Luís Cunha Ribeiro terá tentado realizar-se diversas manobras para defender-se de uma eventual investigação judicial contra si. De acordo com a imprensa de hoje, o ex-presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica não só terá falado através da aplicação WhatsApp para evitar eventuais escutas telefónicas da Polícia Judiciária (PJ) como terá doado o apartamento no Porto que adquiriu a Paulo Lalanda de Castro por um preço alegadamente abaixo do valor de mercado.

Segundo o Correio da Manhã, Luís Cunha Ribeiro teria a convicção de que o seu telefone estava sob escuta da PJ, o que terá levado o médico a recorrer a chamadas via Internet através da conhecida aplicação WhatsApp. Estas chamadas não serão captadas pelo sistema de escutas telefónicas da Judiciária.

A investigação judicial Operação O – foi aberta na sequência da reportagem de investigação da TVI sobre o negócio do plasma sanguíneo onde foram denunciados alegados favorecimentos da Octapharma — farmacêutica suíça que deteve durante mais de 12 anos o monopólio da venda de plasma e de medicamentos hemoderivados aos hospitais públicos. Nessa reportagem emitida em junho de 2015, era denunciado a utilização alegadamente gratuita por parte Luís Cunha de Ribeiro de um apartamento de luxo no centro de Lisboa, propriedade de Paulo Lalanda de Castro — o homem forte da Octapharma em Portugal.

Mais tarde, o Correio da Manhã noticiou que Lalanda de Castro teria vendido a Cunha Ribeiro um imóvel no Porto por um preço abaixo do valor de mercado. O valor registado na escritura será de 300 mil euros mas o apartamento valeria cerca de 500 mil euros.

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São estes negócios imobiliários que estão na origem nas suspeitas de corrupção que são imputadas pelo Ministério Público e pela PJ a Lalanda de Castro e Cunha Ribeiro e que estão na origem da detenção de ambos. Estas seriam as contrapartidas por Cunha Ribeiro ter alegadamente favorecido a Octapharma num concurso de 2000 para a compra de medicamentos hemoderivados — concurso esse que está na origem do monopólio da farmacêutica suíça.

Imóvel doado aos filhos

Outro indício que demonstrará que Cunha Ribeiro temia uma investigação judicial, prende-se com a doação do duplex de 230 metros quadrados localizado na Alameda Eça de Queirós, no Porto, que realizaou aos seus filhos, segundo o Expresso. A doação ocorreu a 14 de setembro de 2016, já depois de o Correio da Manhã ter noticiado a 20 de agosto o negócio entre o médico e Lalanda de Castro, e visaria impedir que o imóvel fosse alvo de arresto no contexto de uma eventual investigação judicial. Esta alegada manobra não impediu que o imóvel fosse, de facto, alvo de arresto esta semana por parte do Ministério Público.

O duplex de luxo no Porto foi comprado em 2003 à empresa Convida (detida por outra sociedade, uma offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, de Paulo Lalanda de Castro) pelo preço de 300 mil euros. De acordo com o Expresso, a PJ não terá encontrado registos de qualquer transferência realizada entre os protagonistas do negócio. Daí a suspeita de que se tratará de uma venda simulada.

Cunha Ribeiro estava de férias há 11 meses

De acordo com o Jornal de Notícias (JN), Luís Cunha Ribeiro encontrava-se de férias há quase 11 meses no momento da detenção. Depois de ter apresentado demissão do cargo de presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, em dezembro de 2015, Cunha Ribeiro regressou ao Hospital de São João, no Porto (onde trabalhava antes de assumir o cargo em Lisboa), com as funções de “assistente graduado sénior de imunohemoterapia”, disse ao JN fonte hospital.

Porém, passado pouco mais de um mês, a 22 de janeiro de 2016, Cunha Ribeiro entrou de férias — até hoje. Sobre a ausência prolongada, a mesma fonte explicou ao jornal que esta se deve a “dias de férias acumulados” em cargos anteriores — no próprio Hospital de São João, no INEM e na Administração de Saúde de Lisboa — “e devidamente autorizados”. Uma situação que, de acordo com Carlos Ferrer dos Santos, advogado da Ordem dos Médicos da Zona Centro, não é assim tão legal quanto isso.

“Isso não tem suporte legal, não é possível”, disse ao JN. O Código do Trabalho permite passar férias de um ano para outro, mas só pode ser acumulado “o gozo de metade do período de férias vencido no ano anterior com o vencido em causa, mediante acordo entre empregador e trabalhador”. Contas feitas, Cunha Ribeiro nunca poderia ter direito a 11 meses de férias.

Na edição deste sábado, o JN avança também que, antes de ser detido, Cunha Ribeiro terá estado reunido com o secretário de Estado Fernando Araújo. A reunião teria sido marcada para discutir as novas funções que o ex-diretor do INEM iria exercer em breve, e em simultâneo, no Hospital de São João e na Administração Regional de Saúde de Lisboa. Apesar de o Ministério da Saúde ter desmentido esta versão, o JN dá a informação como segura, adiantando mesmo também terá estado presente o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes.

Na quinta-feira, a TVI noticiou que Fernando Araújo, que foi diretor de Serviço no Hospital de São João, terá estado envolvido na adjudicação que o hospital fez à Octapharma para o armazenamento e fracionamento de plasma sanguíneo para produção de medicamentos hemoderivados.

Advogado de Lalanda já pediu revogação do mandado de detenção

Ricardo Sá Fernandes, advogado de Paulo Lalanda de Castro, pediu a revogação do mandado de detenção europeu do seu cliente por considerar que esta foi “ilegal” e “abusiva”. Tal pedido terá de ser apreciado por um tribunal alemão, já que o ex-líder da Octapharma em Portugal foi detido na Alemanha.

Ao Correio da Manhã, Sá Fernandes explicou que Lalanda manteve sempre as autoridades informadas do seu paradeiro e que se mostrou por diversas vezes disponível para prestar declarações no âmbito da investigação.

O advogado defende, por isso, que a detenção do ex-presidente da Octapharma na Alemanha não faz “qualquer sentido”. Caso a revogação seja aceite, Lalanda de Castro poderá regressar a Portugal em liberdade para ser constituído arguido. Seja como for, o pedido de Sá Fernandes vai atrasar a entrega de Lalanda de Castro às autoridades portuguesas.