A prova obtida através de metadados foi retirada, mas nada mudou na convicção do tribunal de Santarém no processo de Tancos: todas as absolvições e condenações mantiveram-se esta sexta-feira na reformulação do acórdão de janeiro de 2022, que tinha sido imposta por uma decisão do Tribunal da Relação de Évora.
Segundo uma nota divulgada pela comarca de Santarém, o coletivo de juízes presidido pelo magistrado Nelson Barra refutou os argumentos das defesas dos arguidos, que apontavam um efeito de contaminação à distância sobre as declarações prestadas na sequência de prova obtida com recurso a metadados, e ” reiterou a decisão de facto e de direito anteriormente proferida”, na qual 11 dos 23 arguidos tinham sido condenados.
“Foi entendimento deste tribunal – na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido que as declarações prestadas em audiência de julgamento pelos arguidos, enquanto prova autónoma, afastam o “efeito-à-distância” (…) – considerar as declarações anteriormente prestadas em audiência de julgamento pelos arguidos na reelaboração da fundamentação dos factos provados e não provados”, lê-se na nota divulgada através do Conselho Superior da Magistratura.
Declarações mantiveram validade mesmo sem metadados
Expurgando todos os pontos da decisão anterior que resultavam dos dados de telemóveis dos arguidos, o coletivo de juízes destacou que a valorização da prova dos metadados – cuja lei tinha sido declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em abril de 2022 – serviu “apenas e tão só para reforçar aquilo que foi afirmado pelos arguidos e testemunhas inquiridas em audiência de julgamento”.
Por outro lado, não considerou as declarações que não confirmavam informações obtidas somente a partir da faturação, tráfego e localização de telemóveis. A anterior lei dos metadados que veio a ser declarada inconstitucional previa a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, com vista a uma possível utilização na investigação criminal.
“Deste modo, procedeu-se à reelaboração da fundamentação dos factos provados e não provados, eliminando todas as referências ao referido meio de prova, mas mantendo, no essencial, toda a restante prova já anteriormente mencionada, que assentou na análise das declarações prestadas pelos arguidos e dos depoimentos prestados pelas testemunhas, bem como, da prova documental e pericial, conjugadas com as regras da experiência comum e da livre apreciação da prova”, referiram os magistrados.
No entender do coletivo de juízes, sem as referências aos metadados como meio de prova, o tribunal renovou o entendimento expresso na decisão de janeiro de 2022 sobre os factos sem quaisquer alterações, com exceção a um único facto, mas sem consequências na definição de absolvição ou condenação dos arguidos. Na decisão de hoje, os magistrados rejeitaram também outras nulidades e inconstitucionalidades invocadas pelas defesas dos arguidos. “Motivos pelos quais, se reiterou a decisão de facto e de direito anteriormente proferida (…) e se mantiveram as absolvições e condenações já anteriormente fixadas“, concluíram.
Quem foi condenado no caso Tancos?
- João Paulino, autor confesso do assalto, na pena única de oito anos de prisão pelos crimes de terrorismo (em coautoria) e tráfico
- Hugo Santos, na pena única de sete anos e meio pelos crimes de terrorismo (em coautoria) e tráfico
- João Pais, na pena de cinco anos de prisão por um crime de terrorismo (em coautoria)
- Luís Vieira, ex-diretor da Polícia Judiciária Militar, na pena suspensa de quatro anos por um crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário (e uma pena acessória de proibição do exercício de funções por três anos)
- Vasco Brazão, inspetor-chefe da Polícia Judiciária Militar (PJM), na pena única de cinco anos, suspensa na execução, pelos crimes em coautoria de favorecimento pessoal praticado por funcionário e falsificação ou contrafação de documento (e uma pena acessória de proibição do exercício de funções por dois anos e seis meses)
- Roberto Pinto da Costa, major e responsável na PJM, na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na execução, pelos crimes em coautoria de favorecimento pessoal praticado por funcionário e falsificação ou contrafação de documento (e uma pena acessória de proibição do exercício de funções por dois anos e seis meses)
- Caetano Lima Santos, sargento da GNR, na pena suspensa de cinco anos de prisão pelos crimes em coautoria de favorecimento pessoal praticado por funcionário e falsificação ou contrafação de documento (e uma pena acessória de proibição do exercício de funções por dois anos e seis meses)
- Mário Lage de Carvalho, militar, na pena suspensa de três anos de prisão por um crime em coautoria de favorecimento pessoal praticado por funcionário
- Bruno Ataíde, militar, na pena suspensa de três anos de prisão por um crime em coautoria de favorecimento pessoal praticado por funcionário
- José Gonçalves, na pena suspensa de dois anos e seis meses de prisão por um crime em coautoria de favorecimento pessoal praticado por funcionário
- Jaime Oliveira, na pena de 60 dias de multa a uma taxa diária de cinco euros, o que perfaz o montante global de 300 euros, por um crime de consumo de estupefacientes
Um ministro entre uma dúzia de absolvições
O ex-ministro da Defesa José Azeredo Lopes foi o nome mais mediático do caso de Tancos e viu o seu nome ser incluído entre o lote de 12 arguidos absolvidos pelo tribunal de Santarém, quer em janeiro de 2022, quer na decisão agora reformulada e que confirmou na íntegra o desfecho dos 23 arguidos neste processo.
Azeredo Lopes, que detinha a pasta da Defesa no governo de António Costa quando ocorreu o furto dos paióis de Tancos, em junho de 2017, e a posterior recuperação do material, em outubro desse ano, foi absolvido da prática dos crimes de denegação de justiça, prevaricação e abuso de poderes.
O governante viria a apresentar a demissão em outubro de 2018, com o argumento de querer evitar que as “Forças Armadas fossem desgastadas pelo ataque político ao ministro que as tutela”, segundo a carta enviada ao então primeiro-ministro António Costa.