Em 1953, o Wolverhampton instalou no Molineux uma extraordinária inovação tecnológica: iluminação por holofotes. Não era o primeiro clube a fazê-lo em Inglaterra, já que uma das bancadas do estádio do Arsenal já as tinha desde os anos 30 e o Southampton tinha o The Dell totalmente iluminado, mas foi o primeiro clube a aproveitá-lo em Inglaterra. E acabou por dar o pontapé de saída para as competições europeias conforme as conhecemos hoje.

Com o estádio totalmente iluminado e a possibilidade de realizar jogos à noite, o Wolverhampton decidiu lançar-se num conjunto de encontros particulares contra equipas estrangeiras. Enquanto campeão inglês em título, comandado por Stan Cullis e liderado por Billy Wright, o capitão da seleção de Inglaterra, o Wolves goleou a seleção da África do Sul, o Celtic, o Racing Club Avellaneda, o Spartak Moscovo e o Maccabi Telavive, empatando apenas com o First Vienna. O jogo que tudo mudou, porém, foi também o mais importante.

A 13 de dezembro de 1954, há precisamente 70 anos, o Wolverhampton convidou o Budapest Honvéd para um particular debaixo das novíssimas luzes do Molineux. O adversário não foi escolhido ao acaso: a equipa da Hungria tinha seis dos internacionais que, no ano anterior, tinham goleado Inglaterra por 6-3 e 7-1 em Wembley e Budapeste, para além de terem conquistado o ouro nos Jogos Olímpicos 1952 e terem chegado à final do Mundial 1954. Incluindo, naturalmente, Ferenc Puskás. A ideia do Wolverhampton, ao convidar o Budapest Honvéd, era recuperar a sensação de que o futebol continuava a pertencer aos ingleses.

O jogo foi um evento tão publicitado que a BBC decidiu transmitir a segunda parte em direto, algo que era para lá de raro na altura. Até aí, só mesmo as finais da Taça de Inglaterra tinham sido transmitidas na televisão, para além de algumas transmissões experimentais restritas a Londres, por questões logísticas. Na verdade, a partida foi um momento capital na história do futebol inglês – e um dos motivos que levou George Best, futura estrela do Manchester United, a decidir ser jogador de futebol.

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“Nós não tínhamos televisão em casa. Quando sabia que ia haver um jogo, ia chutar a bola contra a parede da casa do meu vizinho uns dez minutos antes do apito inicial. Era um senhor chamado Mr. Harrison e claro que me ouvia a chutar a bola contra a parede. E também sabia que eu era louco por futebol. Deixava-me transpirar até o jogo estar quase a começar, abria a porta e convidava-me para ver com ele. Foi precisamente isso que aconteceu no jogo do Wolves”, contou o norte-irlandês, que tinha oito anos na altura, na própria autobiografia.

No jogo propriamente dito, o Wolverhampton vingou Inglaterra e venceu o Budapest Honvéd – e com direito a reviravolta. Os húngaros começaram a ganhar, com Sándor Kocsis a abrir o marcador e Ferenc Machos a aumentar a vantagem ainda dentro do quarto de hora inicial, mas Johnny Hancocks reduziu para os ingleses de grande penalidade e Roy Swinbourne, com um bis, deu a volta ao marcador no espaço de dois minutos. A equipa de Stan Cullis brilhou e de forma quase literal, já que as camisolas usadas, douradas e feitas de um material fluorescente, refletiam a luz dos holofotes e pareciam fazer os jogadores brilhar no escuro.

A vitória, principalmente depois das duas derrotas de Inglaterra contra a Hungria, deixou a imprensa inglesa maravilhada. O Daily Express escreveu que era a prova de que Inglaterra ainda tinha o futebol “genuíno, original”, o Daily Mirror fez manchete com “Wolves, the Great” e o Daily Mail denominou a equipa de “campeões do mundo”. A imprensa estrangeira, porém, não ficou assim tão impressionada.

Gabriel Hanot, um antigo internacional por França que na altura era já editor do jornal L’Équipe, não demorou a questionar o entusiasmo inglês. “Antes de declararmos que o Wolverhampton é invencível, deixem-nos ir a Moscovo e a Budapeste. E existem outros clubes de renome internacional, o AC Milan e o Real Madrid, para dizer apenas dois. Devia ser criado um campeonato mundial de clubes, ou pelo menos um europeu”, escreveu, poucos dias depois do jogo. Foi a primeira pedra da Liga dos Campeões.

Tanto Hanot como outros jornalistas franceses – principalmente Jacques Ferran, que tinha estado na América do Sul a acompanhar o Campeonato Sul-Americano de Campeões, a competição precursora da Taça Libertadores – andavam a pensar num torneio europeu há alguns anos. A vitória do Wolverhampton contra o Budapest Honvéd foi o gatilho de que precisavam. Em março de 1955, a proposta foi aprovada no Congresso da UEFA. Na temporada seguinte, nasceu a Taça dos Campeões Europeus: e o primeiro jogo de sempre da principal competição europeia de clubes foi no Estádio Nacional, em Oeiras, com o Sporting a empatar com o Partizan.

Ironicamente, a primeira temporada da Taça dos Campeões Europeus não contou com representante inglês, já que a Football Association não permitiu que o Chelsea, que entretanto tinha sido campeão nacional, entrasse na competição: tudo porque acreditava que os jogos a meio da semana iriam retirar espectadores aos jogos do fim de semana, para o Campeonato. Em 1956/57, o Manchester United tornou-se a primeira equipa de Inglaterra a jogar na Taça dos Campeões Europeus, chegando às meias-finais.

Quanto ao Wolverhampton, teve ainda a possibilidade de disputar a competição em duas ocasiões, tendo sido eliminado na primeira ronda em 1958/59 e afastado pelo Barcelona nos quartos de final na temporada seguinte. 70 anos depois, a Europa já viu a Taça dos Campeões Europeus tornar-se na Liga dos Campeões e assistiu a várias alterações de formato – a mais recente, aliás, estreou-se esta época. Mas tudo começou ali, num Molineux iluminado por holofotes acabados de estrear que viram Puskás perder contra ingleses que brilhavam no escuro.