Profundo conhecedor da realidade japonesa e da Nissan em particular, o antigo chairman e CEO do Grupo Renault e da Nissan, Carlos Ghosn, considera a fusão que está a ser negociada entre a Honda e a Nissan uma “solução desesperada”, o que face às dimensões dos dois construtores e à respectiva situação financeira só se pode traduzir como um take over, com a Nissan a ser absorvida pela Honda. O homem que salvou a Nissan da falência em 1999, quando a Renault que geria adquiriu uma importante fatia da marca japonesa, injectando os fundos de que esta necessitava para evitar a falência, não vê que sinergias pode beneficiar a Nissan com esta fusão com a Honda.
As dúvidas de Ghosn serão certamente justificadas por ambos os construtores serem fortes (e fracos) nos mesmos mercados, nomeadamente o doméstico (japonês) e o norte-americano, sendo ambos muito fracos na Europa. Mais ainda, numa entrevista à Bloomberg (que pode ver abaixo), Ghosn chamou a atenção para o facto de até os veículos de ambos serem similares e disputarem os mesmos segmentos, o que leva o antigo gestor francês, libanês e brasileiro a concluir que a fusão entre as marcas nipónicas se deve à pressão do Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI) do Japão, que visa desesperadamente salvar a Nissan (a empresa, a economia e os postos de trabalho), bem como os bancos japoneses a que o construtor tem recorrido para se manter à tona.
Carlos Ghosn, hoje refugiado no Líbano para evitar a extradição para o Japão, conhece como ninguém a realidade da Nissan, bem como o que significa ser o investidor que pretende salvar e viabilizar este construtor japonês que, aparentemente, tem dificuldades em gerir-se a si próprio. Ghosn, enquanto responsável pelo Grupo Renault, decidiu em 1999 comprar 36,8% da Nissan por 3,4 mil milhões de euros, percentagem que depois incrementou para 43,4%, salvando os japoneses de uma falência iminente e criando as bases para a Aliança Renault-Nissan.
Com o Nissan Revival Plan de Ghosn a recuperar o construtor nipónico em tempo recorde (apenas dois anos), o plano da Renault começou a colidir com o da Nissan, uma vez que os primeiros pretendiam formar um “grupo” para optimizar a gestão e não perder tempo a negociar cada decisão estratégica, enquanto a Nissan preferia a “aliança” para, assim, manter uma certa independência face aos franceses. Em 2018, a Nissan tentou libertar-se (com sucesso) da pressão para a fusão com a Renault, o que resultaria na perda do controlo sobre a sua própria empresa, avançando com acusações que muitos consideraram fabricadas sobre Ghosn, na altura chairman da Nissan e CEO e chairman do Grupo Renault e da Aliança, e sobre o seu braço-direito, o americano Greg Kelly.
Após mais de uma centena de dias preso sob acusações que resultavam da prática habitual da empresa japonesa e à espera de um julgamento que não chegava, Ghosn aproveitou a passagem para prisão domiciliária para fugir para o Líbano, enquanto Kelly sairia com apenas seis meses de pena suspensa — uma pena pífia face à multa que a Nissan pagou por não declarar o que pagava aos seus quadros superiores — depois de o Governo norte-americano fazer saber que exigia um julgamento sério para o seu compatriota.