Porque a luta “por vezes não precisa de sangue”, como escreveu o ativista moçambicano Wilker Dias no arranque de mais uma iniciativa legal, organizações não governamentais do país escreveram ao Presidente da África do Sul a pedir ajuda. Invocando a ação de Pretória no Tribunal Penal Internacional sobre a ação de Israel em Gaza, que considerou ser um genocídio, a sociedade civil pede a Cyril Ramaphosa que intervenha no Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos e no Tribunal Penal Internacional “em defesa da democracia e dos direitos humanos em Moçambique”.
Na carta, que é assinada por duas das mais importantes ONG moçambicanas, a Plataforma Decide e o Centro de Integridade Pública, solicita-se ao chefe de Estado sul-africano que use a “faculdade de Estado parte” para através do Parlamento da África do Sul, interpor um pedido de providência cautelar no Tribunal Africano. O objetivo é impedir a tomada de posse de Daniel Chapo, candidato da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique, partido no poder desde a independência de Portugal, há 49 anos), cuja vitória nas eleições de 9 de outubro é rejeitada nas ruas, com manifestações violentamente reprimidas pela polícia que já causaram 280 mortes.
“A região, em particular a África do Sul, não poderá isentar-se de responsabilidades se optar por não intervir de forma célere e eficaz. O silêncio e a inação de hoje serão vistos amanhã como cumplicidade com um regime que sufoca os direitos humanos e a democracia, pondo em causa a paz e a segurança de toda região austral de África”, sublinham os ativistas.
Civil society in Mozambique today submitted a request for the South African President @CyrilRamaphosa and @ParliamentofRSA to intervene in the case of Mozambique.
Check out the full document#MozambiqueElections #MozambiqueProtests pic.twitter.com/J9ZqmBAWL2— Plataforma_decide (@PDecide23) January 6, 2025
As ONG referem que “desde o recenseamento eleitoral em 2023, que transitou para 2024, o processo eleitoral moçambicano foi marcado por irregularidades graves”, dando vários exemplos, além de acusarem as autoridades moçambicanas de “crimes contra a humanidade” durante os protestos pós-eleitorais. E avisam que “a tomada de posse de um governo cuja legitimidade é amplamente contestada, juntamente com o silenciamento violento de manifestantes por meio de repressão armada, não trará estabilidade, mas sim a institucionalização de uma guerra fria”.
E não deixam de apontar os efeitos que a instabilidade moçambicana pode ter no país vizinho: “Esta crescente descrença dos moçambicanos nas suas instituições nacionais pode levar a fluxos migratórios em massa para a África do Sul, pressionando as comunidades locais e, potencialmente, desencadeando novos episódios de violência extrema”.
Por isso, pedem também a Ramaphosa que garanta a intervenção do Conselho de Paz da União Africana, e instaure um processo judicial no Tribunal Africano e no Tribunal Penal Internacional contra o comandante-geral da polícia moçambicana, Bernardino Rafael, e contra o ministro da Administração Interna, Pascoal Ronda.
Este apelo à África do Sul “é um alerta ao mundo para que amanhã não condenem os moçambicanos quando estes organizarem o país por si só” disse a conhecida ativista Quitéria Guirengane, que também integra o grupo que escreveu a carta, numa transmissão em direto nas redes sociais na segunda-feira à noite.