O Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, instituição sediada na Ribeira Grande, na ilha de São Miguel, Açores, está há um ano sem diretor artístico, depois da saída de João Mourão em dezembro de 2023. O concurso público foi lançado, mas um dos candidatos contestou a decisão e impugnou a exclusão junto do Tribunal. A ação teve efeito suspensivo automático e até decisão judicial o centro está impossibilitado de ter uma direção artística.

“Estamos condicionados por via judicial, que mandou suspender o concurso. O Governo Regional não pode abrir concurso até que a decisão esteja tomada. É essa a determinação, agora temos de aguardar”, confirmou ao Observador Sofia Ribeiro, Secretária Regional da Educação, Cultura e Desporto, à margem da apresentação da primeira bienal Walk&Talk.

Ricardo Esperanço, da equipa de comunicação do Arquipélago, tem acumulado as funções de diretor interino (assim foi nomeado até que o procedimento concursal termine). Confirma ao Observador que foi um candidato ao concurso que abriu em dezembro de 2023 que impugnou o procedimento. “Houve alguém que não ficou contente por não ter sido escolhido e colocou uma providência cautelar”, explica. Esperanço assumiu desde então a direção interina da instituição, mas só em dedicação exclusiva nos últimos dois meses, quando uma funcionária do departamento de comunicação regressou da uma licença de maternidade.

“O ideal era ter um novo diretor o mais breve possível. Em dois ou três meses seria bom”, lança, anunciando que o plano de atividades de 2025 será conhecido até ao final de dezembro. “Fica a faltar fazer o relatório de atividades de 2024. Depois dessa parte administrativa toda feita era bom vir a contar com uma nova direção”, diz, sem querer assumir um compromisso, pois “infelizmente a justiça é muito pouco célere”. Em caso de novo concurso, o responsável revela ao Observador que não faz intenções de concorrer ao cargo. “Há pessoas que querem (risos), mas eu não estou muito voltado para isso”.

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O Arquipélago é um centro de arte contemporânea na zona norte da ilha de São Miguel, nos Açores, mais concretamente na cidade da Ribeira Grande. O edifício de fins do século XIX onde funcionou uma fábrica de destilação foi reconvertido num centro cultural num projeto assinado pela dupla de arquitetos Francisco Vieira de Campos e Cristina Guedes e ainda por João Mendes Ribeiro. O projeto conquistou o prémio FAD Arquitetura 2016 (Fomento de las Artes y del Diseño), um galardão dedicado à arquitetura ibérica, e o Prémio Secil Arquitetura (atribuído ex aequo à Sede Corporativa da EDP) em 2020.

Foi inaugurado em 2015, mas uma reportagem do Observador dava conta como, em 2019, quatro anos após a abertura, o centro não era reconhecido formalmente pelo Governo Regional, não fazendo parte de nenhum órgão da administração do Estado, nem sequer da Direção Regional da Cultura (DRC) dos Açores, ainda que recebesse ordens e orçamento desta entidade e estivesse em pleno funcionamento.

Com mais de 9000 metros quadrados, o Arquipélago tem amplas salas que têm recebido exposições e apresentações de diferentes campos artísticos. Contempla também um Centro de Produção de Audiovisual e Multimédia e uma Black Box, por onde já passaram concertos vários, muitos deles no âmbito do festival Tremor. As caves que serviam a antiga fábrica de álcool e tabaco foram mantidas e também vindo a ser utilizadas por performances artísticas em formatos menos comuns.

Desde a sua fundação, mas em particular com a última direção, a programação do Arquipélago tem-se sedimentado no campo da formação, com oficinas, workshops, masterclasses, e projetos participativos, respondendo ao facto de em São Miguel e nas restantes ilhas do arquipélago não existir ensino superior artístico.

“Há uma cena cultural muito enraizada, com muito fulgor, muita pujança”

Ricardo Esperanço é um defensor aguerrido do modelo de uma direção bicéfala para o centro (que funcionasse em dupla, com um diretor artístico e outro executivo). A hipótese, explica ao Observador, terá sido considerada aquando da criação do equipamento cultural, mas sem vingar. A direção do Arquipélago tem sido centralizada numa única figura, escolhida através de um concurso público aberto unicamente a funcionários públicos. Assim foi com João Mourão, por exemplo, que apresentou um projeto que partiu das experiências que tinha tido com a região, nomeadamente com o Festival Walk & Talk.

Ricardo sublinha que “um possível candidato do arquipélago tem de perceber que não é um diretor apenas para a programação, mas é um diretor que tem toda uma casa para gerir”. “É a programação, são os recursos humanos, é a manutenção, é o orçamento. Não é só pensar que vai programar, há toda essa questão que precisa de ser analisada a fundo”, continua.

O festival Walk&Talk vira bienal para mostrar a “abundância” dos Açores

Para o diretor interino, ser ou não do território “é uma não questão”. O mais relevante, sublinha é “viver, experienciar e não se excluir da vivência cultural dos Açores”, notando que nenhum dos diretores do centro (Fátima Marques Pereira, João Mourão, e o próprio) eram açorianos.

“Não podemos é vir cá com a ideia de mudar ou trazer a novidade. Aqui já existem bastantes coisas a acontecer. O Walk&Talk é um exemplo disso. Há agentes culturais, coisas independentes muito próprias a acontecer dentro do arquipélago açoriano e em São Miguel concretamente. Há uma cena cultural muito enraizada com muito fulgor, muita pujança. Qualquer pessoa que venha do continente ou de outra parte entende que já existe todo um dinamismo criado. O importante é entender que ele existe e de que modo é que o pode potenciar na programação do Arquipélago.”

Enquanto alerta para a urgência de uma direção clara, Esperanço garante que a fase transitória que vive o Arquipélago não põe em casa as parcerias com agentes artísticos da ilha, como com o Walk&Talk, agora no formato bienal, ou o festival Tremor. Ainda que com este último a colaboração vá sofrer algumas alterações. “A Blackbox, que é a nossa grande sala de espetáculos, o soalho é de madeira e não comporta mais de 200 pessoas lá dentro. Um festival como o Tremor, já envolve muita gente. São mil e tal pessoas a querer todas confluir para um espaço como o Arquipélago. Nem toda a gente cabe ali. Depois há pessoas a queixar-se que não conseguem entrar no espetáculo. Isso coloca-nos numa posição de fragilidade”, assume. A parceria com o festival na primavera vai manter-se, mas o centro de artes deverá ficar fora do circuito dos concertos, sendo antes o palco de exposições de artes visuais e residências artísticas.