ex-primeiro-ministro interpôs desde fevereiro de 2023.
“O processo agora vai descer à primeira instância para efeitos de contagens das custas dos diversos incidentes que foram suscitados até agora e José Sócrates vai ser notificado para o respetivo pagamento”, explica ao Observador o advogado Pedro Marinho Falcão, salientando que “qualquer incidente que venha a ser suscitado será alvo de tributação autónoma e pagamento diferenciado”.
O advogado considera que o ex-primeiro-ministro tem, assim, de “liquidar tudo o que está em falta” e avisa que cada futuro incidente que venha a ser indeferido “vai dar lugar ao pagamento de novas custas”.
O mesmo entendimento é partilhado ao Observador pelo presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), Nuno Matos. “Quanto às custas, tem de ser paga a totalidade das custas para o traslado (que é o que fica na Relação) poder prosseguir”, afirma o juiz desembargador.
Com os incidentes processuais a serem tratados em processo à parte e mal saiam as resoluções das questões pendentes no Supremo, o despacho de pronúncia de José Sócrates e de mais 21 arguidos (17 individuais e quatro empresas) pela prática de 118 crimes estará em condições de baixar à primeira instância para ser executado e, dessa forma, arrancar com o julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa.
Advogado de Sócrates recusa falar de custas e aponta “luto” da Operação Marquês
Questionado pelo Observador sobre esta matéria, Pedro Delille rejeita falar das custas acumuladas por José Sócrates no processo Operação Marquês durante os últimos anos ou que esteja a usar manobras processuais dilatórias para travar a tramitação dos autos.
“Este é um despacho mentiroso e é evidente que não vamos aceitar isso. Quem usa expedientes dilatórios para reter a Operação Marquês na Relação, num processo que já se extinguiu em março deste ano, são os senhores juízes”, argumenta o mandatário do ex-primeiro-ministro. Delille defende que o processo deveria ter baixado à primeira instância para se refazer a decisão instrutória sobre a pronúncia de Sócrates e do empresário Carlos Santos Silva por seis crimes de falsificação e branqueamento (três de cada).
No entender do advogado, a decisão de março da Relação de Lisboa — que determinou que a decisão instrutória assinada pelo juiz Ivo Rosa a 9 de abril de 2021 teria de ser reformulada — anulou a pronúncia por aqueles seis crimes e “extinguiu” o acórdão de janeiro do TRL que, por sua vez, recuperou grande parte da acusação do Ministério Público, pronunciando Sócrates e outros 21 arguidos para julgamento.
“Não há nenhuma decisão em vigor que mande fazer o julgamento, o que mandam é fazer a decisão instrutória. Estes juízes, com a complacência do Ministério Público e da comunicação social, estão a evitar que se faça o luto sobre o processo Operação Marquês”, conclui.
Correção feita às 19h15: o levantamento do valor de custas judiciais apurado pela SIC foi realizado até fevereiro de 2023, e não fevereiro de 2024.