Este artigo foi originalmente publicado no 17.º número da

revista DDD – D de Delta.

“Depois de Badajoz, na estrada que leva a Madrid todos os cafés serão Delta!”, profetizou o Comendador. Abriu caminho com os cafés Camelo, Cubano e Barco, antes de dar à Delta dimensão nacional em Espanha, onde tem mais de 340 colaboradores e 16 delegações. É a operação mais expressiva do Grupo Nabeiro fora de Portugal e está a ter o melhor ano de sempre.

Nem um dia antes, nem depois. Passado exatamente um ano de Mário Soares, Rui Machete, Jaime Gama e Ernâni Lopes assinarem o tratado de adesão de Portugal à cee (Comunidade Económica Europeia), a Delta Cafés foi notícia em Portugal. “Café português vende-se em Espanha”, escrevia o Diário Popular a 12 de junho de 1986. “Espanha já compra do nosso café”, avançava o Correio da Manhã no mesmo dia. Era um acontecimento, era notícia.

Um acordo estabelecido entre a Delta Cafés e uma congénere espanhola sediada em Madrid permitiu a entrada no país vizinho de cafés das marcas Barco e Cubano, propriedade de Rui Nabeiro. “Na sequência desse acordo, montou-se um stand na Feira Ibero-Americana de Amostras, em Sevilha, que foi visitado por milhares de pessoas. Aí se ofereceu o saboroso café resultante daquelas marcas”, lia-se nessa edição do Diário Popular. “Foram vários os órgãos de informação espanhóis que se referiram ao acontecimento.” A Delta Cafés era notícia também em Espanha.

A livre comercialização de café entre fronteiras começou por ter particular relevo nas regiões da Extremadura e Andaluzia, ainda hoje aquelas onde a Delta tem uma presença mais forte, a par de Madrid. “Na Andaluzia, a comunidade espanhola com mais população, é onde temos mais departamentos. Estamos nas cidades de Córdova, Sevilha, Jaén, Cádiz e Málaga”, conta Fernando Garcia, diretor da delegação de Badajoz.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Fernando trabalha com a Delta Cafés há 35 anos. Entrou na empresa a 7 de setembro de 1989, dois anos após a abertura do departamento comercial de Badajoz, contratado diretamente por Rui Nabeiro.

Éramos novos em Espanha. A equipa tinha sete ou oito elementos. O que se pretendia, logicamente, foi o que se alcançou: ter uma cobertura a nível nacional bueníssima. Hoje estamos praticamente em toda a Espanha, com 15 delegações próprias.”

“Estamos a ter um ano bom”, admite o diretor-geral da Delta Cafés em Espanha, Pedro Cordeiro. As vendas estão acima do esperado, o que significa que os objetivos propostos vão ser alcançados. “A expansão do Grupo Nabeiro em Espanha avança a um bom ritmo, impulsionada pelo crescimento no canal horeca [hotéis, restaurantes e cafés] e no retalho alimentar (físico e online)”, diz.

Por outras palavras, os produtos do Grupo Nabeiro, das nossas marcas ou de marcas distribuídas, vendem-se em Espanha em grandes superfícies, como o Carrefour, o Alcampo e a MediaMarkt, e também online, na Amazon. Este projeto a nível nacional começou há quatro anos e faz parte da estratégia de crescimento no país.

Estatísticas da Delta Cafés em Espanha

347 colaboradores

15 departamentos comerciais café vendido: em média

312 toneladas por mês lote de café mais vendido: gold

Abertura das delegações Delta Cafés em Espanha

1987 Criação da Novadelta Espanha, com sede em Badajoz

1995 Madrid

1998 Cádiz

1999 Málaga

2000 Sevilha

2003 Córdova e Valência

2005 Talavera, Alicante, Cáceres e Barcelona

2006 Maiorca e Salamanca

2007 Lugo

2010 Corunha

2017 Jaén

2024 Santiago de Compostela

Hoje Badajoz, amanhã o mundo

O início foi tímido. A Novadelta Espanha foi criada em 1986, ano em que o café Delta começou a ser vendido em Espanha, mas a abertura do primeiro escritório além-fronteira só se deu em 1987. “Quando eu entrei, em 1988, nem havia armazém. Apenas um escritório e a cafetaria, onde trabalhava”, recorda Maria Dolores, mais conhecida como Yoyí, e que passou 34 anos a servir o café português – e continua a fazê-lo, agora no restaurante do Las Tres Campanas, um charmoso hotel de quatro estrelas, inaugurado em abril de 2024, e que recuperou um edifício histórico no centro de Badajoz.

É Angola o lote que se serve neste hotel. A escolha espelha o presente, uma realidade que pouco ou nada tem que ver com a de 1988. “Havia pouca cultura de café em Badajoz. Apenas conheciam o café torrefato. Foi por isso que o Dom Manuel – só mais tarde, quando fiz um curso de português, percebi porque é que se ria quando o chamávamos assim – quis a cafetaria, para dar a conhecer às pessoas um pouco desse mundo do café que elas desconheciam”, recorda Yoyí, que em três décadas já perdeu a conta aos cafés tirados. Para acompanhar, havia sumos, torradas e, é claro, pastéis de nata. “Era à maneira portuguesa.”

“A expansão do Grupo Nabeiro em Espanha avança a um bom ritmo, impulsionada pelo crescimento no canal horeca e no retalho alimentar”, diz Pedro Cordeiro, diretor-geral da Delta Cafés em Espanha.

O que nessa época se bebia mais em Espanha era o café torrefato, diferente do café torrado português na medida em que o processo de torrefação envolvia a adição de açúcar. O segredo para dar a conhecer o café torrado natural, como lhe chamam, foi servi-lo de forma gradual, em lotes de mistura com o café torrefato. “Eram lotes que tinham 60% de café natural e 40% de torrefato. Pouco a pouco, fomos convencendo as pessoas do sabor do nosso café”, conta Fernando Garcia. “Hoje, já se vende muito café 100% natural ou apenas um pouco mesclado, só com 10% de torrefato.”

Yoyí recorda o momento em que a cafetaria recebeu dispensadores de café que serviam para guardar – e disponibilizar aos clientes – diferentes variadedes. “Tínhamos um moinho e podíamos fazer blends para diferentes gostos. Foi a maneira de conseguirmos que os clientes distinguissem o café robusta do arábica. Foi um projeto bonito, que formou uma grande família. Diria que cerca de 90% dos clientes de então se mantiveram fiéis até hoje”, acrescenta, com saudade.

Pedras no caminho

Antes da expansão para Mérida, Cáceres, Salamanca, Madrid, Sevilha e Córdova, foi preciso derrubar um obstáculo que ameaçava a existência da Novadelta Espanha. Aconteceu em 1987, quando as autoridades de Madrid bloquearam a entrada de café português em Espanha alegando que o produto continha níveis de metais pesados superiores aos admitidos pela lei local.

“As autoridades espanholas já nos tinham levantado algumas barreiras técnico-administrativas, no sentido de dificultar a entrada dos nossos cafés no seu país,” explicou então Rui Nabeiro à imprensa.

Conseguimos tornear sempre os problemas daquele tipo, mas quando os nossos volumes de venda aumentavam, surgiam novas dificuldades… O objetivo deles estava à vista: bloquear, por completo, a exportação dos nossos cafés.

O bloqueio durou dois meses. O tempo necessário para o fundador da Delta Cafés mandar recolher amostras de cafés torrados em Espanha e requerer a sua análise no Instituto de Qualidade Alimentar, em Lisboa. Os resultados foram claríssimos: os cafés dos concorrentes espanhóis continham níveis iguais ou superiores aos dos cafés processados em Portugal. “Se os nossos cafés não podiam entrar em Espanha, os cafés provenientes de atividade industrial espanhola também não podiam ser ali comercializados. Quer dizer, as torrefações do país vizinho teriam de parar”, afirmou o fundador da Delta Cafés.

Surpreendidos por esta argumentação, as autoridades levantaram o bloqueio e o café português reentrou em Espanha e percorreu o seu caminho, cidade a cidade, região a região – da Galiza a Salamanca, de Madrid e Talavera a Cáceres, Badajoz e Sevilha, passando ainda por Cádiz, Córdova, Jaén, Málaga, Palma de Maiorca, Alicante, Valência e Catalunha. “Hoje, encontra-se à venda em toda a Espanha e em vários canais, através da nossa presença direta, e reforçada por uma rede de distribuidores.”

Nesses primeiros anos, o café mais conhecido era Camelo, que o Grupo Nabeiro entretanto substituiu pela marca Barco. “O café Delta não era conhecido em Espanha, nem sequer em Badajoz”, diz Fernando Garcia, nascido e criado na cidade da Extremadura. “Foram-nos conhecendo com a ajuda impressionante do Senhor Nabeiro. Praticamente passava aqui o dia todo. Dava conselhos, força e ânimo. Porque a verdade é que no início desanimávamos muito”, confessa.

Era uma luta diária. Saíamos e não vendíamos o que queríamos. Mas ele dava-nos tanta força que no dia seguinte voltávamos a sair com vontade de comer o mundo.

Pouco a pouco, aplicando a estratégia comercial que tão bons resultados deu em Portugal, baseada na máxima “um cliente, um amigo”, Fernando e a restante equipa comercial foram furando, conquistando terreno. “Entrei para ser comercial. Tinha uma furgoneta e fazia a Extremadura, e com isto quero dizer a Extremadura inteira.” É uma terra ampla. Faziam-se muitos quilómetros e Fernando habituara-se a “fazer piscinas” entre Badajoz e Cáceres. Só mais tarde, na década de 2000, é que se decidiu abrir um departamento comercial em Cáceres para melhor servir os clientes a norte da Extremadura, como Salamanca, que entretanto também já recebeu um departamento comercial exclusivo. “Badajoz era o centro, e nós íamos abrindo o círculo como se fosse uma espiral, afastando-nos pouco a pouco, cada vez mais, contratando mais pessoal, vendendo mais café e abrindo novas delegações até termos toda a Extremadura coberta.”

Na estrada para Madrid

Em 1996, numa entrevista, Rui Nabeiro disse: “Usando de persistência e de uma técnica de vendas apropriada, podemos dizer que hoje já estamos bem implementados em Espanha, em muitas regiões e, sobretudo, em muitas cidades”, adiantando “ser gratificante para um português chegar, por exemplo, a Barcelona e aí encontrar e beber um café português, o Delta”. “Não acha isso agradável?”, retorquiu ao entrevistador.

Lentamente, começava a cumprir-se a ambição partilhada numa célebre – ainda que um pouco exagerada – citação atribuída ao Comendador: “Depois de Badajoz, na estrada que leva a Madrid todos os cafés serão Delta!” Talvez o objetivo ainda não tenha sido completamente alcançado, mas, como a ddd confirmou ao longo de muitos quilómetros percorridos entre Badajoz, Mérida, Cáceres e Madrid, numa paragem para beber café, é alta a probabilidade de se ser servido Delta, Barco, Belissimo ou Cubano.

Autovía 5. E.S. Los Cerrillos. Distância de Campo Maior: 243 km. A qualquer altura, há sempre um autocarro cheio de gente a encostar para uma pausa. E há sempre café a sair. O expresso é servido particularmente curto. O café é Delta, lote Platinum, do qual vendem à volta de 150 quilos por mês. O restaurante, com alguns doces, salgados e fritos, fica colado à estação de serviço, no mesmo edifício de um pequeno hotel de estrada.

Em Badajoz, as marcas de café do Grupo Nabeiro estão presentes em cada esquina. Também na estrada para Cáceres a visibilidade da Delta Cafés em toldos, pacotes de açúcar e esplanadas é elevada. À medida que nos aproximamos de Madrid, porém, os sinais começam a abrandar. A marca dá menos nas vistas, mas não é que seja menos consumida – são antes as cervejas espanholas e refrigerantes a dominar a paisagem urbana. A chávena pode não mostrar o logótipo triangular da Delta, mas é muito provável que o seu conteúdo tenha sido torrado em Campo Maior, na fábrica da Novadelta. Pergunte-se, e é alta a probabilidade de o empregado mostrar a embalagem de um lote premium, como o Delta Diamond ou Delta Gold, até então escondida por trás da máquina. “O desafio em Espanha também passa pelo aumento da visibilidade da marca. Neste aspeto em concreto, competimos com as cervejas, um setor tradicionalmente com muita presença de marca no canal horeca”, explica o diretor-geral Pedro Cordeiro.

Quilómetro 421: Madrid

Em Espanha, gostam de beber o café com leite – oito em cada dez preferem-no, garante Eva Navarro, da direção de marketing da Delta Cafés. Há várias maneiras de o fazer: 20,9% são adeptos do caffe latte, 16,5% renderam-se ao flat white, 12,5% ao cappuccino e 12,2% bebem café “cortado” (com leite, como o próprio nome sugere). Já o café “solo” representa uma enorme minoria que se distribui entre os 11,9% de espanhóis que preferem o expresso e os 8,4% cuja escolha recai no café americano.

Mas seja servido curto ou longo, com ou sem leite, em chávena escaldada ou fria, num hotel boutique de luxo, estação de serviço ou restaurante clássico à frente do Palácio Real de Madrid, um café Delta sabe sempre, sempre a Portugal. “É um sabor muito distinto, mas para o preservar é preciso limpar bem a máquina de café”, diz Karin Omaña, a barista de La Botilleria, café e restaurante com esplanada virada para a plaza de Oriente, no centro de Madrid.

O restaurante pertence ao Grupo Lezama, fundado em 1974 pelo padre D. Luis Lezama e que hoje está presente em Espanha e nos Estados Unidos com restaurantes, cafés, hotéis e três escolas de hotelaria. O muito que Karin sabe sobre café aprendeu no curso de hotelaria que tirou na Venezuela, antes de atravessar o Atlântico. Contudo, uma formação promovida pela Barista Academy by Delta fê-la ver que o universo do café, cheio de matizes, aromas e sabores, é mais complexo do que julgava. “É como o mundo dos vinhos”, diz.

O café torrado de Campo Maior bebe-se um pouco por toda a cidade. Num passeio por qualquer zona de Madrid, das mais turísticas às mais alternativas, é inevitável encontrar algum dos quase dois mil clientes da Delta em Espanha. Por exemplo, no bairro de Malasaña, popularizado nos filmes de Pedro Almodóvar e morada da Bodega el Maño, com o seu balcão corrido e mesas altas entre a rua e o interior – é do lote Diamond o café que se serve aqui. E na Canale, uma pastelaria e padaria no afluente subúrbio Las Rozas de Madrid, a meia hora do centro, bebe-se café do lote Platinum.

Em média, cada espanhol bebe quatro cafés por dia. Os catalães e madrilenos são os maiores consumidores, com 76% e 61%, respetivamente, a admitir que bebe pelo menos uma vez por dia. Não é certo quantos destes serão Delta, mas, a vender uma média 312 toneladas de café por mês, é seguro deduzir que sejam muitos. Além do café, o Grupo Nabeiro vende em Espanha outros produtos, quer na chamada distribuição moderna (supermercados) quer no canal horeca (hotéis, restaurantes e cafés). É o caso das marcas GoChill, Adega Mayor, Deltea, Domuz e leite Puro e de produtos distribuídos como a cerveja e os sumos. E é o que acontece quando a diversificação se cruza com a internacionalização. Ainda assim, o principal negócio é claramente o do café. “Existem em Espanha muitos torradores de café que são, na sua maioria, regionais. Nós temos um projeto de âmbito nacional e em contínua expansão, com a missão de contribuir de forma inequívoca para o crescimento do Grupo Nabeiro e chegar ao top 10 mundial de empresas de café”, lembra Pedro Cordeiro.