“Êxito extraordinário, com obras de muita qualidade e uma resposta fantástica por parte do público e dos colecionadores”, resume Juana de Aizpuru, junto ao stand da galeria que ostenta o seu nome, uma das 45 galerias convidadas para a Arco Lisboa, que abriu na quarta-feira e termina neste domingo.

“É um evento muito importante para uma cidade, dá um impulso à arte e serve de motor cultural”, explica Juana de Aizpuru, de 82 anos, fundadora da Arco Madrid e primeira diretora do certame, entre 1982 e 1986.

Na sexta-feira, em conversa com o Observador, deixou ainda uma previsão: “Tenho a certeza de que nos próximos anos vão abrir mais galerias em Lisboa e o colecionismo vai disseminar-se, graças ao efeito da feira.”

O número total de visitantes superou os 12.800, de acordo com a organização. O edifício da Cordoaria Nacional, na Avenida da Índia, não foi pequeno para a procura, mas esteve quase sempre cheio, cada dia marcado por um tipo de público.

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A próxima edição da Arco Lisboa, informou a organização ao início da tarde deste domingo, vai ter lugar na segunda quinzena de maio de 2017 e “terá um vínculo especial com a nomeação de Lisboa como Capital Ibero-Americana da Cultura 2017”.

Quarta foi dia de formalidades e visitantes profissionais: ministro dos Negócios Estrangeiros, embaixador de Espanha, presidente da Câmara, colecionadores e artistas.

Quinta, feriado, com a abertura oficial ao público, a tarde ficou marcada pela visita do Presidente da República e por uma fila à porta com mais de 100 metros. Os bilhetes custavam 15 euros por pessoa.

Foi nessa fila que o Observador encontrou Pedro Silva, de 46 anos, um professor de história que esperava a vez, ao sol, e se dizia “movido pela curiosidade, sem interesse especial por este artista ou aquela galeria”.

A sexta-feira teve menos gente e menos famílias, enquanto no sábado se viram muitas figuras públicas da televisão, do jornalismo, do teatro e da moda. E até um candidato a secretário-geral das Nações Unidas.

Balanço

Versão reduzida da Arco Madrid, que este ano atingiu as 35 edições, a Arco Lisboa não se limitou à Cordoaria, tendo um programa paralelo, com visitas as galerias do Chiado ou de Marvila e exposições novas em museus e galerias, feitas de propósito para esta semana. Do ponto de vista do grande público, funcionou.

“A arte contemporânea é difícil de compreender para a maioria das pessoas”, constata a artista Ana Pérez-Quiroga, de visita na tarde de sexta.

As pessoas não valorizam tanto uma peça recente quanto um quadro do século XIX, não valorizam porque não conhecem. Por isso, uma feira destas é essencial na criação de novos públicos e na legitimação da arte contemporânea”, defende.

Outros artistas com quem o Observador falou, e que preferem não ser identificados, entendem que a qualidade das obras expostas, escolhidas por cada galeria (quatro ou cinco artistas em cada), deixou muito a desejar: pouco rasgo e muito conceito, o que apela à intelectualização mas não seduz.

Em certa medida, vão ao encontro do que escrevia há dias no Público a crítica historiadora de arte Luísa Soares de Oliveira: a seleção de obras “não é uma representação matemática da realidade do mercado português da arte contemporânea” mas a “representação exata de um núcleo de agentes e artistas apostados na internacionalização”, o que colocou a oferta disponível num “patamar qualitativo muito uniforme”.

Mesmo as galerias espanholas tinham à venda nomes portugueses, caso da Horrach Moya, de Palma de Maiorca. Escolheu Vasco Araújo como artista em destaque e apresentou obras de Joana Vasconcelos, uma das quais, El Chorro (2015), escultura em aço, crochet e polyester, valia 35 mil euros. “Um preço acessível, tendo em conta outras obras da artista”, disse Patricia Palmer, uma das vendedoras.

O ambiente na Cordoaria é informal ao longo dos dias, com dois registos distintos: de um lado, os curiosos, com as famílias e amigos, mais nos corredores que dentro dos stands; do outro, frequentadores habituais de feiras e museus, próximos dos galeristas e em conversa com estes.

A curiosidade leva os visitantes a tocar em algumas obras, às vezes só com um dedo, para demonstrarem que sabem que não é para mexer. Tiram fotografias às peças, comentam entre si, espantam-se com os preços ou dissertam sobre “o panorama da arte”.

Sem dinheiro para investir, muitas pessoas pagaram bilhete apenas para ver, mas têm interesse em perguntar aos galeristas os preços das obras, ouvindo como resposta “15”, “25”, “100”, a que devem elas próprias acrescentar a palavra que falta: “mil”.

Um dos stands que mais chamam a atenção é o da galeria portuense Fernando Santos, por causa de uma obra sem título do mexicano Bosco Sodi: tela redonda e encarnada com textura a fazer lembrar um biscoito. 85 mil euros.

Muito fotografada e comentada é também uma pintura (ou será escultura?) do britânico Jason Martin, óleo sobre alumínio, tudo negro, com efeitos que parecem a superfície de um disco de vinil. 110 mil euros.

Sentados em cadeiras brancas junto a pequenas mesas redondas, os galeristas assumem uma atitude discreta. Quando vêm algum observador atento, dirigem-se a ele e perguntam se quer mais informações. A persuasão não se declara. Se o interesse do potencial comprador não aquece, dão-lhe um cartão-de-visita, na esperança de um contacto futuro.

“Uma feira é um trabalho de longo prazo, não se pode dizer que correu bem ou mal só porque vendemos 20 peças ou nenhuma”, resume Júlia Brito, de 24 anos, da galeria Luciana Brito, de São Paulo.

Fazer bons contactos é o fundamental, nem sempre a venda acontece logo: os compradores querem tempo para depois pesquisarem sobre o artista ou então acham que não é ainda o momento de investir”, explica, momentos antes se de levantar, pedir desculpa e interromper a conversa. “Vou ter de cumprimentar uns colecionadores que chegaram”.

Uma das vozes otimistas é a de Bruno Múrias, de 39 anos, responsável pela Múrias Centeno, galeria que trouxe a Arco até Lisboa em conjunto com a galeria Cristina Guerra, apoiados pela IFEMA — Institución Ferial de Madrid, gestora da Arco Madrid.

“A expectativa que tínhamos não saiu defraudada e até ao lavar dos cestos é vindima”, diz o galerista no sábado, indicando que as últimas horas do certame, até às 18h00 de domingo, também contam.

“Tem sido uma boa feira para difusão e divulgação, para estabelecer contactos com curadores espanhóis, belgas, franceses. Nota-se também uma retoma de colecionadores privados que tinham estado adormecidos nos últimos anos”, destaca Bruno Múrias.

Os Museus

O argumento não será suficiente para convencer o diretor do Museu Coleção Berardo, de Lisboa. Ao Observador, Pedro Lapa criticou o “alheamento quase total” das instituições, isto é, dos museus portugueses de arte contemporânea.

A Fundação de Serralves e a Gulbenkian são exceções, segundo várias vozes. Mas as restantes instituições não estiverem na Arco, por isso não compraram.

Será efeito, ainda, da crise financeira e económica? Pedro Lapa entende que não é só isso, antes uma “incúria das instituições desde há vários anos” em termos de novas aquisições.

Ao que explicaram vários agentes, os museus são vistos como fulcrais no mercado da arte e situam-se no topo de uma hierarquia informal que põe em segundo lugar os colecionadores particulares e em terceiro o grande público. Sem museus que comprem e legitimem os artistas, dificilmente outros compradores mostram interesse, o que prejudica o negócio dos galeristas numa feira como a Arco.

“A feira é muito importante para divulgar artistas, mas penso que deveria também servir para se repensar o papel das instituições”, acrescenta Pedro Lapa.

Juana de Aizpuru acha que “as instituições privadas e públicas devem implicar-se mais”. “Os primeiros anos de cada feira são sempre mais fracos, mas é preciso um sinal das instituições”, sublinha.

O Regresso

De resto, ciente já de que o volume de vendas não seria extraordinário, o diretor da Arco, Carlos Urroz, disse ao Observador na véspera da abertura que o barómetro do êxito lisboeta seria “a boa qualidade dos conteúdos” e “a presença de galerias do Brasil e dos EUA”. Não falou em vendas diretas.

“Hoje há muitas vendas que não são imediatas: se se vende uma peça para o Museu Rainha Sofia, não se leva a obra debaixo do braço, ela tem de passar por uma comissão de análise”, explicou Carlos Urroz, que nos dias da feira andou por todo o lado, a falar com tantas pessoas quanto podia, tentando captar cada opinião.

No balanço, Ana Pérez-Quiroga entende que a Arco Lisboa “gera uma energia imensa na cidade”. “Estamos a sair daquela coisa do artista português que faz para ser visto pelo português”, afirma.

A galerista Maria de Belém, da Presença, frequentadora assídua da Arco Madrid até 2011, diz que a “organização é ótima” e entende que a “atenção dada às obras por parte dos visitantes é meio caminho andado para a divulgação do artista”.

Cautelosa, Marina Buendia, da Vermelho, de São Paulo, explicava na sexta-feira que era cedo para “concluir se deu resultado”, mas retirava já uma conclusão:

Acho que serviu para abrir o mercado em Portugal, é um país com uma lógica muito local na arte contemporânea e assim pode chegar a outros países.”