Carlos Urroz posa para o fotógrafo do Observador, na terça-feira ao fim da manhã, quando de repente se lembra de um outro cenário para o retrato: junto à cafetaria, numa ponta do edifício da Cordoaria Nacional. É preciso dar uma volta enorme para lá chegar, mas ele não se atrapalha. Galga uma janela que está aberta, pede ao fotógrafo para fazer o mesmo e o retrato acontece onde ele quer.

Pragmático, focado e conhecedor do ofício, fala depressa e organiza as ideias de forma esquemática. Percebe-se que está habituado a dar entrevistas. Pela maneira inegociável como não autoriza o Observador a captar imagens da montagem dos pavilhões, dir-se-á que é também determinado, se não severo.

Aos 49 anos, é diretor da Arco Madrid. Entrou em 2010, quando a feira vivia a pior crise de sempre, com fraco negócio e pouco público. Já antes, entre 1994 e 98, tinha trabalhado como diretor-adjunto do certame. Foi aí que iniciou o seu percurso no domínio da arte contemporânea.

Apresenta-se de camisa e casaco, calças de ganga e ténis, e senta-se descontraidamente para uma entrevista nas vésperas da abertura da primeira edição da Arco Lisboa, que também dirige. As portas abrem ao público esta quinta e assim fica até domingo, dia 29, com entrada a 15 euros.

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Carlos Urroz começa por explicar o porquê de Lisboa ser extensão de uma feira internacional de arte contemporânea com 35 anos em Espanha. A ideia surgiu há cinco anos e não se concretizou antes devido à crise financeira e económica nos países vizinhos.

Estamos aqui por causa do vínculo com as galerias de Portugal: são uma parte importante da Arco Madrid e queriam ter uma feira gerida pela Arco; segundo, pensamos que a Arco Lisboa pode dinamizar o mercado do colecionismo, que esteve latente nos anos da crise; terceiro, pelo momento que Lisboa vive: há projetos interessantes, com espaços não lucrativos, novas galerias que se têm instalado e uma população flutuante com interesse na arte.”

Refere-se às elites económicas da China e de Angola que têm vindo a comprar casa em Portugal. Mas não só. Também ingleses franceses e belgas.

Madrid – Lisboa

Outro dos motivos para a versão lisboeta é a política de expansão da Arco, que “passa por feiras mais pequenas e fáceis de visitar, mais vinculadas a cidades que estejam por descobrir em termos de arte contemporânea”, diz.

O público a que se dirige é composto por colecionadores profissionais, representantes de fundações e museus, críticos de arte – muitas vezes não compram mas aconselham terceiros – e o grande público, que pode não ter hábito de comprar arte.

No entender do responsável, as peças à venda na Arco Lisboa “têm um duplo filtro de qualidade”, pois foram escolhidas por galerias que, por sua vez, foram escolhidas pela organização da feira. “É um duplo filtro importante. Por isso, comprar na Arco é melhor que comprar numa loja em Alfama”, afirma, com alguma ironia.

A procura recai sobre aquilo a que o diretor da Arco chama “boa arte”, feita por artistas que “sentem o seu tempo e são capazes de o plasmar de uma forma compreensível para os outros ou de forma forma encriptada mas atraente.”

Na terça, quando o Observador visitou a Cordoaria, a montagem decorria a bom ritmo. Embrulhadas em plásticos ou dentro de caixas de cartão acumulavam-se centenas de peças. A montagem começou há uma semana e é assegurada por um exército de operários com martelos, berbequins e tintas. A maior parte dos elementos veio de Espanha.

De resto, por estes dias, o espanhol é a língua oficial dentro do edifício pombalino da Cordoaria, antiga Real Fábrica da Cordoaria, na Avenida da Índia, classificado Monumento Nacional em 1996 e não 1998, como por lapso escreve o ministro da Cultura num texto do catálogo.

A equipa portuguesa fala espanhol, porque os madrilenos da Arco quase não entendem português. Na montagem, na receção, no gabinete de imprensa e em alguns textos predomina o castelhano.

É certo que o português do Brasil também se ouvirá, e muito, até domingo. Pode ser arriscado concluir que a Arco Lisboa serve de porta de entrada da Arco Madrid no Brasil, ou na América Latina, mas há evidências que apontam esse caminho.

Um teste

Carlos Urroz diz que o barómetro do êxito lisboeta será, desde logo, “a boa qualidade dos conteúdos” e “a presença de galerias do Brasil e dos EUA”. Além disso, à pergunta sobre o que procuram os galeristas em Lisboa, o diretor responde com uma referência ao Brasil: “Como se trata de um mercado novo, as galerias escolheram um artista para destacar no seu espaço, porque querem que ele seja visto por representantes de um museu espanhol ou brasileiro”.

Não por acaso, quem escolheu os 45 nomes para a Cordoaria foi um comité de cinco galerias: duas portuguesas (Cristina Guerra e Murias Centeno), uma espanhola, uma italiana e uma brasileira.

Dando a entender que os negócios de arte contemporânea funcionam sob o signo das mudanças bruscas e da incerteza, Carlos Urroz sublinha que a venda direta pode não ser o que mais interessa aos expositores.

Hoje há muitas vendas que não são imediatas: se se vende uma peça para o Museu Rainha Sofia, não se leva a obra debaixo do braço, ela tem de passar por uma comissão de análise”, explica.

“Por outro lado, os galeristas podem conhecer um colecionador com o qual vão desenvolver contacto ao longo dos anos seguintes. O mundo da arte mudou muito com a fluidez das comunicações, e até pelo número de feiras existente, por isso a relação é mais fácil. Antigamente, via-se uma obra de que se gostava e comprava-se logo. Hoje, o diálogo dura mais tempo, discute-se o espaço onde se quer colocar a peça, que artista tem cabimento, etc.”

Segundo Carlos Urroz, não são os géneros ou as técnicas que determinam o interesse dos compradores. Não se pode, por isso, dizer que a fotografia tenha maior procura sobre a pintura ou que os retratos sejam mais requisitados que as paisagens. Importa que o artista seja “interessante, internacional e saia das suas fronteiras”.

“O artista deve ter características locais, mas tem de pensar numa carreira global, não pode ficar a vida inteira no seu país, tem de sair e trabalhar com galerias, museus e colecionadores lá fora. Depois, a projeção que tem depende do caráter pessoal, da obra, das oportunidades, inúmeros fatores. As carreiras medem-se a médio prazo, tal como o sucesso das feiras.”

Para já, diz que uma próxima edição em 2017 acontecerá “de certeza”, o que, contudo, não impede que a de 2016 seja um teste: “Confiamos que continue nos anos a seguir, se não, é sinal de que a Arco Lisboa não foi tão importante para o setor como queríamos”.