Um jovem acusado de matar o pai à facada numa aldeia de Tavira, para alegadamente defender a mãe de uma situação de violência doméstica, começou, esta quinta-feira, a ser julgado por um tribunal de júri, em Faro.
O crime ocorreu em dezembro de 2023 na casa da família, na aldeia de Várzea do Vinagre, na freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, no distrito de Faro, quando o jovem, na altura com 19 anos, alegadamente interveio em defesa da mãe, matando o pai, de 63 anos.
Na primeira sessão do julgamento, Maurício Cavaco assumiu o crime, tendo sido o próprio a ligar para o número nacional de emergência, mas disse não se lembrar do momento em que desferiu o primeiro golpe e os restantes, numa altura em que a mãe já tinha abandonado a casa para pedir ajuda aos vizinhos.
O jovem relatou que nunca tinha pensado em matar o pai, descrevendo-o como uma pessoa violenta e contando que, pelo menos nos últimos 10 anos, ele e a mãe eram alvo de constantes ofensas, humilhações e ameaças por parte do homem, que ameaçava mesmo a mulher de morte.
Na noite em que matou o pai, Maurício tinha chegado a casa à noite vindo de uma aula de condução e a mãe chamou-o cerca de uma hora depois para jantar, mas este disse não ter ido porque evitava “ao máximo” fazer refeições com o pai.
Mas o pai, que, entretanto, começara a discutir com a mãe, chamou-o, e ele obedeceu por medo, tendo assistido ao pai a arremessar um bloco de pequenas ferramentas contra a mãe, magoando-a num pé, e ainda uma cadeira da sala de jantar.
“Ele [o pai] estava [naquela noite] num estado de insanidade que eu nunca tinha visto. Houve uma raiva e um nível de bruteza que eu nunca tinha visto”, contou Maurício, sublinhando que nunca antes interviera nas discussões entre os pais.
Questionado pelo tribunal por que decidiu fazê-lo naquela ocasião, o jovem respondeu ter pensado que seria naquele dia que o pai cumpriria as ameaças de matar a mãe, “pela reação explosiva que teve” na sequência de uma discussão por motivos fúteis.
Ouvida em tribunal, a mãe do jovem, Eduarda do Carmo, de 57 anos, contou que na noite do crime, quando estavam à mesa, na sala de jantar, o pai levantou-se para atirar-lhe uma cadeira, que não lhe acertou porque se desviou, voltando a sentar-se.
Nesse momento, Maurício levantou-se e derrubou o pai, entrando ambos em confronto. Eduarda entrou em pânico, sobretudo por ter visto uma faca em cima da mesa e o marido a olhar para ela, fazendo um gesto para ir buscá-la, e fugiu para pedir ajuda.
“Eu fiquei aflita, em pânico. O meu filho nunca tinha levantado a voz ao pai, nunca respondia, fazia tudo o que o pai o obrigava a fazer. Nós tínhamos muito medo dele, estávamos sempre aflitos, nunca tínhamos sossego nem paz, vivíamos num inferno”, contou a mulher, acrescentando que o marido era “sempre agressivo” e que a sua linguagem era “horrível”.
Maurício, que na altura estudava no 12.º ano, disse mesmo em tribunal que ainda hoje vive com ansiedade e que continua a ter medo do pai: “Acho que a presença dele vai sempre continuar na minha vida”.
O jovem está em prisão domiciliária na casa de uma tia, depois de ter passado alguns meses na prisão a aguardar os procedimentos para a colocação de pulseira eletrónica.
Várias centenas de pessoas assinaram, no ano passado, um pedido de libertação do jovem, alegando que este foi vítima de maus-tratos e que não constitui um perigo para a sociedade.
Os tribunais de júri só são possíveis para casos em que a pena máxima dos crimes em causa seja superior a oito anos de prisão, estando vocacionados para os chamados “crimes de sangue”.
São constituídos por três juízes de carreira e quatro jurados, que julgam processos a pedido do Ministério Público, do assistente ou do arguido. Depois de requerida, não é possível renunciar à constituição do tribunal de júri.